A Indústria do Elogio e A Arte do Combate

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Publicado em 9 de outubro de 2003

Ia escrever sobre o blog português O Meu Pipi, mas, por pura sorte, entrei antes no blog do Inagaki e vi que ele já o fizera. Fica prá próxima, pois assunto é o que não falta.

Sempre me preocupa o fato de que há um sistema de “compra de comentários elogiosos” na blogosfera. A coisa funciona assim: eu visito um blog e escrevo um elogio, então o recebedor do afago fica em dívida comigo e se obriga a retribuir minha visita; nesta ocasião, ele convenientemente se desmancha de amores por meu último post. É isto. Gosto muito de visitar blogs e de deixar comentários neles. Fico feliz quando abro qualquer de meus blogs preferidos e vejo que há post novo. Estou no esquema, mas tenho muitas restrições.

Vou fazer uma confissão: confesso que – algumas vezes – me comportei como Machado de Assis quando escrevia sobre as obras de seus amigos: busco algo de positivo nos posts que leio e deixo de lado o que me desgosta. E, quando não encontro nada de positivo, simplesmente vou embora. Não creio ter sido hipócrita a ponto de elogiar o que detestei ou o que não li. Mas já fiquei muitas vezes intrigado ao receber comentários laudatórios que ignoravam e até contrariavam a tese defendida por meu texto. Ou seja, os autores das pequenas notas não haviam lido o post… Isto é uma temeridade, pois o maior interessado em ler o comentário é a pessoa que mais conhece o post.

Voltando a meu assunto. A esmagadora maioria dos blogueiros só comenta para louvar. Entramos nos blogs alheios como se entrássemos numa sala de estar desconhecida e formal, onde devemos nos comportar com fineza. Temos apenas sorrisos para nossos anfitriões e, se eles cometem uma gafe, voltamos pudicamente o rosto para o lado. Só que não estamos entrando na sala de estar de outrem, o blog é um espaço público onde há exposição e pode haver, eventualmente, críticas. Qualquer um que se exponha está sujeito a críticas, seja ele artista, jogador de futebol ou blogueiro. Se não temos intimidade com o anfitrião, é natural que sejamos educados, agradáveis e indulgentes, mas não é muito natural mantermos esta postura para quem não está “fazendo sala” para nós, mas sim opinando, poetizando, fantasiando, inventando, criando. Isto é, ficamos sorrindo para um anfitrião que se comporta como um louco. Em quatro meses de blog, posso dizer que recebi apenas um comentário discordante, obra do citado Inagaki. Ele foi veemente ao defender uma opinião contrária à minha. Não houve ofensa, nem repercussão, apenas discordamos cordialmente e permanecemos amigos e leitores mútuos. Outro blogueiro, o Zadig, me confidenciou que evita deixar comentários quando não gosta do post, é uma opção que o protege da hipocrisia.

Já eu devo ter lido centenas de posts que achei detestáveis, mas somente combati quando percebia que o dono do blog era muito inteligente e aberto ao contraponto. Ousei discordar do genial Pro Tensão – e não aconteceu nada -, do Ladeira da Memória (que espero seja reativado logo) – e não aconteceu nada -, do Literatus – a Andréa até agradeceu a interferência e, dias depois, convidou-me para escrever um artigo para o site literário de uma de suas clientes -, etc. Ou seja, não precisamos viver da indústria do elogio. Nossos grupos de comentários se ampliarão ou diminuirão com ou sem eles.

Mas por que estou pensando nisto? Por analogia à obra que meu amigo Marcelo Backes – um imenso intelectual gaúcho que está morando na Alemanha – lançará nos próximos dias pela editora paulista Boitempo. Ele abandonou temporária ou definitivamente suas excelentes traduções de Kafka, Goethe, Heine, etc., e escreveu o livro “A Arte do Combate”. No ano passado, durante sua visita anual ao Brasil, ele me comentou que julgava asquerosa a forma como os escritores gaúchos falavam da genialidade de seus colegas, por literariamente díspares e intimamente hostis que fossem. Não interessa a obra, o escritor X publica elogios rasgados a Y e fica esperando que venha a contrapartida. Um dia ela virá. Backes recusa-se a participar deste esquema, pois a eliminação da crítica e da pluralidade de opiniões não servem à literatura e só se justificam para enganar o público, fazendo-o comprar obras de segunda categoria. Na Alemanha, segundo Backes, a coisa é muito diferente. Os escritores combatem por suas opiniões e o resultado é uma das melhores literaturas da Europa, certamente muito acima da francesa e italiana, por exemplo. Não sou ingênuo a ponto de achar que apenas isto crie uma grande literatura, mas acredito que eventuais “combates” entre seus protagonistas não a prejudiquem.

