“É preciso estar faminto e curioso com a vida para que a sua mente não seja levada a um estado de senilidade. Olho para o trabalho de Manoel Oliveira, que tem 103 anos e ainda parece um homem de 60. Quando o encontrei em um evento, anos atrás, tive vontade de perguntar: ‘Qual a sua dieta, senhor? Que uísque o senhor bebe?”.
“O corpo se queixa, às vezes as costas doem, mas não me sinto muito diferente hoje em termos de energia para trabalhar do que há 40 anos, quando rodei o meu primeiro filme. Sinto que ainda tenho muito a fazer”. E sumariza seu eterno engajamento com a vida. “Se você desfruta do que está fazendo e continua aprendendo, permanece vivo. Os anos não significam nada. É preciso estar ativo, ocupado. Não estou pronto para sentar perto de um rio, com uma cerveja na mão, pensando no passado. Ainda há muito por conquistar”.
“Quando você envelhece, pode tornar-se introvertido e ficar nostálgico por coisas que fez ou não durante a vida ou tentar crescer e tornar-se um ser humano melhor. Sempre estive aberto à mudança e em sincronia com a evolução do mundo. Penso que os 60 e 70 podem ser os melhores anos desde que você mude ou evolua. Quando você alcança essa idade, aprendeu tanto e sua perspectiva se aprofundou tanto que somente um bobo não se beneficiaria desse conhecimento”.
Clint Eastwood, na revista Alfa de julho
Oh, como Bobbio precisava ler isto! Lembrei-me de Dercy Gonçalves, numa entrevista memorável à Revista Veja:
“Saber viver é não ter saudade de nada nem de ninguém, não ter ódio, não estar apaixonado. Saber viver é ser livre.”
Há um segredo, claro: o livro da vida e da morte está escrito em nós. Nisto, acredito.
Mas, nem por isso devemos de permanecer atentos e curiosos à vida. Vida!
*… devemos deixar de permanecer atentos e curiosos à vida. Vida!
Mais 40 anos, pelo menos, para o Clint!
Me lembro que meu plano de juventude era ficar velho igual ao Bernard Shaw. Enquanto a maioria se lamentava por uma ruga e pelo recuo do couro cabeludo, eu era possuído por um conformismo feliz. Shaw produziu até o último instante, e nem uma estripulia que lhe fez quebrar o quadriu aos 80 e tantos anos o fez parar. Vejo com a mesma admiração a Eastwood.
Errata: onde se lê “quadriu”, lê-se na verdade a encoberta do analfabetismo do comentarista pela pressa em digitar.
Um crítico de cinema perguntou ao Manoel de Oliveira p segredo de sua longevidade:
– Só como grelhados!
Noutra oportunidade, encontrou Manoel que estava se dirigindo a um restaurante; recebeu convite para almoçar, e lá foram crítico e cineasta a um restaurante, o crítico pouco entusiasmado diante da possibilidade de comer saladinhas e grelhados.
Qual o quê; sentaram à mesa de um restaurante árabe, e o velho português comeu todo tipo de alimento condimentado e apimentado que lá havia. Surpreso, o crítico perguntou:
– E os grelhados?
– Qual o quê! – respondeu Manoel – Eu como de tudo!
Moral da história: se você quer uma receita de vida do guru mais próximo, o melhor não perguntar a ele, pois o faça o que eu digo não faça o que eu faço é uma instituição planetária. Mas, por garantia, faça como eu: não beba uísque.
Me lembrou de outra piada, a do cara que visita uma feira de comidas saudáveis e vê uma fila de velhinhos que aparentam 50 anos mas tem 80. Vai perguntando a receita para cada um deles e as respostas não fogem do já esperado: dieta mediterrânea, peixes, vinho moderado, exercícios, nada de cigarros, azeite, três dentes de alho por dia, etc.
Dai ele chega de frente à peça mais exótica da feira, um velhinho que se mantêm em pé por ordem do milagre, raquítico, a cara devastada por rugas e erosões. Pergunta-lhe sobre como ele fez para chegar até ali, ao que ele responde: bebo um litro de whisky todos os dias, fumo três cartelas de cigarro, como picanha gordurosa e todos os tipos de massa. Quando o visitante, admiradom pergunta-lhe a idade, ele responde 37.
É, mas o relatado acima não é piada; se passou entre o cineasta português, já com 100 anos (hoje está com 103) e o crítico de cinema Leon Cakoff (não sei a idade, é mais jovem e, pelo jeitão dele, já está morrendo). Manoel, no entanto, não levou vida de excessos; era atleta da juventude e corredor de automóveis (depois que a ditadura portuguesa o proibiu de fazer filmes logo após seu primeiro longa, Aniki-Bobó, que caiu no índex de Salazar). Só voltou aos longas de ficção em 1971, mas só nos últimos tempos tem feito um filme por ano, no geral bons, embora nem todos (Cristóvão Colombo é meio professoral, chato, com alguns bons momentos). Recomendo:
Non, ou a Vã Glória de Mandar
A Divina Comédia
Vale Abraão
Inquietude
Palavra e Utopia
O Princípio da Incerteza
…e o agora em cartaz Singularidades de uma Rapariga Loura.
Belle Toujours.
Mas a piada ratifica um ponto que foi comentário meu à história original: não beba uísque.
E eu aprendi a amar o Clint aqui, neste blog.
Puxa, obrigado!
Milton, talvez seja esse o segredo…
LIVREMENTE
by Ramiro Conceição
Se um dia
sem querer
a gente se encontrar,
e se houver ainda um
inocente, novamente…
Juro te mostrar
o envelhecer
inutilmente…
Porém, se nada acontecer,
partiremos, como sempre,
livremente.