Minha filha Bárbara faz 12 anos

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Publicado em 25 de setembro de 2006. As fotos se perderam junto com o blog antigo

É tempo de homenagens. Hoje é o centenário de Shostakovich, mas é também o dia em que minha filha completa uma dúzia de anos. Então, publiquei ontem a última parte da série sobre o compositor russo, a fim de abrir espaço para o níver de minha filha. Questão de justiça? Não, questão de amor mesmo.

Querida filha.

O dia 25 de setembro de 1994 foi um domingo. Dias antes, eu tinha assistido a um filme sueco chamado “Crianças de Domingo” no qual dizia-se que as crianças nascidas em domingos eram as mais felizes. Espero que seja verdade. Tu eras esperada para umas duas semanas depois, mas uma bolsa rota determinou que aquele seria o dia. Foi rápido. Chegamos ao hospital por volta das 17h30 e tu foste retirada da barriga da tua mãe às 19h35. Não lembro do que diz na certidão, lembro ter olhado para o relógio ao ouvir um berreiro sensacional de criança saudável e ver que eram 19h35. Lembro da pediatra saindo da sala de parto contigo e que fui atrás, caminhando rápido. Enxerguei uma enorme boca de uma guria vermelha de tanto gritar, adornada de cabelos lisos e pretos. Mas teu irmão era loiro! Eras bem mais morena do que a rigorosa brancura do teu irmão e os cabelos de índia até combinavam contigo. Mas logo os cabelos pretos caíram e, para a surpresa dos familiares, foram substituídos por cabelos encaracolados e loiros. Bárbara, a ex-índia.

Repetia contigo as brincadeiras que fazia com teu irmão, porém contigo elas não faziam muito sucesso. É que eras uma menininha que não gostava de movimentos bruscos e muito menos de ser atirada para o alto. A coisa tinha que ser mais afetuosa e dava ainda mais certo se acabasse em abraços e beijos. Nossa, como tu gostavas de balanço; lembro de ficar sábados e domingos te balançando por horas, horas mesmo! Sabes este Walkman da Sony que tenho até hoje e que levo aos jogos de futebol? Pois é, comprei para ouvir alguma coisa enquanto te balançava. Para mim era meio chato, mas tua cara de felicidade fazia com que eu permanecesse horas te empurrando. Devia ser legal ver o mundo se mexendo para cá e para lá, para cá e para lá; ficavas em silêncio, com aquela cara embevecida, e se eu parasse para ouvir melhor alguma música na Rádio da Universidade ou o jogo do Inter, logo ouvia “quero mais, papai”. Para ir embora, no mínimo uma hora depois, tínhamos que entrar em acordo. Tu querias que eu contasse, um a um, mais mil impulsos no balanço, eu contrapropunha dez e fechávamos por vinte. Pai sacana.

Tempos depois, a brincadeira preferencial era na tua cama, antes de dormir. Ficávamos no escuro, debaixo das cobertas. Tinhas uns cinco ou seis anos e eu te dizia que ia pedir para tu fazeres uma conta, uma conta difícil, tão difícil que ia quebrar tua cabeça. Tu entravas para baixo das cobertas, simulando medo e eu dizia lento e soturno: “treze menos cinco”. Entravas em pânico, dizias várias vezes “Espera!”. Eu ficava ouvindo tua vozinha cochichando os números enquanto contavas nos dedos. Via que tu tinhas dificuldade por não possuir treze dedos e não sei mesmo como fazias para simulá-los. “Espera, papai!”. Talvez concluísses que era mais fácil tirar os três dos cinco e fazer dez menos dois. “Espera, só mais um pouquinho!”. E, olha, Babi, às vezes demorava mesmo… Então descobrias a cabeça rapidamente e eu via vagamente os contornos de um sorrisão e tu respondias sempre, mas sempre com uma pergunta: “Dá oito?”. Claro que eu ficava triste por não conseguir te fazer errar e propunha outra conta terrível que também acertavas. Uma merda, aquilo.

