Comentário sobre o Desfile e a Música das Escolas de Samba

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Não por me dar razão em boa parte, mas pela inteligente e esclarecida ampliação do tema apenas sugerido por mim neste post, republico o comentário do leitor Matheus Todeschini Lopes.

Adoro carnaval e sambas-enredo. Sou único da minha faixa de idade, 20 anos, a gostar. Antigamente as baterias tinham um andamento muitíssimo mais lento. Os sambas eram obras sensacionais, com poesia, melodias variadas. “Hoje” (a partir do final dos anos 80, início dos anos 90), o samba mudou, aliás, o carnaval mudou. As Escolas começaram a fazer carnaval para ganhar dinheiro. Não que antes não ganhassem, mas agora estamos falando de milhões. Até 8 milhões de reais. E esse dinheiro é desviado para jogo do bicho, dependendo da Escola vai até para o tráfico. Os sambas eram feitos por grandes sambistas, que amavam suas escolas, seus bairros, sua gente. Gostavam da festa, das pessoas nas ruas a cantar e dançar, a curtir a folia, não por acaso eram foliões. Mocidade com Toco; Império Serrano dando aula de história do Brasil (aprendi o gosto pela história graças ao samba); Vila Isabel com Noel, Brazão, Martinho e Luiz Carlos, cantando sobre o Boulevard, a gente simples da Vila; Mangueira com Jamelão, Helio Turco e Jurandir, iam da Literatura aos morros com seus barracões de zinco; Portela com Paulo da Portela e Paulinho da Viola, pedindo benção dos orixás; Salgueiro com Noel Rosa e seus sambas afro, contando a história do negro do Brasil. Cada escola com um estilo, uma história para contar. Até os artistas começarem a invadir a avenida. Gente que antes não gostava de se misturar com o povão, começou a aparecer na avenida – para aparecer nas revistas, jornais e televisão. Império Serrano avisou em 1982 sobre o que estava acontecendo, com o Bumbumpaticumbumprugurundum:

Super Escolas de Samba S/A
Super-alegorias
Escondendo gente bamba
Que covardia!

É o inconformismo com os famosos, com os turistas, que nem tem ideia do que cantar, tirando pessoas das comunidades dos desfiles, é a revolta contra as Escolas que não escolhiam os melhores sambas, mas os que pagavam mais. Retorno financeiro. Dinheiro, dinheiro. $$$$

“Já diria Sérgio Cabral: “Brancos, devolvam a escola de samba aos negros”. Como este pedido será atendido hoje em dia? Quem sustentaria o carnaval, de maneira a manter o luxo hoje imprescindível que faz atrair milhares de turistas de lugares do mundo inteiro até as arquibancadas da Marquês de Sapucaí? É brabo de admitir, mas os desfiles das escolas de samba de hoje se resultam numa festa capitalista, pouco importando a qualidade do samba e desprezando os mais humildes das comunidades que amam o samba para dar lugar aos endinheirados caras-pálidas que sequer gostam deste ritmo musical tipicamente brasileiro. E, lamentavelmente, o dinheiro e as super-alegorias que escondem ainda mais a gente bamba acabaram definitivamente por diminuir um pouco a apoteose e a magia do carnaval. Por isso que as vendas dos discos de sambas-enredo despencaram consideravelmente, ao ponto de uma pesquisa divulgada no começo de 2004 mostrar que 60% das pessoas não gostam de carnaval, a prova concreta de que a popularidade do samba-enredo descera por ralo abaixo. Tal rejeição melancólica faz com que as músicas mais tocadas do carnaval sejam da estirpe de “Egüinha Pocotó”, “Tapinha não Dói” e genéricos. É duro admitir! Isso é profundamente triste para quem tem amor ao carnaval e ao samba-enredo: ver este gênero musical ser desprezado por muita gente (sobretudo os jovens).

Ver aqui.

