Publicado em setembro de 2005
Foi uma enorme honra receber hoje um e-mail do escritor Fernando Monteiro, acompanhado da seguinte mensagem: “Escrevi o texto abaixo especialmente para teu blog (se vosmicê generosamente quiser divulgá-lo).” Imagina se não! Além de publicar em primeira mão um artigo do Monteiro em meu blog, ele ainda vem bem ao encontro disto aqui.
Um cineasta americano acaba de falecer, em Los Angeles. Robert Wise, que parecia já ter morrido — há cinco, dez anos? — “disse adeus ao mundo” (na linguagem-clichê dos jornais), ontem, aos 91 anos.
A notícia vem em fôrma burocrática, e alguns textos destacam, desenxabidamente, que “Wise foi amigo de Orson Welles”. (E daí? Não entendi.) Robert Wise assinou a montagem de Cidadão Kane e, sem seu trabalho, o mais célebre filme de Welles seria outra coisa, bem menor (detalhe: em muitas ocasiões, ele esteve manipulando o material sozinho, sem a presença do diretor ainda dormindo ou dedicado a alguma outra tarefa, dentre as dezenas que Orson tocava, ao mesmo tempo, como um chinês rolando vinte pratos, simultaneamente, com uma varinha). Enquanto Wise se encontrava sempre enfurnado na sala da moviola, desde cedo, criando lá a sintaxe perfeita para as cenas do Kane, genialmente fotografadas por Greg Tolland seguindo o muito inspirado roteiro de Herman Mankiewicz etc. Bem, o filme revolucionário (de quem?) ficou para trás, incrustrado para sempre na história das revoluções da linguagem do cinema, e Robert Wise seguiu criando, na condição de diretor, filmes seminais como The Set-up (“Punhos de Campeão”), westerns psicológicos como “Honra a um homem mau” (1955), musicais da grandeza artística de “Amor, Sublime Amor”, e mais 36 filmes perfilando quase todos os gêneros praticados na Hollywood da idade de ouro hoje soterrada.
Esse diretor americano foi — como o inglês David Lean — uma espécie de “Mister Cinema”, para quem nada do que dizia respeito a filmes lhe era estranho. Os jornais brasileiros não parecem saber disso, e apelam até para lembrar o dispensável A noviça rebelde, por ele produzido e dirigido quase no final da carreira (e como se o musical com Julie Andrews pudesse ser um cartão de apresentação do diretor do realmente belo O canhoneiro do Yang-Tse)…
Morreu um grande cineasta. Um autor de notável modéstia e encanto pessoal, que sabia dirigir atores como ninguém. Desapareceu um mestre do cinema que não recebe, mesmo na morte, nenhum dos elogios espargidos sobre a cabeça do rasteiro imitador Spielberg et caterva. Coisas do nosso tempo de incultura gritante, grosseria triunfante e burrice espetacular.
FERNANDO MONTEIRO