Publicado em 5 de agosto de 2004
O post sobre o jabá provocou uma notável série de comentários (que perdi…). Fico agradecidíssimo a todos. Também provocou belas reações fora do âmbito bloguístico. Ganhei links em sites de gravadoras independentes e recebi e-mails de pessoas ótimas e que não conhecia. Dentre eles, gostaria de destacar Augusto Maurer – este eu já conhecia! -, da gravadora Antares, que, com enorme generosidade, tratou de me informar acerca da cena atual das gravadoras independentes. A MPB está buscando uma saudável revolução cuja finalidade é a retomada do mercado por aqueles a quem de direito – seus verdadeiros artistas. O crescimento da Antares, da Biscoito Fino, da Kuarup, da Acari, da Rob, etc.; as atitudes de artistas como Djavan, Zizi Possi e Lobão apontam que as independentes ainda farão muito barulho. Foi também através do Augusto que recebi o belíssimo documento que transcrevo abaixo e que está no site de Zizi Possi. Com ele, fecho temporariamente o assunto.
~~~~~
O Manifesto de Zizi Possi
Sem arriscar, do artista não brota a obra.
A realização dessa obra requer muita fé no que não se pode ver,
nem tocar,nem sequer acreditar que é possível…
e suportar a pressão dos incrédulos.
Ser artista é entre outras coisas, ter coragem de ousar,
de mergulhar no desconhecido até então.
Quem investe na arte?
Zizi Possi
Meus amigos;
Muitas pessoas que gostam de mim e do meu trabalho têm perguntado sobre a minha rescisão com a gravadora, e o que será do meu futuro.
Gostaria de responder a todos os que têm essa questão em mente, contando um pouco do que, e de como penso sobre isso.
Vale lembrar que não sou dona da verdade, nem pretendo convencer ninguém a respeito de nada.
Estou apenas expressando o meu ponto de vista, e esclarecendo minha opção.
É o seguinte:
A indústria da música no mundo gera o maior capital depois da de petróleo.
Ou pelo menos gerava, antes da facilidade de reprodução de um CD pela pirataria, e da era Internet,
Ou seja: um próspero negócio.
As gravadoras multinacionais no Brasil, historicamente dominaram o mercado por serem mais ricas e organizadas,
Graças ao geométrico potencial de desenvolvimento financeiro, chamaram a atenção e foram absorvidas por grandes corporações ou parques temáticos:
A CBS virou SONY MUSIC – mais um braço da SONY.
A POLYGRAM virou UNIVERSAL MUSIC – mais um braço do parque temático, cinema, bonequinho, álbum de figurinhas, etc e tal…. Que por sua vez já foi vendida para um grupo francês enoooooooooooooooooorme, e que nunca trabalhou com música antes.
A RCA de ontem, a do cachorrinho no gramofone, é hoje BMG.
O André me mostrou pela Internet “quem” é a BMG. Tentem ,e pasmem! E por aí vai…
Ou seja, nas últimas décadas, o negócio foi crescendo tanto que a própria indústria, deslumbrada com os louros conquistados, foi arrebatada pela tentação financeira e acabou abrindo mão de si própria, para se tornar mais um braço de uma grande corporação.
Como braço, se a “gravadora” não gerar um volume pré-determinado de dinheiro no ano, o cargo dos executivos entra em pane, e pode haver um desastre nas suas promissoras carreiras.
Que entre em pane então a arte, a cultura,o artista, e tudo o que é mais trabalhoso de colocar no mercado, pois o consumo deve ser rápido e por atacado. Sem riscos desnecessários.
Quanto mais essa rapidez atropeladora vai crescendo e “resolvendo” a questão, menos importância e cuidado sobra para a arte e o artista – originalmente a matéria prima da indústria!….
Salve as bundas! Salve o hedonismo! Salve a banalização do sexo, da televisão, do “tornar-se famoso a qualquer preço”, e da informação!!!
(que se faça justiça: esse mérito não é só da indústria da música!!! )
É o que temos, e teremos por um bom tempo, até que o mal se consuma a si próprio, e o povo se farte do sexismo, desmistifique a fama barata, e finalmente respire a permissão de merecer mais e melhor do que isso.
Em contrapartida, o Brasil é um grande mercado para a música.
Não é tão difícil alcançar o mínimo anual estipulado. Não requer grandes investimentos comparados aos que os outros braços costumam disponibilizar para o marketing dos respectivos produtos.
Desde que abriu mão da sua identidade para se tornar “parte” de algo maior, deixou também de crescer, de se atualizar, pesquisar, abrir mercados novos, e de investir adequadamente nos seus produtos.
Os caminhos para divulgação trocaram de nome mas continuam os mesmos!
Me pergunto:
Qual é o investimento de suporte que a indústria já fez por aqui?
Casas de espetáculo:
Empresas de igual ou menor porte,investem em suas marcas associando seus nomes a espaços culturais:
ATL Hall (Rio), Credicard Hall, Direct Tv Hall, Teatro Alpha Real (S.P.)
– Tem algum UNIVERSAL MUSIC´S THEATER em algum lugar do Brasil?
Quem sabe um WARNER Music Hall????
Entre nós: para quem trabalha com música, investir num “show room” – um lugar adequado para a apresentação da mesma – não é tão incoerente assim…. você não acha????
Seria até uma garantia de visibilidade para seu investimento, além de ser uma mais do que justa forma de reconhecer a hospitalidade brasileira, oferecendo à sociedade e ao artista mais um local de cultura, lazer e trabalho.
O Bradesco – instituição financeira – fundou e cuida de um grande e super bem estruturado orfanato.
O Bank Boston – instituição financeira – também.
