Eu pouco li Moacyr Scliar. Não gostei do primeiro romance seu que conheci — não lembro mais qual foi — e depois suas crônicas dominicais acabaram por me afastar totalmente do autor. Lá por 1992, fiquei curioso sobre Sonhos Tropicais, uma espécie de romance biografia (nada de biografia romanceada, é um romance com personagens reais mesmo) sobre Oswaldo Cruz e passei a detestá-lo de vez. A obra ficou completa com seu ingresso na Academia Brasileira de Letras em 2003.
Uma vez, escrevi-lhe um e-mail. Estávamos no início do ano 2000 e Moacyr escrevera uma crônica sobre o filme Jonas, que terá 25 anos no ano 2000, de Alain Tanner. Este filme fizera enorme sucesso ao passar em Porto Alegre lá pelos anos de 1976-77 e muitos cinéfilos pensavam em rever o filme, assim eu fiz com 2001 no ano seguinte e com romance 1984, 16 anos antes. Pois bem, em sua crônica, Scliar errava parcialmente o nome do filme e enganava-se de personagens, assim como de sua procedência. Concluí até que ele talvez estivesse se referindo a outro filme!
Então, preparei um e-mail bem irônico e mandei para o endereço constante no jornal. Achei que ele ia lê-lo, mas que nunca iria respondê-lo. Depois de algumas horas, pam, cai a resposta de Scliar em minha Caixa de Entrada. Com imensa autoironia, ele fazia uma admissão de seus equívocos, acusava a si mesmo e ainda confessava outros erros cometidos em semanas anteriores. Dizia estar feliz por estar em contato com alguém atento, porque ninguém — entre revisores e leitores — tinha coragem de apontar suas muitas mancadas.
Fiquei meio pasmo com aquela falta de vaidade inteiramente estranha aos autores nacionais, sempre tão peremptórios e ágeis para se defenderem do mais débil ataque. Voltei a escrever-lhe citando sua civilidade e pedindo desculpas por minhas ironias. E Scliar voltou a afirmar que era um idiota em não consultar, fontes, etc.
E aqui termina minha história com ele. Devia ser um sujeito legal e fico autenticamente triste com sua morte ontem.
httpv://www.youtube.com/watch?v=N8fhqHyRj6M&feature=player_embedded
httpv://www.youtube.com/watch?v=n5Vw7OvcOFI&NR=1
Interessante. Não tem nada a ver com literatura, mas com decência. Bom postares isso, melhora o escore.
Concordo com o FM, gostei muito do teu post. Nada da superficialidade comum nessas horas. Acaba sendo uma bela homenagem.
Também li muito pouco do Scliar. Também detestei o primeiro livro que li e gostei pouco dos outros. Do que li, destacaria “Mês de Cães Danados”, não por seu valor literário, mas pelas possilidades de interface com a análise histórica. Dias atrás, participei da análise de um trabalho historiográfico que me mostrou esse mérito do livro.
Gostei do post e concordo com ele.
tbm mandei email uma vez pra ele, pra ele encaminhar pro verissimo, o q ele fez com cordialidade. fazia aniversário no mesmo dia q eu. já vi palestra com ele, gentilíssimo.
Mantive um relacionamento com o Scliar por quase 20 anos. Comprava dele os livros que recebia de cortesia das editoras. Na primeira vez pensei: pô, o cara ganha e vende! Mas depois percebi que ele recebia muitos exemplares, ficava impossível manter na sua biblioteca. Diversas vezes eu buscava os livros e depois mandava um email , informando o quanto pagaria e depositava na sua conta. O Scliar nunca contestava o valor e acho que ele gostava de fazer este “negocinho” , mantendo as suas origens judaicas.
Ele ligava prá mim e dizia: – os livrinhos estão perguntando quando tu vem buscá-los?
Milton, como tu falou, ele era desprovido de vaidades.
Eu disse que não gostava de seus textos. Ele deu risada.
Grande cara!
Realmente, um post que sobressai. Scliar já se revelara um cara modesto e sem vaidades supérfluas no caso Yann Martel, em que uma determinada ala da imprensa nacional sugeriu que ele iria processar o autor de “A vida de pi” por plágio. Ele negou, e ainda disse que o derivado era melhor que o original. Llosa disse que o único escritor que iria para o céu seria Jorge Amado, que uma certa vez no programa do Jô afirmou não ter o porte de ganhar o Nobel. Não li Scliar, mas tenho aqui as minhas certezas que não deva estar abaixo de qualquer outro autor nacional, e, quem sabe, de outros latino-americanos. Não é a santificação do morto. Até a morte poderia elegê-lo para o cânone, sem passar pelas incômodas etapas do gosto popular, se ele tivesse xingado um tanto, sido sarcástico com outros, se reafirmado com incordial brutalidade.
Outra coisa: é muito comum escritores irem além da memória e imaginarem em resenhas sobre livros e filmes. Às vezes saem pequenos pecados, como Llosa dizendo que o Johnny de O Perseguidor tocava trompete, outras vezes erros mais sólidos, como Carlos Fuentes trocando nomes de personagens de Flaubert. É como o Pessoa me avisa aqui nesse marca página: o importante é se expressar, não importa o quê.
Eu gosto muito das histórias do Scliar. Peguei, inclusive, um livro de contos dele há alguns dias, que só está esperando eu terminar o Capote. Ri e me identifiquei muito com o protagonista do Exército de um homem só, o meu preferido. Não é um autor que entra na galeria dos mais marcantes ou que tocam os temais mais universais da literatura, mas também não acho que isso seja demérito. É uma leitura prazeirosa.
Essa tua história, mais a do Ivo, confirmam a impressão que eu sempre tive, ao lê-lo e nas entrevistas. Grande cara.
Gostei dessa tua sinceridade. Agora, que ele morreu, todos leram e são fãs de Scliar. Muitos mentem, naturalmente. Eu li pouco Scliar, apenas 3 romances, os mais famosos, e dois livros de contos. O que li gostei. Mas nunca cheguei a ser seu fã, não chegava a me entusiasmar para ler mais. Nunca tive contato com ele, mas o teu post foi bastante revelador. A atitude de Scliar foi realmente rara.
[…] Moacyr Scliar e eu – Milton Ribeiro […]