As pobrezas deles, diferentes da nossa

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Publicado em 24 de setembro de 2007.

As pessoas que, como eu, não iam há muito tempo a Buenos Aires e Montevidéo, ficam desconcertadas com a decadência econômica dos dois países. Porém, a pobreza da Argentina e do Uruguai têm formas diferentes. A Argentina parece menos afetada, mas a violência está presente nas ruas numa forma diversa da brasileira. Lá, podemos passear à noite sem muitos sustos; fizemos isto em alguns dias. Porém, para nosso espanto, havia pessoas mergulhadas no lixo fazendo uma classificação informal do mesmo antes que os caminhões levassem todos aqueles sacos. As famílias que fazem a classificação trabalham juntas — pai, mãe e filhos — e não olham nem pedem nada aos passantes. Ou seja, a ideia de uma abordagem ou de um roubo direto não lhes interessa. É diferente daqui.

A Claudia foi roubada e mesmo o roubo foi diverso. Em nosso primeiro dia, tivemos que ir a um supermercado a fim de comprar sabonetes, pasta de dentes, xampu, essas coisas, porque os aviões não permitem que se leve nada líquido ou cremoso na bagagem de mão. Ora, dentro do super, ela “esbarrou” num homem, que lhe pediu e seguiu escolhendo suas compras. Quando chegou ao caixa, viu que não tinha mais carteira. Todos os cartões, documentos e algum dinheiro tinham sido levados.

— Alguém esbarrou na senhora? — perguntaram.
— Sim — respondeu ela.
— Pois foi no esbarrão.

Uma chateação, claro. Anular os cartões, ir ao consulado pegar uma autorização para poder seguir viagem ,etc. Mas não foi só isso.

Apesar das lojas cheias de mercadorias e da aparência de mercado próspero, há todo um esquema de falsificação de pesos argentinos. Há muitas notas falsas, muitíssimas! A falsificação é tão, mas tão bem feita, que a gente recebe aquele dinheiro, não nota nada e acaba sendo informado pelo taxista ou pelo bilheteiro do cinema que estamos lhe entregando algo falso. Acontece com todo mundo. Não obstante, apenas alguns revisam as notas recebidas. Outros recebem, sabem que é falso e passam adiante como se fosse legal. Conversei com um comerciante que disse que recebe e compra coisas com dinheiro falso. “Todo mundo tem. São boas as nossas tipografias”, disse-me. “Vejo o dinheiro falso de longe, mas como ele ele circula muito, é melhor aceitar e seguir a vida”. No último dia, paguei uma Pagina 12 (o melhor jornal de lá) com uma nota falsa de dez pesos… Antes, indignado, jogava fora as notas falsas. A gente se adapta… Depois, comprei um blusão…

No Uruguai, as pessoas pedem dinheiro aos turistas, mas também não são ameaçadoras. Quase todos os prédios estão pedindo reformas e as lojas parecem meio desabastecidas, principalmente se compararmos com a super-oferta de tudo da Argentina. Caminha-se pelas ruas e têm-se a impressão de que algo de grave houve. Algo como uma emigração em massa ou uma praga que dizimou a população. Há uma grande quantidade de prédios abandonados, muitos à venda e pouca gente nas ruas. Porém… come-se melhor no Uruguai e todos são educados apesar da praga, diferentemente dos argentinos.

Ah, e há uma vida cultural BEM MELHOR, MAIOR E MAIS CONSISTENTE E PERTINENTE do que a nossa.

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2 comments / Add your comment below

  1. Um aspecto interessante é o que ocorre em termos de imigração. No Uruguai (mais) e na Argentina é comum acontecer aquilo que ocorre em cidades pequenas do interior com relação às metrópoles próximas (Rio, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, etc.): os jovens migram em busca de emprego. Muitos não voltam mais, alguns retornam com experiências favoráveis ou não. Montevidéu é vazia de jovens; quem não vai a Buenos Aires vem para o Brasil. quando vão à Buenos Aires, fazem um estágio e percebem que também os jovens de lá tem problemas com emprego. Rumam montevideanos e portenhos para o Brasil. Se não fizermos algo para levar desenvolvimento aos países fronteiriços, teremos que arcar, além da migração interna, com a externa (será que cabem mais boliviabnos em São Paulo?). Como o país promete crescer mais com distribuição de renda, o risco é permanente.

    No mais, o nível cultural superior de ambos deve-se ao passado distante, quando eles estavam em um patamar superior (mesmo o Uruguai já esteve melhor que o Brasil, na qualidade de paraíso fiscal). A decadência econômica tende a produzir uma pobreza semelhante à brasileira, inclusive a violência. Há notícias mais recentes de assaltos à mão armada e até sequestros de brasileiros em Buenos Aires. As coisas supostamente melhoraram economicamente, mas os resultados reais parece que não estão a vir, a menos por hora.

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