(Sem spoilers).
Os Quatro Encontros (Clube do Livro, 1986, 144 páginas) reúne três novelas de Henry James escritas na prosa e com a sutileza extraordinariamente bem trabalhadas do autor anglo-estadunidense. As três histórias têm como elo situações e desenlaces desconcertantes.
A primeira novela, Os Quatro Encontros narra, como diz o título, quatro encontros bastante espaçados no tempo entre um homem e uma mulher e como uma nesga de assunto avança entre eles. Só que aquela nesga de conhecimento em comum de certa forma os define. Depois é a vez de O Discípulo, história da relação entre um aluno, seu tutor e a família decadente que mal e mal o paga. É arrebatadora a forma com que James descreve o ambiente de fim de festa daqueles aristocratas. O volume é finalizado com a melhor história, O Mentiroso, onde o personagem principal é um militar que simplesmente não consegue parar de inventar histórias. Um dia, ele, espécie de Dorian Gray, pousa para um retrato, no qual o artista faz de tudo para deixar clara sua personalidade. E consegue. O final da história é sensacional. O curioso é que O Mentiroso (The Liar) foi publicado em 1888 e O Retrato de Dorian Gray em 1890… Wilde não copia James de modo algum, mas alguma inspiração veio dali, tenho certeza.
A tradução é bem mais ou menos.literatura
Por coincidência terminei o romance Washington Square do Henry James por esses dias. Uma estória nada notável de um médico severo que manipula a sua única filha a desistir do seu casamento com o ambicioso e jovem Morris Townsend na cisma de que o suitor deseja apenas o dinheiro da moça. As últimas 20 páginas do romance até supreendem, mas não há nada aqui que explique James entre os grandes do Cânone Ocidental. A novela é escrita num inglês, eu arriscaria, quase não-literário, de recursos e sofisticação amenos. Ainda aguardo o Henry James aplaudido por gente como Jorge Luis Borges (salvo engano Borges aplaudira o James das short stories e talvez seja aqui que eu deva tentá-lo de novo).
Henry James é um desses casos curiosos em que o irmão menos conhecido ofusca em muito o talento do irmão famoso. Se o seu ateísmo, Milton, não fosse tão premeditador das suas escolhas culturais e estéticas, eu ofereceria que lesse William James.
William James estaria para Henry James assim como, insistem alguns hereges, o irmão pouco conhecido estaria para Sócrates, ou o irmão mais velho de Zico para o Galhinho? Nada disso. Não há nada de folclórico na minha comparação. Leia por exemplo The Varieties of Religious Experience, um estudo psicológico sobre a natureza do belief que por muitos anos influenciou uma infinidade de monografias sociológicas sobre o caráter da crença religiosa.
Luiz, “Retrato de uma Senhora” é muito bom. Um grande romance e um deleite de leitura. E os contos que propõe certa metalinguagem da criação artístico-literária de “A Lição do mestre”, são insuperáveis obras-primas. Porém, tentei ler “Asas da Pomba” e parei na página 100: um dos romances tardios de James em que ele abusa excessivamente de suas técnicas. Já a Rachel Nunes apreciou muito “Os embaixadores”. Recordo que o famigerado Paulo Francis dizia que uma das infelicidades de se morrer era não poder mais ler Henry James.
O livro que mencionas de William James é um de meus fetiches de leitor. Há décadas não o relançam no mercado nacional, e seus únicos dois volumes disponíveis no país custam isso aqui (para não dizer que estou mentindo):
http://www.estantevirtual.com.br/q/william-james-experiencia-religiosa
E eis que ao procurar mais uma vez pelo livro de WJ na Livraria Cultura, encontro esse livro do Sagan que não tenho e desconhecia (tenho todos do Sagan lançados aqui), “Variedades da experiência científica”.
Olha só o que diz a resenha do site da Companhia das Letras:
“Mesmo refutando a visão de Deus como um “homem grande de barbas brancas e compridas sentado num trono no céu e controlando o vôo de cada andorinha”, o astrônomo não descarta a existência de alguma forma de inteligência superior, e abre uma detalhada discussão sobre a inteligência extraterrestre.
Ao contrário dos líderes do movimento ateísta, Sagan não menospreza toda e qualquer forma de religião. Para ele, as religiões podem desempenhar o útil papel de orientar o comportamento humano. O que critica é o fato de elas fazerem afirmações sobre ciência sem usar o método científico do ceticismo e da autocorreção.”
Eis o transcendentalista cético a que me referia no outro post, Luiz.
http://companhiadasletras.com/detalhe.php?codigo=12450
Charlles, The Varieties of Religious Experience é tão capital, mas tão capital, para o conceito de experiência religiosa respectivo à esfera íntima, da crença, no âmbito anglo-saxão, que certos sociólogos e antropólogos amaldiçoam (não sem alguma razão) a influência de William James sobre todo um zeitgeist. James escreve sobre essa experiência de fórum mais íntimo a partir de sua leitura de um determinado espiritualismo fruto do pietismo inglês. Essa mesma leitura é depois explodida pela geração que segue James na forma de uma radiografia sobre a crença religiosa tout court. Muitos acreditam que James não autorizara isso.
Arriscaria que The Varieties of Religious Experience é tão importante quanto Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo de Weber. E que prosa magnífica. Esquece-se que se trata de um estudo filosófico.
“Se o seu ateísmo, Milton, não fosse tão premeditador das suas escolhas culturais e estéticas, eu ofereceria que lesse William James.”… Nas horas vagas, sou PQP Bach, o filho de um autor cuja boa parte da obra é sacra…
Bem, li Washington Square e The Europeans em inglês, quando era jovem. São novelinhas simplesinhas. A prosa de HJ é esplêndida. e seus romances maiores — Retrato de uma Senhora é espantoso, Os Embaixadores idem e o que dizer de What Maisie knew??? — são bem bons, assim como novelas e contos esparsos. Desconheço a “lei de formação”, mas sei que nem sempre James é James.
Pelos Olhos de Maise, porra, havia me esquecido! Li esse embevecido! Foi o romance que inspirou McEwan em Reparação.
Pode ser que a minha amostragem de Henry James não seja suficiente ainda.
Li também aquela novelinha de horror dele, o The Turn of the Screw. Ficou ali a mesma impressão de Washington Square. Um bom contador de estória, um narrador que escreve num inglês longe de ser considerado altivo e de imaginação restrita. As coisinhas macabras de Edgar Allan Poe me pareceram bem superiores às de James.
Milton,
Quero agradecer as grandes lições que você e seus comentaristas me deram durante 2012.
Sou de Goiânia, tenho 36 anos e há muito tempo não lia nada de literatura, fui um leitor de currículo escolar. No começo do ano, acreditem ou não, li o Harry Potter para meu filho de 6 anos e senti uma vontade irresistível de voltar a ler (não foi um caso de captura, mas de resgate de leitor). De lá para cá foram muitos bookers prize recomendados pela mídia mais convencional, alguns cânones ultra famosos (GGM, Guimarães Rosa). Por fim, acabei chegando ao seu blog e dele ao do Charlles e de outros que também tem me ensinado demais. São muitas indicações aproveitadas que tem me ajudado a amadurecer como leitor, além das várias horas de prazer, lógico.
Sinceríssimos agradecimentos e um grande 2013!
Fico felícíssimo com tuas palavras, Leonardo. E vamos em frente!
Grande abraço.