Anotações sobre sexo no Ulysses de Joyce (Segunda parte de três ou quatro)

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Um pouco mais revisado. Aliás, revisei o anterior agora, novamente…

Não faço ideia se o meu marido é um gênio ou não; o que sei, com certeza, é que ele tem uma mente bem suja.

NORA BARNACLE

Primeira parte: Anotações sobre sexo no Ulysses de Joyce (primeira parte de três, quatro ou mais)

Hum… Nunca me ofereçam, OK?

Em Ulysses, Leopold Bloom é um cidadão irlandês, pai e marido de Molly. Teve dois filhos, Milly e Rudy, sendo que o segundo morreu onze dias após o nascimento e Milly — que está com 15 anos em 16 de junho de 1904 — estuda em outra cidade. Ela aparece no romance apenas nas saudades de Bloom, o qual também lamenta muitíssimo a perda de Rudy. Ele é um bom pai de quase quarenta anos e começa o dia de forma tipicamente irlandesa. A primeira coisa que come são rins de carneiro grelhados, eles exalam um leve e inebriante perfume de urina. Porém, não vim aqui criticar a gastronomia irlandesa e britânica. Faço referência a este quarto capítulo porque nele Bloom aparece servindo sua mulher-ninfa na cama. É importante notar que é ele quem serve o breakfast,  não o contrário. Bloom, que foi confessadamente criado por Joyce para ser o homem comum, o everyman, aparece sem heroísmos, com uma dimensão inteiramente humana, sem atitudes épicas.

A primeira página de Ulysses no manuscrito de Joyce

Em 1905, Joyce escreveu a seu irmão Stanislaus:

Você não acha a busca pelo heroísmo uma tremenda vulgaridade? Tenho certeza de que toda a estrutura do heroísmo é, e sempre foi, uma mentira e que não há substituto para a paixão individual como força motriz de tudo.

O amor de Bloom manifesta-se diferentemente, ignorando posturas machistas, nas atitudes e nos pensamentos em relação à família, mas uma das surpresas de Ulysses é como esta rotina é contraposta à sexualidade que aparece no romance. Boa parte do enredo de Ulysses gira em torno do casal Molly e Leopold e de sua inaptidão para sentir prazer físico e emocional um com o outro. Seja através da narração onisciente, seja por monólogos interiores, o texto documenta minuciosamente as abordagens sexuais inteiramente diversas e as tentativas românticas do casal. E estas ocorrem sempre SEPARADAMENTE. Durante o curso do dia, Molly comete adultério com Blazes Boylan, enquanto Bloom envolve-se com práticas sexuais voyeuristas, masturbatórias e, por que não dizer?, masoquistas. Mesmo que Bloom participe ativamente destes encontros, é curioso como Joyce obtém mantê-lo longe do estereótipo do fauno sedento por sexo e prazer. Bloom é o anti-herói, o low profile, o personagem simpático, agradável, amistoso e apagado. Mesmo o erotismo evidente de certas participações de Bloom, acaba diluído em gentileza e bonomia. Ele é pai e marido, possuidor de qualidades maternas, pacifistas, até femininas.

Os limites rígidos que compunham a prática religiosa e as normas sociais na virada do século XX são demasiadamente sufocantes para a expressão de Joyce da individualidade e do desejo carnal. No episódio em que Bloom masturba-se na praia, observando Gerty MacDowell, tendo por fundo um culto religioso, Joyce não apenas justapõe religião e erotismo, mas incorpora uma prática sexual não convencional.

Bloomsday em Dublin. Leopold põe os olhos em Gerty MacDowell.

Com isto, ele desafia o senso comum do que seria a sexualidade na virada do século XX e utiliza seu romance como um veículo através do qual pode expressar seu desejo de fundamentar sua crença no instinto e no físico — não esqueçam que cada capítulo do Ulysses refere-se também a uma parte do corpo humano. Para Joyce, a sexualidade é um ato de expressão da natureza. Neste sentido, concordava inteiramente com D.H. Lawrence, o qual desejava conceder ao corpo um reconhecimento igual ao que era dado à mente. É claro que tais intenções do romance iam ao encontro das teorias de Freud — o desejo sexual como energia motivacional primária da vida humana –, mas ia contra a moral vigente da virada do século. Os encontros de Bloom com mulheres no livro parecem servir de alívio para a exclusão social e a traição de Molly, são o meio utilizado por ele para adquirir o equilíbrio ou equanimidade entre sua existência e a de Molly.