O Itaú – instituição financeira – tem um centro cultural que oferece espaço e visibilidade para que artistas de várias áreas possam mostrar seu trabalho e o público tenha acesso à arte e informação.
Vocês já viram alguma ação cultural e /ou benemérita das multinacionais da música no Brasil ????
Tudo bem que a TV a cabo seja outro braço desta verdadeira “SHIVA” capitalista, e que portanto temos bolsos diferentes…….. embora na mesma calça.
Seria uma heresia pensar em contar com uma pequena janela – pode ser até uma fresta – para a apresentação do nosso produto musical, o da própria empresa ?!!?
Todo o longa metragem lançado, tem sua trilha sonora distribuída e vendida pelo seu “braço” musical do país em questão. Será que isso deveria permanecer assim mesmo, unilateral????
Aí vem aquelas justificativas todas para explicar que a divulgação é escassa porque os programas são sempre os mesmos etc etc
Ai que pena e que cansaço!
Tenho 24 anos de carreira profissional, e 46 de idade, ou seja: não dá mais para ouvir as mesmas desculpas de sempre por aquilo que não foi feito, e acreditar que as alternativas não são viáveis!!!!!
Reclamam da pirataria, e com razão.
Mas temos de reconhecer que o mercado foi negligenciado pela própria indústria.
Ela sempre subestimou o que chamava de “menor “.
Nisso incluem-se a própria pirataria, que há 10 anos atrás representava um “nada” para o mercado, e as pequenas cadeias ou lojas isoladas, porém especializadas em música.
A inadimplência alegada para o corte ao crédito das pequenas lojas, realmente é um fator desestruturador e requer providências.
Nem sempre encontramos a melhor saída para a crise.
Acho que abrindo mão de vender música, abriu-se mão do mercado dela.
Tenho saudade de entrar naquela loja onde o mocinho de crachá se aproximava para ajudar, e quando eu perguntava sobre um determinado artista, ele sabia tudo o que havia sido gravado nos últimos anos.
Mostrava os CDs, citava músicos e o solo da guitarra numa canção, o de sax na outra….
Eram bons os tempos em que se ouvia um disco inteiro com prazer e sede de estar perto da criação e do artista.
Hoje em dia, as lojas minguaram a tal ponto, que só se encontram CDs em supermercados, loja de departamentos, postos de gasolina, e graças a Deus em livrarias!
Imaginem, o CD, produto tão vendido no país, perdeu sua própria loja!!!!
O terrível, é que nesses lugares, (nas livrarias menos) não há lugar para catálogos.
Você só acha os sucessos:
1- da novela,
2- das rádios de “parada musical” ,
3- de compilação feito pela própria gravadora para parecer produto novo, e
4- com sorte, dos últimos 2 ou 3 CDs do artista – lógico, se tiverem sido um sucesso!
Sucesso – essa é outra boa questão a se repensar.
O sinônimo de sucesso para mim sempre foi o de obter um resultado positivo como decorrência de algum bom trabalho.
Para se obter um resultado é preciso fazer alguma operação antes, certo?
Então, desde que sucesso passou a ser encarado como sinônimo de fama e de dinheiro a qualquer preço, foi diminuída a importância do trabalho do artista.
O sucesso passou a ser a meta, e não o resultado.
As máquinas maravilhosas que corrigem desafinações, e trazem já ritmos e timbres completos, são capazes de reduzir o número de músicos e de consertar qualquer erro.
Não sou contra essa tecnologia, muito pelo contrário – acho bárbaro!
Só sinto por ela estar sendo utilizada tão abusivamente.
O mercado e a mídia podem estar lotados de pessoas que se tornam famosas, mas nem por isso podem ser reconhecidas como artistas.
Isso é sucesso?????
Olha, até meu cachorrinho pode latir afinadinho, e com sorte se cair no gosto popular, ser o maior sucesso do Brasil.
Sucesso no dicionário deles, bem entendido!
Cabe dizer, que neste momento da história, a indústria nacional de música – ontem um “nada ” para o mercado – tem revelado extrema criatividade ao lidar com o mercado, a mídia e as concorrentes.
Que bom poder olhar para este cenário e ver que a batuta na mão da indústria brasileira (a verdadeira ABPD) está regendo um leque aberto de opções menos preconceituosas, preguiçosas e tendenciosas, garantindo um pouco da imensa variedade de músicas e estilos do país – o que caracteriza nossa riqueza cultural.
Tomara que não se percam pelo caminho. Não haverão de se perder!
Enfim quem sou eu para criticar?
Como já disse desde o início, não sou dona da verdade.
Essa é apenas a minha visão deste momento da história da música popular & indústria & mercado.
A mim, cabe apenas saber até onde posso andar nessa direção.
Não me reflito nesses valores.
Sei que vai ser trabalhoso daqui por diante realizar meus projetos sem o suporte financeiro e mercadológico da indústria, mas acredito que vai rolar sim!
Parei de andar por esse caminho, mas não parei de cantar.
Gosto de música, muito! De música com “M” maiúsculo.
E é essa a música que pretendo realizar sempre.
Pode demorar um pouquinho, mas tenho certeza que vai rolar!
Para você meu querido amigo, que vem me acompanhando ha algum tempo, agradeço de coração, e espero retribuir lhe apresentando um trabalho do tamanho do seu carinho e atenção.
Vamos manter contato!
Um grande beijo,
ZZ
gde ZZ!
Li uma “banda desenhada” hoje pela manhã no contexto. No primeiro quadro, um advinho diante de uma bola de cristal, com a pergunta: “O que deseja saber?”; segundo quadro, um homem com outra pergunta: “Como fica a situação das gravadoras?”; terceiro quadro, o advinho responde: “Sinto muito, só falo sobre o futuro”.