O mundo gira e gira e vai lentamente mudando, porém uma das coisas que não se altera é a importância da literatura inglesa. Se hoje temos Martin Amis e Ian McEwan na lista de maiores autores contemporâneos, é melhor acrescentar mais um nome: Jonathan Coe. O autor — nascido em Birmingham no não tão longínquo ano de 1961, na gloriosa data de 19 de agosto — escreveu nove romances, além das biografias de James Stewart e de Humphrey Bogart. Coe também exerce o mais do que glorioso ofício de crítico de música erudita.
É surpreendente que o taciturno autor de A chuva antes de cair tenha desenvolvido seu doutorado sobre o impagável Tom Jones de Henry Fielding, que já tenha recebido prêmios como autor satírico, que tenha sido membro de uma banda e que a música seja um aspecto central em suas obras, pois nada disso ocorre neste romance.
A chuva antes de cair, quinto e excelente romance de Coe publicado no Brasil, tem alguma música e nenhum riso, mas é perfeito e realista como poucos. Estou chegando ao final da minha vida e por razões que, espero, ficarão claras para você, sinto ter uma obrigação contigo… O que eu quero que você tenha, Imogen, acima de tudo, é uma noção da tua própria história…, são as palavras de Rosamond ao iniciar a gravação de uma série de quatro fitas cassete destinadas à neta de uma prima: Imogen. A protagonista descreve, uma a uma, 20 fotos, que são a base para esclarecer os principais fatos da biografia da neta.
Quando do início da trama, Rosamond acaba de falecer e, como uma das herdeiras, a sobrinha Gill fica encarregada de encontrar Imogen a fim de repassar-lhe sua parte da herança; porém, ao visitar a casa de Rosamond para buscar qualquer coisa, ela encontra algo mais — quatro caixas de fitas cassetes numeradas junto a um montinho de fotos com um bilhete: “Gill, são para Imogen. Se não conseguir encontrá-la, ouça-as você mesma”.
O que se ouve nas fitas é descrição de cada uma das fotos acompanhadas das circunstâncias em que foram tiradas. Elas servem como atalhos para que o autor não necessite construir elos entre cada cena. O artifício é bom não apenas por este motivo, mas pelo fato de que a descrição de cada uma das fotos — com seus rostos, felicidade, esgares ou indiferença — pavimenta um caminho em linha direta com a vida interior de cada personagem. Este livro de som (audição da fitas) e imagem (fotos) é escrito tranquilamente em tom melancólico e inexorável; é uma narrativa fluente que vai pouco a pouco preenchendo as lacunas da curiosidade do leitor, mas deixando o melhor para o final.
O tema principal do livro é a disputa, o ciúme, o ódio e a indiferença existentes nas relações entre as mães e filhas do romance. Parece haver uma tragédia transmissível de uma para outra. Na verdade, Coe brinca com a experiência do leitor, pois conseguimos prever o que irá ocorrer e o motivo, só não adivinhamos como. Prova de que há relações que carregam em si germes de conflitos prontos a estourar quando da ocorrência de problemas ou descontrole. Talvez este jogo com o leitor seja o maior mérito deste notável romance.
Coe chamou seu livro de “um bocado experimental”, expressão com a qual não concordo. O livro é consistente, excelente mesmo, mas não é nada experimental. Aliás, o experimentalismo parece ter sido varrido da boa ficção nos últimos anos. Não sei se diria que os escritores atuais escrevem para um público do passado ou ao menos passadista, posso apenas dizer que o trio de ingleses citados constroem romances clássicos a ponto de, aceitas as regras do “bem escrever”, não trabalharem novos recursos de linguagem. Mas como são bons!