Um pouco antes desta época conheceste a Luísa Cunha. Era uma menina muito alegre e legal e eu tenho a tese secreta de que só pais legais criam crianças legais e que se eu não vou com a cara e com as atitudes de uma criança é porque não vou gostar dos pais. É uma tese tranqüilizadora; nunca fiquei preocupado em te deixar visitá-la. Eu me parabenizo até hoje por ter sempre concordado com essas visitas que acontecem desde o maternal até hoje, quando vocês vão para a praia, durante o inverno, invadir o jardim de casas desconhecidas e fazer soar os alarmes, para fazer aparecer a empresa de segurança enquanto vocês fogem para casa e ficam jogando cartas, olhando a confusão pela janela…

Bem, mas isto é coisa de agora. Estou misturando tudo. Vamos voltar ao fim-de-semana em que aprendeste a ler. Minha apreciada veia pedagógica estava desligada e não me dava conta de como te explicar as sílabas. Tu colocavas uma só consoante para cada letra e dizias “Pronto”. Mandava tu escreveres CASA e tu escrevias CS. Foi então que teu irmão, que estava perdendo minutos fundamentais de sua vida porque não conseguia me fazer jogar futebol com ele, veio ajudar e te disse, com aquela má vontade e indulgência peculiar dos irmãos mais velhos, que uma letra só muito fraca para fazer um som decente, desses de palavras, e que precisava de uma daquelas cinco letrinhas para ajudar. Disse mais, mostrou que o número de duplas de qualquer palavra podia ser descoberto batendo palmas. “Bo-la”, viu? Batemos palmas duas vezes. Pai, diz agora para esta idiota escrever banana!”. Tu bateste palmas três vezes e… deu certo, escreveste ba-na-na! Viste o que a paixão pelo futebol faz?

Ah, tiveste algumas dificuldades no colégio, mas eu também tive no meu tempo. E, também como tu, era um dos mais baixinhos da turma até me estabelecer como médio. Cresci tarde para chegar a meus incríveis 1,71m. Teu irmão também é um ex-anão, né? Só crescemos depois dos quatorze, ele bem mais do que eu. Quando fomos ao médico para ver tua idade óssea deu quase dois anos a menos. Então, acho que vai dar para ganhar da tua tia, das tuas avós e das tias-avós anãs, passando fácil dos 1,60m. Maldade com elas, né?

Olha, li uma vez que, oficialmente, a Unicef considera que a adolescência começa aos doze anos e acaba aos dezoito. Confesso que conheço pessoas que já passaram dos quarenta e que refutam eloqüentemente este cálculo arbitrário, mas consideremos que ele seja verdadeiro. Então, hoje, às 19h35, todo aquele teu mau humor matinal, aquela recusa de dar justificativas para certas atitudes, aquele azedume repentino e inexplicável, aquele choro ou grito que não se sabe o motivo, aquele fechar-se no quarto, tudo, mas tudo mesmo, estará inteiramente esclarecido: será a abominável aborrecência. Ho, ho, ho.

Mas ela não há de mudar assim tão rápido teus sonhos de andar a cavalo todos os dias, de ficar mais tempo comigo, tuas vontades de comer eternamente pastel à noite, de ver filmes de terror com a Claudia, de visitar cemitérios com a mesma doida varrida, de dizer que odeias ler para depois elogiar os livros e sentir pena quando acabam e de criares agendinhas mentais e rotinas para todas as tarefas do dia.

E por falar em tarefas, anote aí. Não esqueça que te busco hoje lá pelas cinco, te dou o presente e vamos ao supermercado comprar as bebidas para a festa de hoje, que terá horário rigoroso para começar e nenhum para terminar e que acabará numa negociação assim:

– Pai, posso dormir uma hora mais tarde hoje?
– Não.
– Então meia hora?
– Não.
– Então, quinze minutos?
– Dez.
– E que horas tu vai me acordar amanhã?
– Às 6h40.
– Ah, eu posso chegar atrasada no colégio amanhã?
– Não.

Ah, as fotos. Como sei que nunca leste o meu blog – apesar de achá-lo “muito massa” –, botei um chamariz, entende? O que é chamariz? É um tipo de propaganda bem direcionada, meio que só para ti, em que vais ver a tua cara e talvez te sintas a fim de ler isto aqui, sua pentelha.

Um beijo do pai, minha linda guloxinha.

P.S. – Ontem, fomos ao jogo só eu e ela. Um diálogo:

– Pai, sobre o que tu e o Dado tanto conversam durante os jogos? – Dado, ou Bernardo, é o irmão.
– Sobre os jogadores, a tática.
– Quero que tu converse também comigo sobre isso.
– Tá bom.

Up-grade: Atendendo a pedidos, uma foto da Bárbara saltando:

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