Sandymount Strand, onde Stephen Dedalus caminha imaginando-se cego e onde Leopold Bloom encontra Gerty McDowell em Ulysses

Ulysses é um texto que procura minar e redefinir as noções de gênero e de hierarquia na sociedade patriarcal da época. O romance não promove a superioridade masculina, mas eleva as mulheres e a feminilidade. Não só Joyce inverte a hierarquia social predominantemente masculina, como confunde e desafia a noção de gênero na dicotomia da criação de um casal formado por um homem delicado e feminino e uma mulher decidida. Nesta combinação, o casal Molly e Leopold, desafia os estereótipos que definem a masculinidade como agressiva e dominadora e a feminilidade como passiva e reservada.

Salman Rushdie escreveu em seu ensaio The Short Story: “Comumente o que é pornográfico para uma geração, é clássico para a geração seguinte”. A frase parece ser perfeita para Ulysses: enquanto a censura do início do século XX considerava o texto imoral e inadequado, ele agora oferece para nós um quadro riquíssimo para a exploração e análise da sexualidade de personagens extremamente bem construídos, sendo que um deles era “o homem comum”.

Eu poderia definir a pornografia como a apresentação de cenas destinadas a despertar desejo sexual no observador? Assim como num filme de sexo explícito, Uliyses rastreia movimentos e sensações corporais, realizando (ou escandalizando) o desejo do leitor de observar com precisão a mecânica do corpo. No entanto, Joyce não faz pornografia: aqui, a predição de Rushdie funciona perfeitamente: apesar de possuir elementos pornográficos, Ulysses oferece a transformação da pornografia em uma forma de arte clássica. Tendo lido e estudado psicanalistas como Freud, Joyce nos oferece não apenas uma nova ficção e linguagem, oferece-nos um ponto de vista original para entender o sexo. A atitude perante a sexualidade estava mudando após a virada do século, especialmente na esfera psicanalítica, e Joyce reflete em Ulysses este novo interesse na sexualidade, o crescimento de uma ciência sexual e o desenvolvimento de novos conceitos que rompiam cabalmente a associação entre sexualidade e reprodução. Joyce pertencia ao grupo de grandes pensadores da época, que procuravam entender e redefinir a sexualidade. Declan Kiberd afirma jocosamente que “Ulysses era não apenas um exemplo de um empreendimento comercial de alto risco, mas também um manual muito particular que extrapolava em muito questões literárias”.

É importante salientar a relação de Joyce com a tradição inglesa do romance. A Irlanda estava sob o domínio inglês. Os ancestrais de Joyce abandonaram lentamente o gaélico — ainda falado em regiões rurais da Irlanda — pelo inglês. Deste modo, os irlandeses viviam a uma certa distância da literatura inglesa ou ao menos utilizavam a língua com menor respeito, muitas vezes com insolência. Deste modo, há, além das ideias de Joyce, um aspecto sociológico que torna a quebra da tradição um ato até desejável de afirmação de nacionalidade. Joyce não falava mal de Dublin e da Irlanda, como alguns afirmam, mas era, sim, contra a sentimentalização do passado, revoltava-se contra o provincianismo de achar que o passado — mesmo um inventado, como o dos gaúchos tradicionalistas — ia voltar.

O Rio Liffey e a Ponte Ha’penny Bridge em Dublin, Irlanda

(Segue)

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18 comments / Add your comment below

  1. Eu li Ulisses (tradução da Bernardina), e fico bem triste de saber que me dá mais prazer ler um texto do Milton Ribeiro (ou o livro “Homem Comum Enfim” – livro de Anthony Burgess sobre a obra de Joyce), do que o próprio livro Ulisses.

    Sério, queria muito ter gostado do livro. Mas não consegui.

