E as coisas mergulhadas no sem-nome
Da sua própria ausência regressadas
Uma por uma ao seu nome respondiam
Como sendo criadas
Sophia de Mello Breyner Andresen
O 31 de agosto de 2013 foi um dia de surpreendentes mudanças. Eu e ela estávamos muito deprimidos e machucados. Obedecendo minhas irmã e filha, eu estava quieto, proibido de contar tudo o que via, lia e de transcrever as conversas maravilhosas que tive. Enquanto isso, íamos lambendo as feridas um do outro e, naquele dia, resolvemos ir adiante por nós mesmos. Eu desejava isso há algum tempo e dizia isso de meu modo nada discreto. Um dia, meio bêbado durante um jantar, fui pretensioso o suficiente para pedir que ela me desse um pouco de tristeza para que eu pudesse devolvê-la na forma de boas lembranças. E ela terminou aceitando, numa estratégia para livrar-se do passado. Curiosamente, depois do dia 31, aqueles poucos sorrisos hostis de ironia — Salve, Paulinho da Viola, outro traído! — transformaram-se em esgares de ódio. E passei a amar a decadência, pois ela se manifestava de modo indiscreto, cumprindo meu papel de forma mais eficiente e autônoma.
Então, o 31 de agosto de 2013 foi o dia em que descobri que sobreviveria ao luto. Foi o dia em que vi iniciar um lento e novo processo, para o qual tínhamos exigências pragmáticas e potencialmente injustas. Desta vez, queríamos a qualidade de não precisar mudar muito para se adaptar um ao outro. Mas, apesar de rirmos demais quando juntos, estávamos mudados e esquisitos. Eu perdera a vontade de ler — coisa estranhíssima em mim –; ela, a vontade de tocar violino só por tocar, passando a manter apenas o estritamente necessário à sua profissão. A natureza do que nos acontecera cobrava sua conta e sempre voltávamos ao nosso começo de lamber feridas um do outro, pois a natureza é circular como este texto, além de não ser nada harmônica, mas caótica, predadora e violenta. E assim, indo e vindo, lentamente, fomos subindo como um casal de Chagall, observando o redemoinho no mar sob nosso voo. E, subindo, fomos adquirindo enorme confiança em nossos abraços e em nosso recomeço, nomeando-nos novamente como Elena e Milton, duas pessoas mais ou menos ímpares, frágeis e apaixonadas.
Estamos muito bem. Vivo um período inédito, realmente diferente de tudo o que vivi antes. Deve ser a felicidade possível, pois…
… não é normal ver pessoas voando por aí.
Aqui Pepe e eu voamos. Há 11 anos.
Tenho quase sete anos de leitor do teu blog e não sabia que podias escrever assim.
Também voamos aqui, eu e a minha Cláudia!
Texto surpreendente!