(Trecho de Meus Prêmios – Companhia das Letras, 111 págs. Nada como um agradecimento, digamos, emocionado…):
“Ilustre senhor ministro, ilustres presentes,
Não há nada a louvar, nada a amaldiçoar, nada a condenar, mas muito há de ridículo; tudo é ridículo quando se pensa na morte.
Vai-se pela vida, perturbado, imperturbado, atravessa-se a cena, tudo é intercambiável, escolado em maior ou menor grau no Estado feito de adereços: um equívoco! Compreende-se: um povo sem noção de nada, um belo país – são pais mortos ou de uma conscienciosa inconsciência, gente simplória e vil, com a pobreza de suas necessidades… É tudo uma história pregressa altamente filosófica e insuportável. As épocas são imbecis; o demoníaco em nós, um cárcere pátrio permanente, no qual os elementos da burrice e da falta de consideração se transformaram em necessidade básica cotidiana. O Estado é uma construção condenada para todo o sempre ao fracasso; o povo, à infâmia e à fraqueza mental ininterruptas. A vida é desesperança, na qual se apoiam as filosofias, um desespero que, em última instância, conduz todos à loucura.
Nós somos austríacos, somos apáticos; somos a vida sob a forma de um desinteresse abjeto na vida, somos, no processo da natureza, a megalomania sob a forma de futuro.
Tudo que temos a relatar é que somos deploráveis, presas, pela força da imaginação, de uma monotonia filosófico-econômico-mecanicista.
Um meio cujo fim é o declínio, criaturas da agonia; se algo se explica, não entendemos. Povoamos um trauma, temos medo, temos o direito de ter medo, porque logo vemos, ainda que ao fundo, sem nitidez, os gigantes do medo.
Tudo que pensamos foi pensado depois; o que sentimos é caótico; o que somos não está claro.
Não precisamos nos envergonhar, mas afinal não somos nada e não merecemos nada além do caos.
Em meu nome e em nome dos demais agraciados, agradeço ao júri e, expressamente, a todos os presentes.”
Já disse, várias vezes, coisa bem parecida, mas nunca ganhei prêmio por isso, haha. Baita discurso.
Essa lucidez despida de humor (embora tenha um tipo de humor enviesado, um prazer de escarnecer do riso aberto em favor dos risos sarcásticos), por tal característica, não é lucidez, mas apenas um fanatismo temperado do que se acredita ser “a Razão”. Deve ser coisa de austríaco.
Ele comenta qual foi a reação da plateia (após este discurso) na obra “Meus Prêmios”. A leitura é uma espécie de humor que machuca, mas que ao mesmo tempo vicia.