A observar:
1) Eu também nasci em 1961, porém em Julho, na mesma data do Ringo Starr, este porém anos antes;
2) Mais um autor inglês envolvido com música; deve ser daqueles que ficam horas discutindo a importância de determinada música pop na cultura contemporânea;
3) Custo a crer que um homem (independentemente de sua opção sexual) consiga escrever um livro sobre as tensões existentes entre as relações do sexo oposto que vá além da especulação que toma por modelo as tensões existentes entre os homens; penso que se construiu um espaço feminino de poder mais limitado e mergulhado em sutilezas diferentes daqueles em que nos embrenhamos enquanto homens ou quase isso, e desconfio que um homem (ainda mais inglês) talvez perca muito ao tentar se imiscuir nesse universo;
4) Essa coisa de prosa experimental teve o seu ponto de máxima combustão no Finnegan’s Wake de Joyce, livro completamente ilegível; depois vagou por regionalismos e universo pop até submergir, depois de umas tantas experiências concretas. Dia desses uma doninha lançou um tipo de livro-tijolo, com textos curtos em meioa a uma tentativa de transformar o objeto livro em objeto de arte por si mesmo, à parte o conteúdo escrito. Deve ser ótimo para decorar mesinhas de centro. O lance agora, penso eu, é retomar o fio da meada realista sem maiores preocupações com a forma, sem abdicar, no entanto, do uso e abuso das linguagens contemporâneas, o que não afasta o novo leitor, até pelo contrário.
Não há um outro Coe no pedaço?
1. Eu nasci em 19 de agosto de 1957.
2. Acho que não. Ele teve uma banda, mas bandeou-se depois para o jazz e eruditos. Tu vais desprezá-lo, enquanto eu vou pensar que o moço evoluiu DEMAIS.
3. Coe disse que, desde a infância, passou sua vida entre mulheres e que para ele o complicado é escrever sobre homens. Hoje, ele tem uma mulher e três (3) filhas.
4. Eu acho que o trabalho de linguagem, se houver, deve ser compreensível ao leitor. Aquela coisa joyceana de Finnegans é brincadeira para etimólogos.
5. O corredor de 800 e 1500m Sebastian Coe?
Ainda não li Coe, mas já li em excesso Martin Amis e Ian McEwan. Faço ressalvas quanto a Amis afigurar entre os “grandes” escritores ingleses atuais. Em seu lugar, colocaria, beníssimamente a frente, V.S. Naipaul, que não é da mesma geração mas, afinal de contas, apesar do Nobel, ainda não morreu; ou colocaria Salman Rushdie, sei que pode se apegar a etnias precisas de que Rushdie é indo-ingles, mas de todo modo ele, na minha concepção, sobressai mesmo a McEwan (apesar dos dois intelectuais da primeira parte de 2666 o julgarem medíocre, o que pode ter sido a opinião real de Bolaño).
Amis é fraco, seu estilo é deturpado, tenta esconder sua insegurança com aproximações ao cinema e um satirismo que quer ser da mesma envergadura de Dickens, mas perde até mesmo para a outra figurinha de segundo time que é Will Self. Apesar disso li tudo lançado dele por aqui, e só tem um livro que compensa, apenas por ser divertido: “A Informação”.
O último parágrafo, sobre o experimentalismo, reconheci a influencia de um artigo (equivocado) da Zadie Smith, que na certa voce leu. Ela separa a literatura em experimentalistas e narradores consumados, dizendo que a narrativa pura é a que vai sobreviver no mundo de hoje, patati-patata, larari-larará. Não sei a diferença entre esses dois modelos de prosa. Um romance de James Ellroy, Stephen King, possuem partes tão experimentais quanto qualquer destes autores eruditos.
A propósito ainda, me deparei a pouco com um livro surpreendente que agora vejo ter o mesmo mote que esse de Coe. Surpreendente por ser o TERCEIRO volume de uma trilogia de ficção sobre o universo familiar, escrita por ninguém menos do que a deliciosamente sensual filósofa Márcia Tílbure (õ mulher gostosa, gente!). Um calhamaço de umas 600 p., muito bem editado, no qual as fitas gravadas pela mãe da narradora são transcodificadas e analisadas. Não me animou muito, apesar da beleza da autora. Teria como fazer um PHéS com ela?
