Publicado em 2 de agosto de 2004
Estes dias, revendo os CDs de música brasileira que comprei nos últimos anos, constatei que 90% deles eram de gravadoras independentes. Não sabia que era tão outsider.
Ontem, recebi um e-mail com um artigo provavelmente assinado por Sérgio Rubens de Araújo Torres — nunca se sabe a real autoria das coisas que chegam a nossa caixa de entrada — e que fala sobre como as multinacionais fonográficas tratam nossa música. O tom geral do artigo é demasiadamente virulento para o meu refinado gosto (hã?), mas seu conteúdo expressa verdades difíceis de serem contestadas.
Sabem o que é o jabá? Ora, é aquela grana que a emissora de rádio ou TV recebe da gravadora para executar determinadas músicas de seu interesse. É uma forma permitida de suborno e que faz com que sejamos obrigados a ouvir centenas de execuções da mesma música, pois um executivo de uma multinacional decidiu grudá-la em nossa memória de tal forma que sejamos impelidos a ir correndo a uma loja adquiri-la… Sabem qual é o gasto das gravadoras com o jabá? São muitos milhões de reais por ano. É um pagamento difícil de explicar, principalmente para quem se declara quase extinta pela pirataria.
A pergunta principal que faço e que o Sr. Sérgio Torres tenta responder em seu artigo é a seguinte: por que o jabá tem de beneficiar sempre a pior música brasileira? Por que Guinga, por exemplo, não pode ser beneficiado por ele? Mais: por que um artista como Guinga não pode fazer parte do excelso cast de uma grande gravadora e sim do da Veleiros? É por não ser bonitinho? E por que as grandes gravadoras não promovem nada que seja de qualidade? O pop-rock-pagode que costumam promover são constrangedores.
Não sou um nacionalista radical, apenas acho natural que os croatas possam conhecer, através dos meios de comunicação disponíveis na Croácia, o melhor que os compositores e músicos croatas produzam, escolhido por radialistas croatas que tenham liberdade para fazê-lo. Você também não acha que um croata tem o direito de ouvir a boa música croata? É claro que ele tem também o direito de ouvir música croata ruim ou músicas americanas ou inglesas boas ou más, mas ele deve ter liberdade, certo? Pois aqui no Brasil quem faz esta escolha é o jabá, só ele. Ou seja, um executivo de uma gravadora é quem vai determinar se lhe é mais lucrativo que ouçamos carradas de Jota Quest ou de É o Tchan. Isto não é um tipo de censura? Isto não fere a liberdade? Isto não cai em nenhum artigo de nossa monstruosa massa informe de leis?
Vocês, meus 7 amados leitores, talvez não tenham tanto acesso ao dinheiro quanto gostariam, mas certamente têm acesso à informação. Nós, portanto, não precisamos padecer deste problema. Somos privilegiados e compramos (ou baixamos pela rede) o que nos agrada. Eu, por exemplo, fui conhecer a egüinha pocotó há pouco tempo; não ouço as rádios populares e quase não vejo a Globo, a Record, o SBT, a MTV, etc. Conheci a Kelly Key na Playboy e valeu a pena… Vi seus vários lábios, não ouvi sua voz e acho que detestaria fruir sua música.
Mas… e o resto das pessoas deste país? E os que só podem ouvir o que o jabá permite? Isto não nos traz conseqüências culturais? O fato de não nascerem mais tantos Tons, Pixinguinhas, Chicos, Paulinhos, Aris, Gonzagões, Miltons, Noéis, Dorivais, etc. é mera coincidência? Não seria este um caso para nosso Ministro da Cultura preocupar-se? Ou o fato de ser contratado de uma grande gravadora multinacional o tolhe?
(Este texto foi livremente desenvolvido a partir de um artigo de SÉRGIO RUBENS DE ARAÚJO TORRES chamado Multis boicotam produção musical brasileira para favorecer a da matriz.)