Hoje, os grandes sambistas estão de fora. Martinho, por milagre, conseguiu colocar um samba na Avenida, em homenagem a Noel Rosa, com a Vila Isabel. Infelizmente o samba foi destruído na avenida, pois o andamento foi por demais acelerado… Traficantes colocaram sambas noutras escolas, enchendo de dinheiro as diretorias…

Os desfiles não servem para mais nada. Não há graça. Já sabemos sempre quem fica na frente, entre os 6 primeiros. O bicho manda. A bala manda.

E eu, burro que sou, já estou esperando os sambas de 2011, só para ver e ouvir a mesma merda, sambas imbecis, sem qualquer qualidade.

Aí tenho que ler “Tudo começa pela música. As melodias são todas muito parecidas, além do ritmo ser sempre o mesmo e das repetições fazerem parte do sistema” e tenho que concordar… Ler “E por que não usar uma batida mais lenta? Seria uma revolução… Se uma tem de ser mais alegre e empolgante que a anterior, não há como a coisa não tender à idiotice. E, decididamente, não é arte. É muito mais uma grande lavanderia de dinheiro para os traficantes” e ter de balançar a cabeça novamente, confirmando.

🙁

* Beija-Flor tem por característica ter sambas mais lentos e tristes.

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15 comments / Add your comment below

  1. Nossa, que honra hehe. Não esperava nem que fossem ler, já que o samba difere muito do estilo musical que aqui sempre é postado e comentado. Ah, me chamo Matheus Todeschini Lopes. Obrigado pelos elogios.

    1. Ora, Matheus.

      Eu entrei no assunto do samba e recebi uma resposta educada e muito mais informada. Era óbvio que tinha de dar o destaque.

      Além do mais, não sou nada indiferente ao samba. Tenho até uma cachorrinha preta chamada Vicentina — homenagem ao famoso feijão imortalizado por Paulinho da Viola. Te mete!

  2. “Provei do famoso feijão da Vicentina
    Só quem é da Portela
    É que sabe que a coisa é divina.”

    Pena que eu não comeria, na receita há carne de porco…

    Meu finado primo tinha um cão chamado Olívio. O bicho odiava quando ele brincava de carrinho…tsc tsc.

  3. Sim, o Pagode do Vavá. Não esqueça o que disse Sergio Faraco (serve um pouco para mim):

    Não sou como esses escritores que só sabem falar de literatura e cujas obras nunca se equivalem ao que sabem ou pensam saber. Falo de qualquer coisa, estou atento ao acontece ao meu redor. Não vivo num buraco, alimentando-me de sopa de letrinhas. Gosto de muitas outras coisas que nada têm a ver com prática literária. O prazer não me dá remorso. Onde não há prazer não há proveito, escreveu Shakespeare.

    Então, meu amigo, não pense que só os eruditos me dão prazer…

    Abraço.

  4. União da Ilha, cara. União da Ilha! A escola de Didi (Baeta Neves) e de Franco. Um procurador da república que largou tudo para beber e compôr nas calçadas do Rio. O outro, médico que subia o morro todo fim de semana – menos os de plantão – para fazer samba, e como fazia.

    Didi foi um dos compositores de dois dos sambas mais geniais da história do Rio de Janeiro: O Amanhã (1978) e É Hoje (1982). Ele ainda compôs Domingo (1977) que embora não seja um samba genial, eu gosto muito, muito mesmo. Morreu em 1987, o Didi. O Franco compôs um samba ainda mais genial em sua homenagem, em 1991, chamado De Bar em Bar:

    “Hoje eu vou tomar um porre
    Não me socorre
    Que eu tô feliz
    Hoje eu vou de bar em bar
    Viver a vida
    Que eu sempre quis”

    Que me perdoem todas as escolas tradicionais, mas em termos de composição, a Ilha é a Ilha. E ainda por cima, naqueles anos 70, Maria Augusta Rodrigues fazia o Carnaval da escola. Nunca ganharam de ninguém. Mas como era bonito!

  5. Ah, e com todo o respeito, eu discordo sobre o andamento dos sambas. Há sambas de enredo rápidos e igualmente muito bonitos, como “Sonhar Não Custa Nada”, da Mocidade de 1992; “Atrás da Verde e Rosa…”, da Mangueira, 1994; “Gosto que me Enrosco”, Portela, 1995. Sem falar no Explode Coração.