Tenho um problema com essa Márcia depois que, zipando pela tevê, dei de cara com ela uns anos atrás (2 ou 3, não sei) numa entrevista, cheia-se com uma adorável cara de puta, mas mudei de canal logo que ela contou uma história sobre a relação dela com a irmã, que estudara, sei lá, direito, enquanto ela se bandeara para a filosofia, fora criticada por isso porque, afinal, direito (ou, seu lá, engenharia, odontologia…) dava dinheiro e filosofia não, mas agora, ela finalizou a pergunta, eu ganho muito mais dinheiro com filosofia do que ela com a tal profissão que tem, e, bem, a expressão dela de torpe vingança contra a irmãzinha e o fato da medida de valor dela ser, ao fim e ao cabo, o dinheiro, me fez descrer se sua protencialidade como fodedora ou filósofa.
Isso me anima mais a dizer: “eu comeria!”. A voz de uma das minhas antigas encarnações que foi mulher e gostava só dos maus elementos. E que voz ela tem_ se fosse engarrafada, poderia ser vendida como afrodisíaco.
Com aquele sotaque gaúcho?…
A primeira vez que vi Márcia Tiburi foi num programa da Tv Cultura. Na verdade, foi uma palestra. Fiquei impressionado com a sua beleza e segurança ao falar como filósofa. Não me recordo do tema (mas lembro que, no dia seguinte, levantei seu perfil no Google e fiquei impressionado).
Mas – sempre existe um mas que vira tudo – voltei a encontrar Márcia Tilburi muitas vezes num programa da GNT, “Saia Justa”, com Monica Waldvogel, Betty Lago, Márcia Tiburi e Maitê Proença… Aí, minhas senhoras e meus senhores, a filósofa foi pro beleléu!…
É uma pena, porque creio que ela efetivamente tenha talento…
Eu devia mesmo era ter escrito que essa coisa de prosa experimental no século XXI não nos apresenta nada que não tenha sido experimentado antes dezenas, milhares de vezes.
É, deve ser esse tal corredor mesmo…
Milton, você leu alguns dos livros anteriores de Coe?
errata: Marcia Tiburi _ ainda bem que não escrevi Marcia Caleça.
Não li nenhum dos autores citados, mas corri pro google – “Marcia Tiburi”.
Ela não é bonita? (entre mulheres bonitas há um reconhecimento honesto, pode falar)
sabe que eu nunca tinha visto a Tiburi por fotos!! Ela não é muito fotogênica.
Me senti na obrigação de concordar depois dessa história de reconhecimento honesto… (brincadeira, obrigada!)
Eu vi as fotos e realmente não achei tão bonita, aí fui pro youtube pra ouvir a voz. É bonitona sim. Ela não tem jeito de intelectual (claro que foi um elogio).
Parece que a conversa aqui foi de Coe à Tiburi, não que eu tenha algo a reclamar 🙂
Voltando ao Coe, li dele o ótimo “O Legado da Família Winshaw”. Uma mistura de saga familiar, painel político da era Tatcher, egotrip de escritor fracassado, humor nonsense e alegorias surreais. Enfim, tudo muito inglês e tudo extremamente divertido. Fiquei bem impressionado com o Coe e vou tentar aproveitar essa dica de próxima leitura dele.
No mais, a Márcia Tiburi parecia bem promissora como gênia precoce da filosofia pop brasileira naqueles Cafés Filosóficos da TV Cultura de uns anos atrás. Depois desse tempo de Saia Justa, me parece que ficou meio preguiçosa, confortável no sofá das pequenas celebridades. Mas concordo com o Charles – a moça é bonita e ainda carrega todo o sex-appeal de se levar uma mulher intelectual à submissão. Eu iria.