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11 comments / Add your comment below

  1. Embora publicado em 2003, o texto continua valendo, ainda mais porque tenho percebido, inclusive aqui neste blog, uma certa má vontade diante de comentários mais críticos, ou menos elogiosos, ou que apenas ressaltem pontos de vista divergentes. O sujeiro, no caso eu, fica com sua fama de chato, cri-cri, troll e sei lá mais o quê, simplesmente porque se dispõe a expor determinadas diferenças. A questão é que quem frequenta blos de a, b ou c tem que, por obrigação, elogiar, e comentários mais críticos merecem não apenas ressalvas, mas um azedume excessivo que se põe alheio à discussão.

    A destacar que o se por ao avesso do contraponto derive, pelo que vejo, de múltiplas responsabilidades que impedem uma disposição maior às discussões sobre temas às vezes pouco relevantes e trazidos à baila por comentaristas. A própria reciclagem de textos antigos parece indicar isso, é como percebo, ao menos.

    O mesmo ocorre em meios literários e acadêmicos: fica aquela troca cruzada de elogios que, conforme ressalta o texto, não produz nada de bom, ou, pelo menos, a discussão em defesa de posições divergentes é melhor para produzir material de relevância. Mas não sei se na Alemanha realmente é tão diferente do que no mundo inteiro, e muito menos se a literatura alemã é melhor que a italiana, por exemplo, que podemos avaliar nas recentes publicações de uma coleção duma editora de nome, creio, Berlendis & Vertecchia, onde temos de Italo Svevo e Pirandello a Moravia e Italo Calvino, e alguns nomes mais recentes.

    1. Na verdade não estou reciclando nada, estou apenas pegando coisas que gostaria de guardar no momento que meu ex-blog será deletado pelo fim do condomínio. Os texto têm sido publicados com algumas alterações, mas esse aí foi até com os tremas..

      A observação sobre a superioridade da lit. alemã é mais ou menos comprada a Marcelo Backes. Mas o que tenho lido comprova a tese.

      1. Talvez seja melhor dizer que o existente não é a literatura alemã, mas a literatura em língua alemã (o tcheco Kafka, por exemplo, escrevia em alemão). Mesmo assim, a literatura, além de não ter nacionalidade, também não merece fixidez em parâmetro linguístico, porque os escritores, no geral, tratam de questões universais, ainda quando tratam de universos particulares. Sejamos internacionalistas também em arte, eliminando as fronteiras e sobrepondo aos fatores culturais de aldeia os interesses da humanidade em seu todo; não há diferença, afinal, que resista à tábula rasa do apenas humano.

  2. Que merda de texto, alias esse blog todo…

    Essa política que você citou é complicada. Uma vez apareceu um leitor no meu blog, com aquele clássico comentário e o link do próprio blog dele embaixo. Passei lá e me surpreendi como textos tão ruins tinham dezenas de comentários, todos eles. Não resisti à curiosidade e descobri o motivo: quase todos os comentários agradeciam a gentil visita ao blog, os elogios e estavam lá para retribuir. Acho que o sujeito visitava centanas de blogs por dia pra conseguir manter uma boa visitação. Tanto que eu nunca mais voltei lá…

    No mais, não sei onde me encaixo. Acho que discordei bastante no teu último post ateu, não?

    1. Eu fiz isso algumas vezes, visitar blogs onde havia um post sobre determinado livro e colocar lá um convite para que meu blog,com uma resenha sobre o mesmo livro, fosse visitado. Mas a maioria das vezes a pessoa aparecia só de retribuição, e não para o debate. Adoro debater, mas não se consegue isso com muita frequencia.

  3. Quando o sistema literário for tão variado quanto o alemão (vida escolar que se aprofunda em tradições de estudo, universidades que seguem nesse trabalho, jornalismo cultural que parte disso tudo) vai haver combates. Nesse caso, o Backes foi pouco alemão. Ele pegou o resultado de todo um processo e achou que o mesmo resultado traria benefícios para o processo guasca. Até acho válida a posição. Simpatizo. Mas se os escritores começassem a combater, ia sair um monte de polêmica vazia ao invés de discussões a respeito da legitimidade das posições tomadas etc. Talvez, talvez mesmo, o problema seja que não existam posições discerníveis razão pela qual as poucas discussões que surgem acabam indo, em dado momento, pro lado pessoal ou então acabam girando em torno de questões escolásticas.

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