Ontem à noite, os sócios do Guion foram convidados para a pré-estreia de Abraços Partidos, de Pedro Almodóvar. A propósito, você já se associou? Eu pago R$ 180,00 anuais e quase semanalmente vou a alguma das salas do Guion. Calculo um lucro anual de uns R$ 300,00, mas tergiverso…
Tenho uma relação paradoxal com Almodóvar. Vou tentar explicá-la a seguir: sinto-me atraído pelas imagens, pela cenografia, pelas atuações das mulheres, pelos diálogos francos, pelas cores fortes — adequadas a um daltônico como eu — , pela gratuidade de algumas situações que simplesmente não entendo (*), ao mesmo tempo que não gosto do artificialismo, tenho dificuldade de acompanhar certos roteiros inesperados e muito românticos, com relações de parentesco descobertas de surpresa e suas reviravoltas. Também fico hesitante quanto ao profundo amor do cineasta por mostrar muitas vezes o kitsch mostrado dentro de um arcabouço elegante.
De seus filmes, gostei principalmente do primeiro que vi — Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos –, além de Carne Trêmula e Fale com Ela. Este Los abrazos rotos vai unir-se àqueles em minha lista de melhores. À exceção do primeiro, são filmes “perigosamente” próximos do melodrama, sem efetivamente assentar-se no gênero. Li que seria seu filme mais masculino e, OK, é. Mas é muito mais um filme sobre o cinema e sobre um cineasta que fica cego. Aliás, há muitos duplos no filme. O cineasta Mateo Blanco também é Harry Caine (hurricane?), a personagem de Penélope Cruz — cada vez mais Audrey Hepburn — se divide entre duas vidas, o filme dá foco a dois tempos distintos e há um filme dentro de Abraços: certamente Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, desta vez refeito por um diretor cego, em clara autoironia.
O plot do filme é simples: Penélope é uma secretária aspirante a atriz que, após se tornar amante do chefe milionário, tem a chance de entrar para o cinema através da grana e da influência. Ela será a atriz principal de Garotas e Malas, de Mateo Blanco. Está história alterna-se com outra, onde Mateo aparece cego, na época da morte do empresário. O filme vai preenchendo todas as lacunas daquela forma autoral de Almodóvar: construção engenhosa, belas cenas e perfeita dramaturgia carregando paixões exacerbadas de amor e maldade. Abrazos tem muitas referências e citações a outros diretores e até uma engraçada auto-homenagem para que os hostis possam espicaçá-lo.
Eu acho que vale a ida ao cinema. E como!
(*) Alguém me explique a função daquela dupla de DJs na história!
Sou moderno
Ao chegar em casa, encontra a mulher nos braços de outra, mas se controla. “Sou moderno”, fixa o conceito. Pede desculpas e sai.
À rua, sem que percebesse a passagem de um sujeito, este passa-lhe a mão na bunda. Por um átimo pensou em protestar aos berros, xingamentos e porradaria, mas não. “Sou moderno”. Nem por isso agradeceu a bolinagem; virou em sentido contrário e partiu, sem saber para onde.
Decidiu ir ao cinema. Filme espanhol. Muita afetação. Frases dignas de livros de auto-ajuda. Pretensão vazia e muita, muita viadagem. À saída, encontrou com uma amiga que estava justo a entrar no cinema. “O que achou?”, ela perguntou, ele prontamente respondeu: “É certamente um dos melhores filmes dele dos últimos tempos”, sempre consciente da sua modernidade.
Que maldade!
Eu gosto muito dos filmes dele, Milton. O meu preferido é Tudo sobre minha mãe.
Ele numa entrevista disse que usa cores muitos fortes porque vem de uma cidade pequena e muito conservadora e que ele via muitas mulheres vestidas de preto… enfim. Apesar de não ser ‘muderna’: adoro! 🙂
Quando assistir ao filme tentarei responder sua pergunta 😉
Não sou muito fã não. Homo e exagerado demais pra mim, não me identifico.
Acho que “ser moderno” (ou tentar ser!) também pode ser falar mal de obras-primas e de artistas tão brilhantes e inteligentes, como Almodóvar!
À propósito…eu sou moderna (se isso quer dizer gostar do que é novo e instigante) e ADORO a obra de Almodóvar! Para mim ele é um dos cineastas contemporâneos mais inteligentes, criativos e… modernos que existem!!!
Dos filmes mais recentes do Almodóvar, esse é o que menos durou em minha memória. Bem montado, não há como negar, e, como sempre, o diretor tira muito dos atores, especialmente da Penélope Cruz. (Cá entre nós, que ninguém ouça, mas algo me diz que ao vivo ela talvez seja bem apagadinha, embora goste muitíssimo dela.)
Essa sua, ou melhor, esse seu “homenaje al cine ajeno y, sobre todo, al propio” a meu ver ficou um pouco no meio do caminho. Por um lado, pareceu-me um thriller algo frio. Leigo que sou, suponho que frieza em thriller seja coisa boa, de preferência se também causar arrepios na espinha. Mas em Los Abrazos associei essa frieza à excelência técnica, que em mim resultou em mornidão emocional, fazer o que. Além disso, se o que se diz é que na filmografia do Almodóvar o kitsch e o melodrama já foram regra, e que hoje ele se mostraria mais sóbrio, neste daqui fiquei na dúvida: ele conseguiu de fato apenas flertar com o melodrama? Não sei. Fiquei mais com a impressão de que ele tentou fazê-lo, só que o resultado foi um “não-melodrama melodramático”, ou então um melodrama meia-bomba que não queria sê-lo, tudo menos “a obra de um diretor maduro”, lugar-comum atribuído a todo diretor mais conhecido em algum momento de sua carreira…
Daria nota sete, sete e meio. Carne Trêmula, Tudo sobre minha Mãe, Fale com Ela, Matador, A Lei do Desejo, Ata-me, todos eles me pareceram muito superiores e ainda permanecem, mesmo que que um ou outro se mostre um pouco datado.