    Algumas passagens (uma página inteira citando nomes e famílias ou o detalhamento técnico de um café da manhã, por exemplo), são cansativas e não dão prazer de ler.

    Uma pena, o livro é realmente interessante, tecnicamente muito elaborado, abrange TUDO, referências a perder de vista…fica até difícil de acreditar que foi escrito apenas por UM homem.

    Mas não me agradou.

    Quem sabe em outra tentativa, como disse o Galindo, Ulisses começa a ser divertido na terceira leitura…

      1. Pois é, Ramiro.

        Tenho clara consciência da importância, revolução e genialidade de Joyce.

        Mas parece (eu sei que não foi, mas parece) que foi escrito para críticos…é um deleite para eles, pela técnica, pelas referências…

        Tenho prazer lendo Tolstoi, Tchekov, Dostoiévski, Thomas Mann, Ernesto Sabato, Machado, Guimarães Rosa, Stendhal, Goethe, Cervantes…entre outros. Mas ler Joyce não foi uma experiência agradável.

        Outros clássicos que não me agradaram foram Faulker e Shakespeare. Chega até a ser uma heresia dizer que não gosto de Shakespeare..mas não me agrada mesmo.

        1. Caramba, Rodrigo, que inveja!
          Não possuo toda essa sua experiência de leitura. Não sei se você sabe, mas tenho uma formação essencialmente de engenheiro. Portanto, possuo em minha bagagem cultural muitos vazios…

          1. Ramiro,

            Queria muito ter essa experiência de leitura…com certeza você deve ter lido outros tantos autores que ainda irei ler algum dia…devo ter lido no máximo uns 60 ou 70 livros, e já tenho 30 anos.

            Minha área de formação é Informática. Ou seja, trabalho e estudos para a minha área me evitam de ler mais do que eu gostaria.

            Mas gosto de ler..sempre gostei…mas sou um leitor “preguiçoso”, prefiro não arriscar e ir logo nos clássicos…hehehe a chance de ser bom é maior.

  2. Eu compreendo perfeitamente o que vocês escrevem, mas não posso concordar. Ulisses, como disse o Charlles Campos, causa enorme felicidade e euforia ficcionais, apesar da declaração de Joyce: “Como Shakespeare, jamais escreveu uma trama de ficção, só roubei dos outros”.

    1. Mas então, Milton, por favor!!!, daria para você exemplificar essa “enorme felicidade e euforia ficcionais” com “pedaços” do texto de Joyce?
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      Infelizmente o que ficou em mim foi um enorme tédio. Sem dúvida, Joyce dominava a arte de escrever, contudo seu texto é tão cheio de firulas que, na minha visão de leitor, o conteúdo fica diluído. Afinal, creio que se escreva para ser entendido e não para ser decifrado. Há alguma estupidez no que estou a dizer?
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      Não é uma das faces da arte dizer o complexo através do aparentemente simples? A erudição não é a síntese, isto é, a superação tensa dos contrários em algo novo que traz em si uma nova complexidade objetivamente clara? Quero dizer, por exemplo, Einstein, a partir de suas equações complexas, tentou de todas as maneiras explicar a sua teoria em exemplos cotidianos. Não foi por isso, por esse método, que ele conseguiu chegar àquelas tão complexas, e não o contrário?
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      O que penso-sinto em Joyce é que, parece, ele se perdeu no próprio método que buscou.
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      Em minha opinião – de livre atirador – centenas e centenas de parágrafos do Ulisses poderiam ser descartados.
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      Digo isso por que Bernardina, em certa altura de sua tradução, parece ter desistido das referências que poderiam ajudar na respiração sobre o Ulisses. Não por culpa dela, é claro, mas simplesmente por ser impossível traduzir efetivamente o que o irlandês quis dizer.
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      E, por favor, não me venham com o papo de final do romance, da impossibilidade da comunicação humana etc.
      Sei de tudo isso, pois essencialmente Ulisses foi escrito no útero da primeira grande guerra.
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      Dentro dessa argumentação, O Grito de Munch me parece ser mais efetivo que todo o Ulisses de Joyce. É bom lembrar que o quadro é de 1893! O que me causa espanto no “Grito” é sua aparente simples síntese estética, contudo, tudo está ali! Mas a pintura não morreu, ao contrário! Não é verdade?
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      Vou cometer um sacrilégio: quanto ouço Paul cantar “Dance Tonight” sinto essa “enorme felicidade e euforia ficcionais” que você diz, Milton.

