X. e eu (ela começa):
— Hummm, resolveste pôr um perfume? Que perfume é este?
— É um que tá aí faz tempo.
— “Faz tempo” significa “antes da minha gestão”?
— Sim.
— Cheiro horrível.
Minha mãe, em dia de alguma lucidez, e eu:
— Mãe, desculpe, mas tu estás ficando surda. A gente tem que gritar prá tu entender.
— Olha, fui no otorrino e ele disse que estou muito bem.
— Me diz o nome deste otorrino.
— A tua irmã me disse mas eu não ouvi direito.
X. e eu:
— Lendo as notícias do Grêmio, querido?
— Sim, adoro a decadência. Isto aqui é melhor que Os Buddenbrook.
Casal ao qual não pedi autorização para identificar:
Ele: Um amigo me disse que existem quatro tipos de mulher. A primeira é do tipo que faz você se sentir um completo idiota… Eu não lembro das outras duas…
Ela: Mas dá 3!
Ele: Às vezes tu podias ser menos loira…
Ela: E às vezes sinto saudades do tempo em que tu não tomava antidepressivos…
Dias depois, a mesma dupla:
Ela: Tu sabe que meu cabelo é castanho claro…
Ele: Tu é loira, dizer que é castanho claro é um casuísmo que usas na hora das piadas. É loiro escuro, pronto. Tu me atraíste por ser loira.
Ela: Pelo que sinto, certamente não foi por minha capacidade, claro…
Ele: Há coisas que não são miscíveis, amor.
X. e eu, na cama:
— Quando eu ficar impotente, tomo Viagra.
— E para os neurônios?
X. e eu na cama, novamente:
— Vocês mulheres vivem 10 anos mais do que a gente.
— Hummm.
— Eu tenho 9 anos mais do que tu.
— Hummm, e daí?
— E daí que serás minha viúva por 19 anos.
— Para senão eu vou começar a chorar. É sério!
Bernardo, na secretária eletrônica do celular:
— Pai, tô te ligando para saber o resultado do jogo do Grêmio. Se bem que eles devem ter perdido. Já tô até feliz. (risadas) Só me diz de quanto. Um beijo.
X. e sua mãe:
— Mãe, por que tu me deste o nome de X.?
— Ora, porque eu gostava e tinha uma amiga cheia de vida e muito bonita chamada X.
— Sabe o que significa?
— Não.
— “Manca”.
— …
— Conheces a palavra claudicante?
Ela, ele e garçom num restaurante do interior da ex-Tchecoslováquia. Ela olha atentamente para o menu em tcheco. Por fim, aponta um prato:
— Cocó? – diz, enquanto mexe os cotovelos como asas.
— Muuuuuuuuuuuuu – responde o circunspecto garçom.
Bárbara e eu.
— Pai, quero fazer uma tatuagem.
— Sou contra.
— Mas é pequena, na parte interna do pulso. Só o contorno de um cavalo.
— Não fica vulgar?
— Vulgaridade é postura, pai. Tu estás aí há 52 anos e não te deste conta?
(Ela fez a tatuagem. Disse que quase morreu de dor. Ficou bonito.)
Hahaha.
Muito bom Milton.
Os que mais gostei foram o da viúva por 19 anos e o da Bárbara. Se bem que o “Muuuu” também é ótimo.
Vou no embalo:
Minha mãe, desabafando comigo e eu consolando:
– Não aguento mais tua vó! Eu adoro ela. Mas, às vezes, ela me deixa louca.
– Sei como é. Eu também tenho mãe…
Boa, Luís… adorei essa 🙂
Nós que nos amávamos tanto
Reunião na célula partidária. Alguns novos integrantes, visitantes, ou espiões. Ele ajeita os óculos de míope já defasados, mas não adianta. Por fim, força os olhos, tentando divisar as linhas da companheira de barriga de fora, saia indiana, top vermelho, cabelos cacheados e compridos, castanhos médios, emoldurando seu belo rosto moreno, ainda com traços infantis, pequeno nariz arrebitado, sobrancelhas arqueadas nem grossas nem finas – naturais; olhinhos de capivara, ele supôs, boquinha pequena e dentinhos assim, branquinhos e juntinhos. Fino acabamento, companheira.
