Abandonai toda esperança, vós que entrastes, escreveu Dante Alighieri em A Divina Comédia, Canto III do Inferno, 9º verso.
O site Publishnews me dá a compreensão de que talvez o mundo já tenha acabado, que todas as ameaças de fim dos tempos e de arrebatamento realmente ocorreram de forma muito mais sutil do que alcança nossa vã compreensão, de que os desígnios de Deus são mesmo super-inescrutáveis e que nossa terrível punição foi a de ter permanecido para ver isso. Isto é, enquanto os puros foram para o céu, nós ficamos aqui para queimar lendo a Veja e a Época, para nos consumirmos com jabores, políbios, mônicas e reinaldos, naquilo que os religiosos chamam de inferno. Dante teria errado seu verso. O correto seria Abandonai toda esperança, vós que ficastes.
Mas o pior de tudo nem são as publicações ou os celetistas citados, o pior é a lista de livros mais vendidos de nosso inferno. Isso acaba com qualquer esperança. A lista dos 20 livros mais vendidos de 2011 é decididamente demoníaca e estou pensando seriamente em salvar minha alma de modo mais eficiente da que fez o pobre Hans Castorp. Confira a lista e reflita. Não imagino em que círculo do inferno estamos, mas o calor já é demasiado. Leia e queime.
Lista de livros mais vendidos em 2011:
1 Ágape, Padre Marcelo, 302763 exemplares vendidos em 2011
2 A cabana, William P. Young, 47839
3 Querido John, Nicholas Sparks, 44005
4 1822, Laurentino Gomes, 39837
5 Diário de uma paixão, Nicholas Sparks, 37485
6 Comer, rezar, amar, Elizabeth Gilbert, 33451
7 A última música, Nicholas Sparks, 32268
8 O pequeno príncipe, Antoine Saint-Exupéry, 29979
9 Por que os homens amam as mulheres poderosas?, Sherry Argov / Andrea Holcbeg, 29876
10 Deixe os homens aos seus pés, Marie Forleo, 29758
11 1808, Laurentino Gomes, 28050
12 Guia politicamente incorreto da história do Brasil, Leonardo Narloch, 25242
13 O monge e o executivo, James Hunter, 22267
14 Água para elefantes, Sara Gruen, 20781
15 O semeador de idéias, Augusto Cury, 20459
16 Diário de um banana – Dias de cão, Jeff Kinney, 20106
17 50 anos a mil, Lobão, 19167
18 O milagre, Nicholas Sparks, 18606
19 Comprometida, Elizabeth Gilbert, 18210
20 Os segredos da mente milionária, T. Harv Eker, 15930
A lista é de doer. Mas, tenho diabete de romances açucarados e os de pseudo-história me dão engulhos (tenho um artiguinho para escrever sobre isso). Os outros é melhor nem comentar.
Mas, como diria o filósofo chato: inferno e céu são conceitos relativos. Quem sabe se olharmos no fim da lista, nos menos vendidos?
O que é desesperador é que as listas dos anos 70 eram muito boas.
Espero que isto signifique um aumento real do número de leitores e que estes irão evoluir até chegarem nos verdadeiros livros.
Não acredito nessa histório de q1ue você começa lendo merda para depois melhorar o nível. QAuem começa com padres e pseudopsicólogos (ou psicólogos mesmo, a merda é igual) não fará nada na vida além de ler essas bostas até o mais amargo fim (bela frase que, imagino, deva constar nalguns desses livros). Mas há realmente a possibilidade de que, nos anos 70, os leitores eram tão poucos que as listas representavam apenas os vendidos aos pouco alfabetizados que haviam, enquanto hoje, com o estímulo aos livros e dinheiro no bolso, as pessoas leem esses livros, por recomendação daqueles todos que pensam que, afinal, livros devem ser lidos porque eles ensinam coisas precisas, não a imprecisas (sempre me perguntam por que etás a ler esse livro, o que ele ensina?; eu respondo: “Não ensina especificamente nada, e se ensinasse não o leria”. Isso geralmente confunde a cabeça das pessoas).
Bem, se ainda resta uma esperança, talvez, não seja o inferno, rsrs.
Mas tenho pensado nisso. Conforme investigo a história da leitura, não deixa me de martelar a questão: afinal, a leitura é ou não um valor em si? Fico colocando os argumentos de um lado e de outro, buscando não cair nem no elitismo intelectual, nem no mais absoluto e vulgar relativismo do vale tudo. Há poucos dias li um texto em que ou autor dizia o seguinte: Sim, temos mais leitores (referindo-se ao Brasil), mas isto não quer dizer que as pessoas vão ler o que os intelectuais e professores acham que elas deveriam ler. A argumentação era interessante.
Mas, de minha parte, sempre fico pensando nas motivações, quero dizer, o que faz um leitor ler. Se a pessoa quer o que a novela proporciona, então a lista está de acordo. Há pessoas que são ávidos leitores e, no entanto, leem durante toda vida o mesmo livro (ou seja, uma história que provoca sempre o mesmo tipo de conhecida emoção sem surpresa). E ainda assim são leitores. E leitores ávidos.
