É sabido que desconhecidos, ao tentarem uma conversação, costumam introduzir, como que tateando o novo terreno, um assunto neutro, algo como a previsão do tempo. É sabido também que, logo após a tréplica, a conversa derivará para qualquer outro tema mais interessante. Só em Porto Alegre é diferente. Não há aqui assunto mais fundamental do que a previsão do tempo. Somos uma cidade de meteorólogos amadores. Sempre foi assim. Mesmo antes do efeito estufa, nosso clima já era imprevisível e existia uma real preocupação com ele. Portanto, se você vier para cá, saiba que o tempo é um grande assunto.
Também somos uma cidade pouco beneficiada pela natureza. Então, ufanamo-nos de possuir o mais belo pôr-do-sol do mundo, de sermos a cidade de melhor qualidade de vida do país, o povo que mais consome livros por habitante e de termos as mais belas mulheres. O último é o único fato comprovável, os outros dois devem ser mentirosos. Da mistura dos casais açorianos que a fundaram, dos portugueses que organizaram o mercado do porto, dos alemães que fundaram o odioso Grêmio, dos simpáticos sapateiros italianos que criaram o amado Internacional, dos negros que o jogaram melhor e das etnias que vieram depois, nasceu este ser único: a mulher porto-alegrense.
Só quem nos visita sabe como são as mulheres daqui. Nossa cidade e a de Passo Fundo, no interior do estado, são as recordistas de casamentos desfeitos no Brasil, fato estatístico que deixa as esposas perturbadas, agressivas ou vingativas, as solteiras confiantes, as “liberais” satisfeitas e os homens um pouco mais bocós. As estatísticas também apontam outro fato sublime: aqui, elas estão em maioria.
Os acontecimentos da vida privada das pessoas comuns normalmente carecem de confirmação, suas intimidades não costumam ir para os jornais, mesmo assim, já o das celebridades… Vou dar-lhes um pequeno exemplo dos problemas que Porto Alegre pode provocar. Certa vez, veio para o Inter um grande jogador: o zagueiro chileno Elias Figueroa. Ele chegou e já no aeroporto declamou Neruda. Imaginem um jogador bonito, alto, forte, moreno, com a cabeleira rebelde dos anos 70 e entonação estudada, dedicando um poema de amor à esposa Marcela, a seu lado, dentro o aeroporto, cercado por repórteres. Era um grande jogador e um publicitário, sem dúvida. No dia seguinte, os jornais estampavam as fotos do chileno e todos puderam ver de quem se tratavam, um e outro: Figueroa era um adônis, já Marcela era uma moça simpática. Porém, morando aqui, seria preciso muito mais para que o zagueiro mantivesse inexpugnável sua fidelidade. Rapidamente, ele tornou-se um símbolo tanto do Inter bicampeão brasileiro, como das mulheres que gritavam seu nome. Inabalável na defesa de seu clube, a resistência de Figueroa às porto-alegrenses foi pouco a pouco tornando-se mais sorridente. Primeiro, o chileno respondia com aceninhos às fãs, depois passou a dar autógrafos perguntando carinhosamente o nome das mulheres e alongando os diálogos muito além da tréplica. Neste período feliz, declamava poesias de amor nas rádios, mas agora sem dedicatórias à Marcela. Sabíamos, claro, que logo ocorreria o inevitável: ele acabou por focar sua atenção numa misteriosa mulher que o esperava dentro de um automóvel após os treinos.
Aquilo foi demais para Marcela. Pegou os dois filhos do casal e, encastelada no Chile, avisou ao presidente do Inter que seu marido voltaria para a casa no final do ano. Ela exigia seu retorno por motivos “de família”. O fato era motivo de piadas entre os torcedores do Grêmio e de temor entre nós, os do Inter. Neste ínterim, o futebol do chileno vicejava luxuriante. Ele agregara românticos dribles a seu futebol de resultados e era mais e mais amado pela torcida que comemorava, apesar de receosa da possível vingança de Marcela. E ela veio. Foram reuniões e mais reuniões para tentar demover Dom Elias, mas ele, como bom católico, rescindiu seu contrato com o clube no final de 1976. Perdeu muito dinheiro. O homem que enfrentava os mais perigosos atacantes voltou para a casa feito um cachorrinho. Como é uma das glórias do clube, visita até hoje Porto Alegre, sempre vigiado pela onipresente, modesta e simpática Marcela. Em 1977, quase fomos para segunda divisão. Tudo por culpa da mulher do carro.
