Ponho-me, de repente,
a rabiscar num pedaço de papel,
ouço zumbidos, apitos, coisas que não me espantam,
depois torturo os ouvidos de todo mundo;
em seguida, faço que seja publicado
e esquecido para todo sempre…
Poema escrito de brincadeira (ou não) por Shostakovich
Sigo minha série com um capítulo curto. Iniciamos aqui, continuamos ali e ainda aqui, acolá e alhures.
Quarteto Nº 9, Op. 117 (1964),
Quarteto Nº 10, Op. 118 (1964) e
Quarteto Nº 11, Op. 122 (1966)
Os quartetos de números 9, 10 e 11 são semelhantes em estrutura e espírito. São os três muito bons e têm em comum o fato de manterem por todo o tempo a alternância entre movimentos rápidos e lentos, sendo tais contrastes ampliados pelo fato de o nono e o décimo primeiro serem compostos por movimentos executados sem interrupções. O décimo ainda separa os primeiros movimentos, porém o Alegretto final surge de dentro de um Adágio. A postura de fazer com que surjam movimentos antagônicos um de dentro do outro é uma particularidade que torna estes quartetos ainda mais interessantes, sendo que o décimo primeiro é um inusitado quarteto de 17 minutos com sete movimentos; isto é, Shostakovich brinca com a apresentação de temas que fazem surgir de si outros muito diversos em estilo, como se o compositor estivesse sofrendo de uma incontrolável superfetação (*). É, no mínimo, desafiador ao ouvinte. Melodicamente são muito ricos, e exploram com insistência incomum os ostinatos, os quais são sempre no máximo belíssimos e no mínimo curiosos. Merecem inteiramente o lugar que modernamente obtiveram no repertório dos quartetos de cordas. É curioso como é fácil confundi-los. Estou ouvindo-os enquanto escrevo e noto quando o CD passa de um para outro, pois têm personalidades muito próprias, mas nunca sei se o que estou ouvindo é o nono ou o décimo. Certamente é uma limitação minha! Já no décimo primeiro, o paroxismo da criação de melodias chega a tal ponto, seus ostinatos são tão alucinados, que é mais fácil reconhecê-lo.
Aliás, o décimo primeiro apresenta aqueles finais tranquilos que constituíram-se uma das assinaturas do Shostakovich final. Esqueçam o gran finale. Sem fazer grande pesquisa, sei que os finais quietos, na grandiosos, podem ser encontrados na 13ª, 14ª e 15ª sinfonias, neste quarteto e no sensacional Concerto para Violoncelo que será comentado a seguir.
(*) Palavra pouco utilizada, não? Significa a concepção que ocorre quando, no mesmo útero, já há um feto em desenvolvimento.
Concerto para Violoncelo e Orquestra Nº 2, Op. 126 (1966)
Uma obra-prima, produto da estreita colaboração entre Shostakovich e Rostropovich, a quem o concerto é dedicado. A tradição do discurso musical está aqui rompida, dando lugar a convenções próprias que são “aprendidas” pelo ouvinte no transcorrer da música. Não há nada de confessional ou declamatório neste concerto. Há arrebatadores efeitos sonoros que são logo propositadamente abandonados. A intenção é a de ser música absoluta e lúdica, mostrando-nos temas que se repetem e separam momentos convencionalmente sublimes ou decididamente burlescos. Nada mais burlesco do que a breve cadenza em que o violoncelo é interrompido pelo bombo, nada mais tradicional do que o tema que se repete por todo o terceiro movimento e que explode numa dança selvagem, acabando com o violoncelo num tema engraçadíssimo — como se fosse um baixo acústico — , para depois sustentar interminavelmente uma nota enquanto a percussão faz algo que nós, brasileiros, poderíamos chamar de batucada. Esta dança faz parte de uma longa preparação para um gran finale que novamente não chega a acontecer. Um concerto espantoso, original, capaz de fazer qualquer melômano feliz ao ver sua grande catedral clássica virada de ponta cabeça e, ainda assim, bonita.
Concerto para Violino e Orquestra Nº 2, Op. 129 (1967)
Este concerto costuma receber poucos elogios por sua qualidade musical e grandes adjetivos vagos: profunda reflexão lírica…, elegante…, pleno de momentos tocantes…, mágico…, poético… Parece que os comentaristas deste concerto contraíram aquele vírus, tão comum nos enólogos, que os faz encontrar o siroco ou o cheiro do útero materno dentro de cálices de vinho. Para mim, há apenas um problema neste concerto: não vejo grandes méritos nele. Acho-o chato e anacrônico. Paciência e adiante!
Alguns grupos de jazz be-bop e imediatamente posteriores, como bons metropolitanos que são, quer dizer, eram, pois 99% deles já passaram desta para melhor, se inspiravam e criavam de maneira equivalente: paravam numa esquina qualquer de Nova Iorque, por exemplo, às cinco da tarde, e transmitiam às partituras a cacofonia do trânsito. Depois, era só arranjar e fornecer uísque e heroína para o público: eles amavam!
Os capítulos 2 e 3 sumiram…
DJ? Legal!
Olha, os textos estão aí, sim.