      Não seria isso a arte?

      1. Ramiro, tem uma coisa que você nunca vai conseguir tirar dos pseudoeruditos: a empáfia. Existem várias razões pseudoeruditas para amar Ulysses, e duas para achá-lo apenas mais um livro: sim, ele tem boas passagens, humor e safadeza, mas, sim, ele se perde em jogunhos de linguagem e citações que só conseguem provocar no leitor o torpor de quem se vê diante de um Tratado sobre o Nada.

        No mais, é como escreveste: “O que penso-sinto em Joyce é que, parece, ele se perdeu no próprio método que buscou.”

        1. Querido Marcos,
          .
          você tocou num ponto essencial, a empáfia: esse danoso orgulho classista. Concordo: ai de mim!, tentar eliminar tal paroxismo. Ele é fruto de séculos de um aprendizado construído paulatinamente no seio duma pseudocultura predadora: o que é gerado por nós – joyceanosviralatassubdesenvolvidosrodrigueanos – é analisado e desprezado preferencialmente pelos nossos defeitos e, por outro lado, o que pertence aos outros, ditos, mais desenvolvidos, sempre é valorizado por suas pseudoqualidades. Onde ficam os fracassos – os efetivos degraus da escada do conhecimento – numa sociedade que, a qualquer preço, busca só ter sucesso?
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          Bando de estúpidos, de putos e de putas, a arrotar arrogâncias debaixo do sol que se levanta todos os dias… Nunca criaram, e nem criarão!, algo com valor efetivo à superação desse estágio pré-humano – em que nos encontramos; pois a unidade de medida, deles, é o capital que possui como único fim: a geração de si, e pra si!, numa elitista vagabundagem nutrida pela coisificação do trabalho, do amor e do conhecimento humanos.

          1. Tive um pressentimento de ter causado um mal-entendido.

            Que fique claro: a tal empáfica, discutida aqui, nada tem a ver, é claro, com esse espaço de discussão.

            Pronto, disse!

      2. Ramiro, ontem eu estava trabalhando, por isso não tive como participar dessa discussão. Estou meio cansado agora_ acabo de chegar de viagem_, e não vou me estender muito. Além do mais, já disse tudo o que eu podia sobre Ulisses. Mas tenho algo a acrescentar: nestas últimas semanas tenho lido 3 livros de um filósofo transilvânico, Emil Cioran; li A Beleza Salvará o Mundo, uma belíssima apologia da importância da estética na existência, do Todorov, e agora estou na metade da obra capital e um tanto caída na obsolescência do Fukuyama, sobre o Fim da História.

        Pois bem. O que essa confissão tem a ver com o assunto além da mera vaidade em aparentar erudição? Tem tudo. Cioran é o mais pessimista dos escritores. Ele é de um niilismo matemático. Escreve muito bem, mas entrar em seu ambiente é um tanto uma auto-violação das faculdades adrenérgicas naturais para se continuar vivendo. É muito rarefeito lê-lo. O cara não acredita em nada. Uma mistura de Omar Khayyam com Nietzsche, mas sem o vinho do primeiro e sem a prosa sinfônica e a poesia do último. Breviário de Decomposição é uma leitura e tanto; é uma assepsia a qualquer fraqueza de sonhos primitivos de adoração e cordialidade. Confrontar sua lucidez impactante é ter a certeza, durante a leitura, de que a existência não passa de um abatedouro cósmico a céu aberto. O homem não é nada, é uma poeira de uma poeira de uma poeira. Não deixa de ser uma ironia que tal autor suportasse viver mais de 80 anos, em sua vida longeva. Se acreditarmos em 10 por cento do que ele disse pensar, o cotidiano do rapaz era uma miséria de contemplação da mais pura e fina depressão total.

