O Politicamente Correto

Compartilhe este texto:

Se você tem de escrever um trabalho para a escola ou a faculdade sobre o politicamente correto, copie daqui, está pronto e é grátis (free and copyleft)!

Introdução

É possível definir algo que não tem significado? Talvez seja possível caracterizá-lo. A expressão “politicamente correto” é uma triste variação da palavra-valise de Lewis Carrol. Se lá uma palavra agregava duas ou mais, aqui ela se mostra sem conteúdo algum. Então, basta abrir a valise para lá guardar o marxismo, o catolicismo, a boa razão, o motivo inconfessável, o freudismo ou o fascismo. Normalmente, quem utiliza o politicamente correto vê o mundo segundo o seu próprio critério de bom senso – do certo e do errado – , e vê o mundo e a história de forma maniqueísta, sendo o politicamente correto o bem e o politicamente incorreto, o mal. O mundo deixa de ser visto como um longo processo protagonizado por seres e consciências as mais diversas, passando a ser examinado de forma estanque, como se criado ontem. Tal perspectiva foi , evidentemente, concebida pela decadência do espírito crítico coletivo e pela falta de cultura sólida ou refinada.

Como podemos nos livrar desta peste?

Em nosso tempo, a mídia ou quaisquer redes de comunicação adquiriram grande importância e é precisamente ela a responsável por essa epidemia. A profilaxia é simples: a primeira coisa que precisamos fazer é identificar seu vetor, onde ele circula. Ora, ele circula através do vocabulário que utilizamos. Tal fato já demonstra sua debilidade, pois, apesar de se referir a fatos reais, a culpa nos é normalmente inoculada através de um ataque a nosso vocabulário. O contra-ataque que devemos usar é a renúncia à toda terminologia politicamente correta. Por exemplo, devemos dizer “putas” em vez de “profissionais do sexo”, “surdo” em vez de “deficiente auditivo”, “cegueira para cor” em vez de “daltonismo”, “maconheiro” em vez de “usuário de drogas leves”. O mesmo vale para todas as categorias sexuais. E onde inventaram que chamar alguém de negro é agressivo se o próprio movimento autodenomina-se Movimento Negro? (Um amigo de meu filho diz que os gaúchos são grosseiros ao chamar o doce “brigadeiro” de “negrinho” – deveriam chamá-lo “afrodescendentezinho”, claro…).

Abrangência

O politicamente correto é tão mutinacional quanto o cinema americano. Aliás, nasceu nas universidades americanas daquele país e tomou o mundo. Como se faz identificar uma perigosa pessoa inoculada pelo vírus do “politicamente correta”? É difícil fazê-lo rapidamente, requer alguma convivência, pois geralmente são pessoas que se consideram tolerantes. Então, é preciso fazê-las praticar a tolerância. Exato, elas não conseguirão. Sairão dizendo coisas como “Você não entendeu coisa nenhuma”, etc. Sim, o mundo é um local horroroso.

O perigo

A verdade é que o politicamente correto está entre nós e se apresenta sempre com frases pseudo-bondosas e argumentos de fácil assimilação. Temos de rechaçar imeditamente esta falsa inocência e desconstruir a facilidade de assimilação. É necessário, do mesmo modo, prevenir-se contra o mimetismo vocabular. Sempre enfadonho, com necessidades de repetição a fim de ampliar a estupidez dos seres humanos, o vocabulário politicamente correto é o principal veículo de contágio. Porém, trata-se de uma fé débil e, como tal, não resiste a uma aplicação do espírito crítico. É fundamental desconfiar das opiniões generalizadas: o mais tolo espírito contraditório vale mais do que a aceitação daquilo que a mídia nos dá.  Lembre-se sempre da Primeira Lei de Milton: A Ignorância Não Gera Dúvidas, a qual agora adapto para A Convicção Cega Não Alcança Profundidade Alguma (OK, Cioran disse algo parecido).