Assim, a esperança de que todos avancem no modelo do leem, é igualmente relativa. É preciso um pouco (muito) de investimento nisso. Seria melhor se fossem investimentos claros, amplos, institucionais e não do que, na verdade, dependemos: de iniciativas particulares e apaixonadas para criar e incentivar novos leitores.
Ainda assim, já vi muita gente ir da literatura pop aos melhores contos de autores russos, indo até chegar aos grandes roamancistas e voltando para descobrir as maravilhas da literatura nacional. Tudo isso com o mais absoluto proveito.
Para ficar no espírito do post, eu poderia terminar com: nos resta rezar por um futuro com melhores listas, rsrsrs
Não sei o que é pior, se o livro ou a cara do Padre Marcelo na capa. Cruzes!
Parece uma múmia, né? Eu e a Claudia já tínhamos comentado.
Alguém disse que, quando o livro é bom mesmo, você é absorvido e nunca pensa na técnica narrativa. O mesmo valeria para filmes, que você não pensaria na fotografia, etc…
Independente disso, acredito que o ‘grande público’ não está interessado em técnica narrativa. Eles não estão interessados em livros por si mesmos. Estão mais interessados em conteúdo (Gone With The Wind ilustra bem isso). Não é de se estranhar então que o público tenha abandonado os livros, já que o século XX foi o século da prestidigitação lingüística e do culto ao argumento mínimo, de livros sobre livros.
Por outro lado, uma situação curiosa: os filmes de um dos maiores diretores de todos os tempos, Yasujiro Ozu, por mais que sejam cheios de idiossincrasias, e camadas e camadas de sentido, sempre vendiam muito bem. Por isso sempre o deixavam livre para fazer seus filmes como quisesse. É curioso que cineastas hoje que seguem sua linha estejam longe de serem sucessos comerciais (Edward Yang, Hirokazu Koreeda, Hou hsiao hsien, por ex). O que mudou da época de Ozu até agora, do Japão do início do século para o mundo de hoje?
A exposição ao cinema americano, claro, estes filmes onde a ação e o ritmo são sempre tão elevados (normalmente ao ponto de não deixar o espectador pensar). São filmes empurrados goela à baixo via marketing. São tão dominantes e todos tão parecidos, que qualquer filme diferente, que exija um pouco de trabalho mental da parte do espectador, já suscita a preguiça mental deste.
Imagino que isso pode ocorrer na literatura com os ‘best-sellers’ também. Tão simples, exigem tão pouco, tão ‘escapistas’ e tão bons de se ler após o cansaço do trabalho, que o publico pode nunca mais voltar a ler “Literatura”.
Mas divago…
Gostei disso.
Também.
Ainda hoje uma colega de trabalho de meia-idade, sem qualquer preocupação literária, me sabendo leitor dileto, disse:
– Eu também lia muito quando era solteira.
Eu não dei sequencia ao assunto, sabendo que a leitura para ela significava um passatempo ou, quem sabe, busca por alguma instrução e conhecimento. Mas tive vontade de responder que não leio nem em busca de passar o tempo nem para ficar mais inteligente ou culto; eu leio porque eu gosto. E ponto. Mas só pensei, não falei, porque lá no fundo eu sabia que ia ter que acabar me defrontando com um conceito de literatura que está refletida nesta lista. Aliás, eu ia ter de acabar explicando o inexplicável, porque não é possível que alguém leia simplesmente por gostar de ler, por gostar muito – isso é o que pensam estes que nunca leram, apenas juntaram letras em busca de alguma finalidade. Mas paciência, aproveitemos as benesses do inferno (que não são poucas).
Milton,
Pelo menos sempre teremos o consolo da releitura. Na lista acima, há um livrinho que li na infância, e acho que ele não é mesmo para misses. Trata-se de “O Pequeno Príncipe”, que adoro. Já li algumas coisas de Augusto Cury, e gostei. E olhe que tenho certa reserva com literatura contemporânea. Não obstante, eu posso compreender a motivação dos leitores que compram esses livros. São pessoas que acreditam na vida, e esperam por transformações. Eu realmente tenho muitos preconceitos, mas, em relação ao Outro, aprendi a respeitar. O bom da vida é a diferença. Como diria Jorge Amado, a desgraça é o sectarismo.
Mas o padre Marcelo está uma múmia mesmo!
Eu gosto de ler! E acho legal quando mais pessoas leêm mais livros. Há um tempo a discussão era “como nós lemos pouco”. Hoje já estamos falando sobre a qualidade da leitura do cidadão médio.
E, claro, assim como temos a Rádio da Universidade, com três ouvintes, contamos com a Farroupilha, Caiçara, Eldorado, and others
Acho engraçado como que estão pegando afirmações de autores clássicos, descontextualizando-as e transformando-as em afirmações de auto-ajuda.
É uma delícia ler-te!
Sou tua oitava leitora.
Um abraço.