Caro Milton,
moro em Porto Alegre por meia opção há mais e 30 anos. Sou um portoalegrense? Tnho algumas observações sobre eu teu interessante post , até porque cheguei aui depois desta história.
A cidade é bonita sim, tem um rio cheio de ilhas (lago, estuário – outra característica nossa, a paixão pela aporia – morros com belas vistas; uma fantástica primavera e um verão que mostra o que é aquecimento global; apenas não aproveitamos e jogamos fora, como fizemos com a OSPA, qualquer possibilidade;
A discussão do tempo não nos aproxima dos londrinos?
O Inter, segundo clube em torcedores da cidade, não foi fundado por sapateiros, mas por paulistas (ao menos segundo o que está no museu do clube);
Foi com o Neruda que o Figuera aprendeu a dar cotoveladas tão estrepitosas que destruíam o rosto dos adversários e cegavam momentaneamente os juízes ?
Parabéns pela nova casa
Branco
Não acho bonita, até porque diversas administrações deixaram o rio invisível. Só na Zona Sul dá para vê-lo.
Bem, o Inter fui fundado pelos irmãos Poppe, milaneses, e apoiados pelo sindicato dos sapateiros. Nada de paulistas.
Sobre as cotoveladas do Figueroa: era zagueiro esperacular, mas era lento. Compensava com a experiência e com o bom posicionamento. Quando nada disso resolvia, apelava para os cotovelaços, sim. Mas eram raros, assim como as expulsões.
Abraço.
Casa nova, cheirinho de móveis novos, hum?
Tirando o mal gosto de tudo avermelhado (saber que vermelho vem da palavra “verme”) está tudo bonito.
Bom, sobre o tema em si, imagino que a Marcela seja baixinha e tenha cara de brava. Entendo perfeitamente o pobre Figueroa..
Abraço e parabéns!
T§
Milton, minha relação com Porto Alegre se resume a duas passagens rápidas, uma delas quando voltava da lua-de-mel passada em Gramado. Péssima oportunidade então, não é mesmo? Mas Passo Fundo conheço bem melhor. Na última vez que lá estive fiquei durante 28 dias participando de um curso, ainda na época do BB. Juro, fiquei com vontade de não voltar mais para cá. Do curso pouco lembro, mas daquelas mulheres! Que fogo “mermão”! Quase fui parar numa clínica de queimados…
Milton, já havia vindo aqui na casa nova, mas só hojeatualizei o link. Tá lá, hehe.
Belo texto, he he, agora homem apaixondo é ‘cachorrinho’, é?
Deu vontade de conhecer a cidade. A gente tem a idéia de que aí é muito frio, e eu tenho pavor de temperaturas muito baixas. Mas, que é um lugar belo em todos os aspectos não há como discordar.
abraço, garoto
“Quando nada disso resolvia, apelava para os cotovelaços, sim. Mas eram raros, assim como as expulsões.”
Vale lembrar que Elias Figueroa, em toda sua carreira profissional, jamais foi expulso de uma partida, jamais mesmo.
Nenhuma expulsão? Não sabia. Este fato é um excelente argumento para usar contra gremistas…
Obrigado, Alex.
Se houvesse transmissões de jogos com as múltiplas câmeras de hoje, a carreira do Figueroa teria terminado muuuuuito cedo.
Curiosamente também escrevi sobre futebol hoje [pensando bem, com o advento da Copa, nem chega a ser curioso].
Lembro do Figueroa, sutil até nas cotoveladas. Lembro também do Beijoca, do meu Flamengo: nada sutil.
Lembro de Porto Alegre, mas só a visitei nas meias estações. Venha ter uma aula sobre aquecimento global na Planície Padana durante o verão (que, aliás, está começando).