Publicado em 19 de junho de 2006
Ana Cristtina fazia aniversário em 12 de junho, Dia dos Namorados. É claro que isto apenas a prejudicava. Ganhava menos presentes, ora! Seus namorados, pensava, aproveitavam-se do fato e davam-lhe somente um presente. Mais: tornava-se hiper-sensível neste dia e nos precedentes. Tanto que, no dia anterior, um domingo, mandara seu namorado passear ao ser trocada por Portugal x Angola. Se ainda fosse um jogo do Brasil ou da Argentina, tudo bem, mas Portugal x Angola era demais.
Ramiro respirou aliviado. Estava sem grana e agora mesmo é que não lhe daria presente algum, quem manda ser histérica. Depois, passado o dia 12, tentaria reatar. Afinal, Ana Cristtina valia a pena. Era bonita e boa de cama. Seu único problema era aquela eterna mania de querer discutir a relação aos prantos e tarde da noite, quando ele estava louco para dormir e já pensando na encheção de saco do dia seguinte. Era motoboy por influência de Ana, que fazia o mesmo serviço.
Ana passou o dia 12 recebendo ligações de seus clientes e, cada vez que desligava o celular, dizia em voz alta:
– Puta que o pariu. De novo, não era o filho da puta.
Durante a tarde, chegava e saía dos clientes com os olhos marejados. Alguns, que lhe conheciam há mais tempo, cumprimentavam Ana pelo Dia dos Namorados e faziam seus cumprimentos extensivos a Ramiro. Perguntavam se onde eles iriam à noite, um jantarzinho íntimo, um motel? Ela sorria e não respondia nada. Depois, na moto, mais lágrimas. Ao final da tarde, mais nervosa, passou a acelerar mais e a fazer suas freadas bem próxima aos automóveis. Pensou que um pequeno acidente seria uma boa. Neste momento, como por mágica, uma carro à sua frente deu engatou a ré acertando-lhe em cheio o joelho. Ana deu um grito, descarregando todo o seu ódio naquela má motorista que certamente comprara sua carteira. Mas a mulher que batera em Ana parecia preocupada, saiu do carro pedindo-lhe desculpas, dizendo que iria levá-la imediatamente a um hospital e que aquele estava sendo um dia terrível para ela. Não parecia grave, mas Ana não estava conseguindo apoiar o pé no chão sem dor.
Estacionaram a moto e foram ao hospital. No carro, ambas pegaram seus celulares:
– Ramiro, me acidentei com a moto. Não queria te ligar, mas a quem poderia pedir ajuda?
– Ronaldo, meu amor, aconteceu algo horrível.
– Um carro deu ré bem na minha frente e…
– Sei que não devia te ligar, mas és homem e talvez…
– … acertou o meu joelho. Estou sendo levada para o hospital…
– … saibas a burocracia que envolve um acidente. Tenho…
– … com muita dor… Não, a própria mulher que bateu em mim. Tu poderia vir aqui?
– … seguro e tudo, mas sei lá. Isto é coisa de homem.
Na sala de espera, dois homens esperavam vendo Itália x Gana. Um estava vestido como um executivo, o outro de calças jeans e capacete no colo. Trocavam observações sobre o jogo. O pênalti não marcado por Carlos Simon a favor dos ganeses foi recebido com compreensão. Afinal, todos os gaúchos sabem que Simon é um dos piores árbitros brasileiros, mas que deve ter amigos importantes. Deram risada. Quando ele não deu o segundo pênalti, riram mais ainda. Quando a Itália fez o segundo gol, ambos ficaram vacilantes entre ver o gol e receber Ana e Mônica que apareram no corredor. Ana vinha claudicante, apoiando-se a Mônica.
Os dois homens notaram a simetria da situação e, já sérios, encaminharam-se para suas mulheres.
– Ai, tá doendo, me fizeram uma atadura e me mandaram ficar em casa à noite.
– Eu estava nervosa com nossa discussão, Ronaldo. Imagina que engatei a ré em vez da primeira.
– Tu podes me levar para casa? Putz, logo no meu aniversário…
– Poderia ter matado a menina. Sou uma idiota.
– Obrigado. Mas, acho que não dá para deixar a moto onde ela está estacionada.
– Só quero ir para casa tomar um banho e que este dia passe.
Quando atravessaram a sala de espera, os dois viraram-se para a TV a fim de ver que o jogo tinha terminado 2 x 0. Ronaldo piscou o olho para o amigo.
Ramiro passou a noite com Ana Cristtina. Deu-lhe os parabéns repetidas vezes pela dupla data e, se não houve presentes, não faltaram beijos e suspiros no pequeno apartamento dela. No lugar de discutirem até altas horas, a única provocação que houve foi a de Ramiro dizer que os dois tês do nome de Cristtina significavam “tesão” e “TPM”. Riram. Do outro lado, Ronaldo, o cidadão um pouco gordo que namora Mônica, fez o mesmo, dormindo fora de casa.
Por serem pessoas normais, não viveram felizes para sempre, mas garanto-lhes que, naquela noite, tiveram a ilusão de que isto seria possível.
E na última Copa, imagino quantas brigas não aconteceram em 12 de junho, quando os namorados certamente queriam assistir Inglaterra x Estados Unidos…