        E Todorov já nos dá o alento de uma visão distanciada desse inferno com sua análise da aproximação ao Absoluto através das vidas de Oscar Wilde, Rilke e da poeta Tsvetaeva. Trocando em miúdos, Todorov conclui que temos que fazer a Mudança por aqui mesmo, por mais que nos falte a certeza de que nos dirigimos para um Todo final que justifique essa jornada de sofrimento em que nos colocaram.

        E Fukuyama equilibra aqui e ali em sua defesa inexorável de que o neoliberalismo é a solução única para a História.

        Pois bem. Estou sem concentração para dar o enfeixe pretendido a essa divagação narcotizada toda, mas aí vai, nas coxas: Ulisses reafirma pragmaticamente o que Todorov fala de um lado, Cioran descrê por completo de outro, e Fukuyama desconsidera como fator de importância na trama econômica e unilateral que ele pensa mover o globo. Como disse Mozart no célebre filme, quando é acusado de que uma de suas peças musicais tem notas demais: “quais notas o senhor quer que eu corte?”. Ulisses tem palavras demais? Quais as palavras que deveriam ser cortadas? No excesso de Joyce está a persistência verbal de Joyce. Ulisses para mim parece perfeito. Cada discussão desse porte eu fico mais convicto de que os que amam esse romance nasceram com um condicionante genético para isso. Não é vantagem alguma isso, ou mérito intelectual. Ou distinção de classe. Meu volume da Bernardina está sublinhado de alto a baixo, de frases e parágrafos de profunda beleza e verdade. Mas minha apreciação incontestável vem dessa força e dessa nunca desistência de Joyce da fé no verbo. Joyce conseguiu a perfeição no excesso, coisa difícil de se perceber para aqueles que julgam que a perfeição só se apresenta na concisão absoluta, ou na minguante. Esse excesso eclipsa tristes filósofos da certeza do nada, como Cioran. E mantem na ordem do dia a continuidade da labuta muito provavelmente inglória e inútil dos que ainda persistem com a fantasia da imortalidade de uma espécie tão subliminar e efêmera como a nossa. Palavras da salvação.

  3. ERVILHAS
    by Ramiro Conceição

    De que maneira Mendel chorou
    quando deduziu a sua equação?
    Ervilhas a cifrar a Vida. Que maravilha!
    O que será que Deus sentiu? Melancolia
    diante do segredo… que Lhe escapulia?

    INAPTOS
    by Ramiro Conceição

    Muito além do pensar-sentir evolutivo,
    o que interessa é a evolução efetiva
    dos inaptos dessa aldeia objetiva
    porque, desconhecemos o objetivo
    de trilhões d’estrelas findas, ainda.

    A ESCADA
    by Ramiro Conceição

    A arte?… Ora, é a escada alada
    sobre o mar de fadas e de fatos.
    O artista?… Ora, é o decifrador,
    o carregador-cantor dos fados.

    Há uma escada no telhado.
    Quem subiu, e a esqueceu?
    Mas, se subiu, foi pra onde
    (acima há somente o céu)?

    Será que foi Sábato que, quase aos 100,
    morreu numa quarta longe do sábado?
    Será que alguém pulou, fugiu e deixou
    aquela escada esquecida no telhado?

    Talvez tenha caído d’algum helicóptero
    americano que invadiu o espaço aéreo
    ao seu bel-prazer como é de costume.
    Ou será que caiu de dentro dum ovni?

    Convoquemos a corja da grande imprensa.
    Organizemos uma miríade de intelectuais,
    de bandidos, digo, de políticos; de padres;
    de pastores; e não esqueçamos do dito
    papa bento com o seu defunto papa santo.
    Coloquemos de prontidão a armada!

    Afinal, quem esqueceu aquela escada?

  4. É… é o que disse Joyce ao comentar sobre Ulisses: ” Quero que permaneçam a me lembrar e a me discutir nos próximos trezentos anos”.
    Em O IMORTAL, conto de Borges, o homem que chegou a esta condição imorredoura, só tinha um outro imortal com quem falar: Homero.

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