A desinformação

Na verdade, o politicamente correto prepara o terreno de forma ideal para a desinformação e o crescimento de nossa estupidez.  Quando o politicamente correto vencer, o mundo estará preparado para receber qualquer propaganda através de termos repetidos ad nauseum, os quais consistem em conceitos simples e imbecis. Esta será a nova opinião pública globalizada. Será negar a história e a complexidade, será a  idiotia em seu estado mais puro. E esta opinão pública aceitará qualquer ação, compreendendo e absolvendo seus manipuladores. Opa, mas isso já não ocorre?

Inspiração: aqui.


Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

9 comments / Add your comment below

  1. Milton, acredito que hoje a batalha contra a correção política reuna mais crápulas do que qualquer outra coisa. as manifestações racistas e homofóbicas sempre se pintam de reação contra a correção política. Assim como os estigmas contra as mulheres. sei que aqui não é o caso, mas os que se chamam de “politicamente incorretos” já têm a minha desconfiança de saída.

  2. O politicamente correto virou uma arma para encerrar debates, Milton, acabar com qualquer discussão. O curioso é que se dá de duas maneiras. Posso encerrar a conversa tachando o outro de politicamente INcorreto — portanto preconceituoso, racista, arrogante, facista etc. —, tanto quanto de politicamente correto — portanto maniqueista, pró-EUA, contra o multiculturalismo, ignorante, metido a dono da verdade etc.

    Quanto a mim, o meu voto: nem um, nem o outro.

  3. Caro Milton,
    apesar do Charlles dizer que somos antípodas, temos muito em concordâncias e uma delas é sobre a ojeriza ao politicamente correto.
    Eu vi um ensaio uma vez de não sei que citava , se não me engano, Brentano, onde este dizia que a democracia tinha em si mesma o germe da autodestruição. No ensaio o exemplo citado era o PC. Assim que o vejo, como instrumento destruidor da democracia.
    Mais ainda, para mim é o exemplo da falta de religião (não a defendo). Com o homem tem incrustado o germe da intolerância, da tentativa de controlar o outro, ele sempre vai repetis As Bruxas de Salem, quer através do cristianismo, judaísmo, islamismo ou budimos, bem como ideologia ou até ateísmo.
    A Convicção Cega Não Alcança Profundidade Alguma: sim, este é o mal, a convicção chega não pode ser testada e desafiada.
    Por fim, não vou me alongar, nem todo PC está errado. Puxa, tem gaúcho que em vez de comer o negrinho, prefere o branquinho! Essa não!

    Branco

  4. UM PROTO-EXEMPLO – DO POLITICAMENTE CORRETO – NA POLÍTICA BRASILEIRA (À ÉPOCA, TODA A CAMBADA DO PSDB AINDA ERA QUASE CRIANCINHA, MAS JÁ EXISTIAM ALGUNS BARBADINHOS)

    Em nome do povo brasileiro, eu te saúdo, Joseph Vissarionovitch Stalin, chefe dos povos soviéticos, educador de todos os povos do vasto mundo. Nossos presentes para ti são as greves, as lutas camponesas, os comícios pela paz, nossa resistência encarniçada ao imperialismo ianque, o heroísmo de nossos camaradas em prisão, a progressão constante e segura do movimento de massa anti-imperialista e nossa luta difícil e vitoriosa pela paz. Eis aqui o que podemos te dar, a ti que nos deste a revolução de Outubro, a edificação do socialismo, a vitória sobre o fascismo, a marcha ao comunismo, a ti que aceleraste o curso do tempo e que fizeste do que nós sonhávamos para o futuro uma realidade de hoje.

    (Jorge Amado, 21 de dezembro de 1949)

  5. Eu gostava da época em que se fazia piada com isso, com “A caucasiana e os sete prejudicados verticalmente” e o bolo “afrodescendente com problemas mentais”. O politicamente correto nos parecia uma grande bobagem dos americanos; algo que jamais pegaria aqui, um país tão debochado. Estavamos imunes a soluções tão quadradas e ninguém pensava em defender esse exagero na linguagem.

    Bons tempos.