Reunião na célula partidária. Depois da débâcle, parece urgente alterar a sigla. Uns não querem. Outros querem. Sob os óculos novos, ele não precisa mais forçar a vista. A companheira veio, ficara um tempo, morara com ele por anos, mas agora estão separados. Divergem na linha política. Não se encontram mais. Ele está sozinho, ela, dizem, depois de andar à solta, anda por aí num tailler, acompanhada pela segunda maior liderança nacional. Política de alianças controversa. Sob os óculos novos, ele insiste em dirigir o olhar para ela. O que sente? Ela não quer, não precisa, não se interessa em saber.
Reunião na célula partidária. Poucos remanescentes de uma década perdida. Talvez perdidos os últimos 30 anos. A esperança não vence o medo, acasala-se com ele. A companheira está mais gorda, e não usa mais terninhos, observa ele sob óculos de finas e leves lentes, armação italiana. Ela veste uma blusa de tecido leve, solta sobre uma calça de jeans de grife. Ele está careca, ela divisa. O que podem dizer um para o outro, agora? Ele arrisca um comentário amável, ela esconde os dentes amarelecidos num sorriso discreto, agradecendo. O voo Brasília-Rio os espera às 20:00 hs. Para não pensar na decadência de ambos, ele faz um comentário jocoso sobre o adversário no futebol. Ela tenta novamente sorrir sem mostrar os dentes. O voo Brasília-Rio que os espere. Há por ali perto um restaurante que serve uns pães italianos deliciosos. Ambos pensam e não falam – que horror, isso me traz à lembrança o funeral do Berlinguer! Não seria melhor, ela propõe, uma comida oriental? Chinesa? Não, encerra a companheira – Japonesa, por favor.
HAHAHAHAHA!
Melhor post do blog! Eu que nunca comento, tive de vir dizer que não me contive nem diante do meu chefe.
Parabéns, Milton!
SENSACIONAL. Obrigado.
Desde já, peço mil desculpas! Mas está semana, sem querer, tropiquei com a Sonata para piano n.º 12, Op. 26, de Beethoven. Desde o primeiro movimento, e passando pela marcha fúnebre até o allegro final, não descansei mais… Por necessidade re-escrevi o meu “pensar-sentir”. Espero que tenha atingido meu objetivo estético, político e ético… Bem, vamos lá…
PENSAR-SENTIR
by Ramiro Conceição
Por que em todos os cantos deste mundo
sempre existe um canto ao Amor sublime?
Porque sempre há gente, que pensa e sente.
Por que o filho no colo da mãe, quanto vê
o pai, pula numa alegria comovente?
Porque o Amor… é uma energia nascente.
Por que a morte comove a gente?
Porque, da matéria, somos a Vida,
que pensa e sente.
Por que, quando a necessidade de conquista
oprime inocentes, sempre existe na garganta
um grito à liberdade permanente?
Porque apesar de diferentes somos
da história – quem pensa e sente.
Por que, em cada cultura, em cada tempo,
o sagrado sempre se manifestou imanente?
Porque, das estrelas, somos a natureza,
que pensa e sente.
Por que o ato de escrever é doação?
Porque, da escritura, somos palavras;
e o existir é um estar a ser no mundo;
por isso, de tudo, somos a parte,
que pensa e sente.
Errata: esta semana…
Meu sobrinho de 6 anos para minha mãe:
Ele: Vó quando eu morrer e for pro céu vou encontrar o Michael Jackson e vou contar pra ele que eu adorava as músicas e o jeito dele dançar.
Ela: Ah é?
Ele: Vó voce me faz um favor? Quando voce morrer voce dá esse recado pra ele pra mim?
🙂
Muito bom!
O diálogo da diferença de idade eu também já tive, pois eu e meu marido temos também nove anos de diferença. Eu acrescento a esse dado o fato da minha família viver quase até os cem e a dele já estar ruim perto dos setenta. Só que no nosso caso, se ele começasse um diálogo falando que eu ficarei viúva, não daria tempo de avisar que eu vou chorar…
E tua filha matou a pau com a história da tatuagem!
A gente às vezes não quer ver que a fila anda!
Minha filha, aos 3 anos:
– Pai, quando você morrer você deixa seus discos pra mim?
– ahn?