Asco, de Horacio Castellanos Moya

AscoNão entendi porque o volume da Rocco não traz o nome completo da excelente novela de Horacio Castellanos Moya, El Asco — Thomas Bernhard en San Salvador, nem ao mesmo O Asco, mas apenas Asco (Ed. Rocco, 111 páginas). Porém, deixando de lado as opções editoriais, a curiosa novela de Moya merece leitura atenta.

Curiosa por ser uma clara imitação de Thomas Bernhard — em estilo, estrutura e temática –, curiosa por Moya confessar isto no título, curiosa por ele ter repassado todo o ódio de Bernhard, aos austríacos em geral e aos habitantes de Salzburgo em especial, para um local do terceiro mundo, a cidade de San Salvador, capital de El Salvador.

Para quem não conhece Bernhard é bom explicar: seus livros são escritos em longos parágrafos — normalmente apenas um –, suas longas frases são fáceis de ler em razão das repetições e variações cuidadosamente realizadas e nelas o escritor destila ódio por páginas e páginas, chegando a tal paroxismo e descontrole que às vezes torna-se engraçado. Também não recua frente ao politicamente incorreto.

Moya foca seu relato no salvadorenho naturalizado canadense Vega, um acadêmico que retorna ao país para o enterro da mãe. Enquanto aguarda os papéis do inventário, Vega descreve suas impressões sobre o país e seus parentes, odiando tudo minuciosamente, mas minuciosamente MESMO. A invenção de Bernhard, aqui tropicalizada, funciona perfeitamente, tanto que o autor sofreu ameaças e preferiu passar bom tempo fora do país. Livrinho fascinante com ótima tradução de Antônio Xerxenesky.

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  1. Não sinto nenhum tesão em ler uma emulação de Thomas Bernhard. Thomas Bernhard é um dos poucos escritores que fica ridículo copiá-lo. A raiva genuína e a indignação eterna não podem ser copiadas; se o fazem, a razão de ser se perde. Por isso, o subtítulo desse livro me parece ser um atestado de previdência, do tipo “se o pau pegar pro meu lado, tá avisado que era só uma brincadeira”. Bernhard é um de meus autores preferidos; o cara enfrentou vários processos e perseguições a vida toda; somando-se que ele sempre foi um doente terminal (sua morbidade durou 45 anos, já que contraiu a doença dos pulmões que iria matá-lo aos 13 anos), isso é a demonstração de uma coragem extrema. Por isso, mesmo sem ter lido esse livro, o subtítulo me deixa de sobreaviso quanto à possível covardia do autor. Por que ele não escreveu seu asco naturalmente, e se lançou com peito aberto a ser um escritor maldito? Porque, talvez, a sina de um escritor maldito exige ombros largos e altivez irretocável? Sinal dos tempos, que hoje a farsa anunciada pela repetição das tragédias da História, na célebre frase de Marx, não comporte mais demônios superiores e livres como Céline e Bernhard (ou, em uma escala menor, mas válida, Bukowski), mas comediantes de peito mole como esse Horacio Moya? O próprio fato colateral de que alguém engomadinho igual a Xersemnexo esteja se especializando em Bernhard é, por si só, bastante sintomático.

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