  6. Três exemplos, dois locais e um exterior. Comecemos pelo exterior. Amós Óz, no excepcional “De Amor e Trevas”, logo no início tasca uma das mais incisivas definições entre o “mau leitor” e o “bom leitor”.

    O mau leitor, diz Óz, quer descobrir traços de assassino de velhas locatárias em Dostoiévski, pedofilia enrustida em Nabokov, o masturbador compulsivo em Roth, o homossexualismo de meia idade em Burguess, o neurastênico obsessivo em Bernhard, o recluso incomunicável em Kafka. Para ele passam batido as nuances, as diferenças de tons, as interelações polifônicas, a sensibilidade destemida, as viagens inóspitas. Para o mau leitor_ fruto do significado abrangente de Hanna Arendt para a concisa e reveladora palavra “ralé” (que pouco tem a ver com nível financeiro)_ o que importa são os moldes pré-definidos, a verdade imediata, comezinha, complacente e rotulada.

    Ao “bom leitor” não escapa, principalmente, que todos estamos no mesmo balaio do animalesco e do abissal, e a companhia, de toda demoníaca, dos grandes livros, ensina comedimento e reserva, humildade e esclarecimento. Toda fera, diz Adorno e Hockeimer em uníssono, é infinitamente delicada. Em contraposição a Rousseau, eu sempre acreditei que o homem pouco tem tempo para expiar a maldade e morrer bom, fruto de tudo pelo qual teve de passar em todos os seus anos de inassistida e solitária provação. Algo assim como o poema de Whitman, que ele declara aos assassinos, estupradores, alcóolatras, pederastas, suicidas crônicos: onde eu estive esse tempo todo para não ter vindo aqui cantar plena e unicamente para você, para dizer o quanto, para si mesmo não tem valor, mas para mim não coloco nenhum homem de auréola ou colarinho acima de você.

    O “bom leitor”, diz Óz (pô, vocês tem que ler esse livro!), sabe que é pouca a distância entre ele e Hitler, entre ele e Raskolnikov.

    Os dois exemplos locais. No noticiário regional vejo o âncora indagar, com toda a impressão de que estão soando claríns apoteóticos enquanto fala, à presidente da CUT de Goiás: “mas assim a senhora quer então que os trabalhadores do Brasil cheguem ao absurdo de trabalharem apenas seis horas por semana?”. Ao que a robusta senhora, nem um pouco acuada, responde: “Mas essa meu caro, é a situação ideal. È exatamente isso que nós queremos!”

    Segundo exemplo: o mesmo jornalista, afrontando como um leão o representante do sindicato dos motoristas de ônibus, que promoveu uma greve de 24 horas para maiores condições da categoria, retalhando-o como irresponsável e arruaceiro. Sob o olhar simuladamente feroz do repórter (assim o quer a emissora estatal), o franzino sindicalista expõe as precariedades escravistas às quais se submetem os motoristas: regimes de 14 horas diárias de trabalho sem pausa para descanso, salários aviltantes.

    Mais uma vez tirando sem piedade o grande Whitman, inconformado e sempre incorreto, do coldre: viver para si mesmo com uma visão independente, ou se render à placidez dessa falsa vida que se exibe?

    1. Assino embaixo e por todos os lados.

      Vou para a rua pensando num emprego de caminhoneiro de 6 h semanais. Eu indo de Porto Alegre a Cuiabá… Rindo deliciado a la Cortázar.

      Abraço.

  7. Tiago…

    “política reuna mais crápulas do que qualquer outra coisa. as manifestações racistas e homofóbicas”

    É precisamente o contrário, as pessoas são definidas como “crápulas racistas e homofóbicas” por extremistas politicamente corretos. Afinal, racismo e homofobia são palavras com forte conotação política nos dias de hoje: Qualquer oposição aos movimentos racialistas e gaysistas é…racismo e homofobia. Não estou dizendo que não há racismo e homofobia, infelizmente existe…Mas a modinha agora é a palavra homofobia, o esvaziamento do termo pela repetição ad nauseum.

Deixe um comentário