Precisaria de uns dois meses livres só para colocar as leituras em dia. Não posso seguir escrevendo sobre cultura sem ler Escuta Só, de Alex Ross, nem Tempo Fraturados, de Eric Hobsbawm. Fico me achando um embuste. Ademais, leria Terra Mátria, sobre a família de Thomas Mann no Brasil, e releria bastante coisa de meus amados Kafka e Sophia de Mello Breyner Andresen. Ah, também voltaria a Os Irmãos Karamázovi, que li com 15 anos e nunca mais. Aí, você pergunta se eu não poderia fazer isso em menos de dois meses e eu respondo que as leituras sim, mas que gostaria também de ir à Portugal. Só Lisboa e Porto, numa viagem turístico-literária, uma viagem para Pessoa e Sophia. E levaria a mais improvável das amigas, aquela que faz parte do tempo ora respirado, para que reconheçamos o deus lisboeta que era quatro e a poetisa portuense de quatro nomes próprios. Se sobrasse algum tempo, dormiria, pois esta é a descoberta desses dias: passei anos acordando antes do que devia e tenho recuperado com minúcia cada hora roubada. E, durante este período, arremessaria de volta os sapos que me fossem lançados e explicaria que vivemos num mundo imaginário onde até mesmo a imagem de nós mesmos é uma construção imaginária, o que significa dizer que acreditarmos no que nos é dito é o mesmo que dizer que não acreditamos em nada. Ao menos eu não acredito.
Como você agora ao me ler. Mas o que você não imagina é como eu acredito no que acabo de escrever.
Quanto ao Escuta Só, fica fácil se fizer igual a mim: lio-o em 3 dias, na anarquia de ler primeiro os ensaios de maior interesse, que para mim foram os do Radiohead e Dylan.
Mas, já que estamos nessa, tenho certeza que você adoraria o “Todo aquele jazz”, lançamento por aqui de Geoff Dyer, que é, literalmente, um verdadeiro deslumbre _ o capítulo sobre Charles Mingus é uma obra-prima. Esse também li em dois dias.
POEMA QUÂNTICO
by Ramiro Conceição
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Ser um assassino;
um gênio; uma besta cúbica;
milhões de átomos; um animal;
um “serhumano”; um planeta;
uma galáxia;
esta ou aquela verdade:
tudo… é probabilidade!
Se da lama foi possível a alma
num jogo aleatório de traumas,
então por que da incerteza bruta
não ser uma inteligência culta?
Nunca se está doente enquanto se sonha.
Sonhar é ser a beleza abrupta da acácia
que nasceu na feia cidade, com audácia.
Agora que penso-sinto tudo
viverei lúcido até o possível
porque se aproxima a queda
do fruto maduro: o segundo
segundo mais curto.
Nunca mais
Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais.
Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa –
Para sempre está perdido
O que mais do que tudo procuraste
A plenitude de cada presença.
E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência.
(ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. In: Poemas escolhidos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 40)
DOR QUE MÓI
by Ramiro Conceição
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Se escondeu
o que não se devia
Se feriu… dia a dia.
Foi aos poucos
que tampouco
a delicadeza restou:
só a indiferença que fere
pois não interfere ficou.
Agora o que fazer com o amor, bordado à chama,
que do lado desocupado da cama à noite clama?
O fim… é desvencilhar-se
da dor que mói não se sabe onde,
que zumbe… parecendo pouco,
mas que ensurdece e deixa louco.
É um batuque a bater… no centro,
um triste-alegre ao mesmo tempo.
Nunca mais
a menina,
o menino.
Nunca mais
aquelas cores,
aquelas palavras.
Nunca mais
aquelas flores,
aquela estrada.
Nunca mais.
Porém…
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ALECRIM
by Ramiro Conceição
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Descasar o relógio do fuso horário
do planeta onde mora o ex-amado
é vestir a saudade com esperança
de se lambuzar de novo com o mel
do recém-maduro alecrim dourado.
ANTÍLOPE ENAMORADO
by Ramiro Conceição
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Houve antes.
Existe agora.
Haverá depois.
Meu amor,
por favor, aviva-te!
O sagrado da vida
é o incerto que nos habita.
Na rua das castanheiras,
namoro o amor que mora.
Lá, rio, choro e te devoro.
Quando o amor nos beija,
enfeitadas são com véus
as castanheiras…do céu.
Agora existe,
na planície,
um perfume
com teu nome.
Preciso de ti
porque canta
a castanheira
ao bem-te-vi.
O que será de mim quando
porventura o teu sorriso passear
qual mar que leva um bardo à vela
grávido à fundura do amor bendito,
qual o antílope enamorado a farejar
no orvalho o sonho de um perfume?
Meu amor… quando da despedida,
sejamos somente sementes à vida:
dádivas de lágrimas ao encontro com as marés
de onde viemos e das quais ressuscitaremos
estelares.
Leia a Biografia do Zé Dirceu que é muito boa. E a do Getúlio, primeira parte, excelente.
Ish, e eu que não conhecia, nem de nome, a poeta Sophia de Mello Breyner Andresen? Estou lendo algumas coisas aqui e adorando. Vou procurar mais.