    O problema, para mim, é que a música é o último critério na hora de escolher um samba a ser levado pela escola. O documentário “Tantos Carnavais” mostra bem isso.

  6. Desses citados, não me recordo do ano de 95, da Portela… Sonhar não custa nada nem é tão rápido, ao menos para mim. Na avenida não sei como foi, mas nas gravações estava cadenciadinho, com o Paulinho Mocidade cantando é muito gostoso de ouvir. O da Mangueira 94 era oba-oba-arrasta-quarteirão mesmo, depois sabemos o que ocorreu com Jamelão pedindo “MUDA, MANGUEIRA”! E o Explode Coração é um samba com um refrão muito bom mesmo, com algumas coisinhas bonitas (na parte sobre o pai) mas não é antológico – ao menos para mim. O DESFILE foi magnífico. Aliás, que desgraçado esse Ita no Norte, o Salgueiro tenta até hoje repeti-lo haha.

    E andamentos rápidos é contra o samba! Parece muito mais um frevo, um axé maluco, qualquer outra coisa! Só ver a Portela 2004 com o samba de 1970!!!! Velocidade lá em cima! Horrível, acabaram com o samba…

    Acelera-se o samba, perde-se a dicção, sílabas comidas, gritaria dos intérpretes…

  7. pensando bem, o da Portela de 1995 não é rápido coisa nenhuma. É bem cadenciado.

    “Abram alas
    deixa a Portela passar
    é voz que não se cala
    é canto de alegria no ar”

    (presta atenção na voz do Rixa. Tem um outro vídeo dele fazendo o esquenta que é arrepiante. Baita intérprete. Pena que sumiu)

    mais rápido é o da Tradição de 1994, que eu acho belíssimo, especialmente no refrão:

    “vou voar de asa delta
    no céu do meu rio de janeiro vou voar
    delirar com a natureza
    bendito espelho azul do mar”

  8. COncordo em partes cara.. ( detalhe… tbm sou um dos poucos que gosto de Samba Enredo)…
    Entendo que a super valorização da mídia sobre o carnaval acabou atrapalhando um pouco, mas sobre o andamento do samba também relaciono como uma medida de conseguir atender as regulamentações. Antigamente, era menos gente e mais tempo. Como sabemos, a transformação ritmica acelerada influência e de certa maneira “empurra” os componentes para fora da avenida, a fim de cumprir o tempo de desfile. Isto não justifica e nem digo que esta certo e que é bom…mas vejo que foi um pouco de necessidade.

  9. Sobre comercialização do carnaval, o do Rio é “fichinha” perto do de Salvador (BA). Lá todo mundo “mama”, de Gil a Armandinho, de Dodô a Ivete Sangalo/Daniela Mercury. Morador de Salvador na decada de 1980, pude perceber, não sem indignação, que cobram salgadas mensalidades (de janeiro a dezembro) do povão que deseja pular durante 1 ou 2 dias de folia, atrás do “trio elétrico” (hoje, bandas e blocos). Grande parte desses “foliões” são pessoas com parcos recursos, que vivem no sufoco … mas querem, em fevereiro/março, “brincar”. E por trás, há toda uma propaganda bombardeando corações e mentes, prá que “reservem o lugar” na “grande festa”. Rola uma grana preta, amigo! Tive um colega de serviço, cujo salário mensal – digno por sinal – se transformava em quase bico, se comparado ao dinheiro que recebia, como sócio do Bloco Camaleão, que nem sei se existe ainda. Quanto aos turistas, mormente os de última hora, a exploração é ainda maior. São valores extorsivos, tendo em vista que se trata de carnaval, de uma festa. Um verdadeiro comércio o carnaval da Bahia. Hoje, 25 anos depois, deve estar bem pior. Talvez, essa seja uma das razões pela qual, já naquela época, milhares de soteropolitanos fugiam de Salvador, indo prá Ilha de Itaparica e outros lugares da Bahia.

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