Ellington, o nobre, inovador e prolífico duque do jazz

Duke Ellington: escrevendo e escrevendo música.
Duke Ellington: escrevendo e escrevendo música.

Publicado em 24 de maio de 2014 no Sul21

Duke Ellington era um ser humano de grande elegância. Assistir a uma entrevista sua é encantar-se com pessoa de primeiríssima linha. Era fino e educado. Tanto que, aos 8 anos, recebeu o apelido de Duke, duque, em razão de suas boas maneiras. De uma família negra relativamente abastada de Washington, nasceu em 1899 e morreu em 24 de maio de 1974, há exatos 40 anos. Sua importância para o jazz e para a música em geral é notável. Compositor, arranjador, bandleader e pianista, Ellington gastou trinta páginas de sua autobiografia, Music is my mistress, simplesmente para relacionar suas composições. São duas mil, aproximadamente. E é provável que tenha perdido ou esquecido de várias, pois passou a vida escrevendo música, excelente música, seja no trem, no avião, no camarim, na cama e até em seu piano. Alguns dos temas eram executados apenas uma vez e logo abandonados para dar lugar a outros.

Ellington em concerto
Ellington em concerto

Duke Ellington redefiniu a forma, harmonia e melodia da música americana. Reconhecer uma composição — ou o estilo — de Duke Ellington é fácil. É música negra, muito bem escrita, quase sempre alegre e cheia de nuances, com um fator distintivo fundamental: ele explorava sonoridades novas, juntava instrumentos inusitados, obtendo resultados tão surpreendentes quanto os que alcançaram Ravel e Rimsky-Korsakov, outros mestres em escrever para orquestras de modo a desconcertar o ouvinte com sons insuspeitados. Sua grandeza fez com que tivesse obras encomendadas para o cinema, caso do clássico Anatomia de um Crime, de Otto Preminger, e para orquestras sinfônicas, caso de Arturo Toscanini, que lhe encomendou a Harlem Suite, retrato sinfônico do famoso bairro nova-iorquino.

Também era respeitado entre seus pares. Miles Davis, que sempre foi temido por suas opiniões sinceras sobre seus colegas, disse à Downbeat, quando do 75º aniversário do mestre, que “todos os músicos deveriam um dia se reunir e agradecer de joelhos a Duke”. Também o imenso Charles Mingus devia tanto a Duke , que tem uma dúzia de composições onde este é citado no título, apenas perdendo para as obras de militância dedicadas à causa negra nos Estados Unidos. Como bandleader, Ellington era um regente tranquilo que, após marcar os primeiros compassos, sentava-se ao piano deixando seu sempre incrível grupo de músicos se acharem em meio aos contrapontos que lhes propunha. Poucas vezes um autor experimental foi tão cultuado pelo público, crítica e colegas.

Duke, em 1948, junto com Benny Goodman, assiste a uma de suas grandes parceiras: Ella Fitzgerald
Duke, em 1948, junto com Benny Goodman, assiste a uma de suas grandes parceiras: Ella Fitzgerald

O pai de Duke era mordomo na Casa Branca e sua mãe o mimava ao extremo. Ele começou a estudar piano aos 7 anos, incentivado pela mãe que, mesmo nos períodos mais difíceis, mantinha suas aulas. Porém, não demostrou grande interesse pelo instrumento até os 13 anos, quando conheceu, em uma viagem com mamãe a Atlantic City, o pianista Harvey Brooks, que lhe ensinou alguns truques. Seu primeiro emprego, no entanto, não foi na música. Ele amava o baseball e, para poder ver seus ídolos, arrumou um emprego de vendedor de amendoim. Costumava dizer que esse emprego o ajudou a vencer a timidez, já que tinha de gritar para conseguir seus trocados.

Foto promocional com alguns de seus músicos
Foto promocional com alguns de seus músicos

Em Washington, dois pianistas o auxiliaram muito: Oliver “Doc” Peri e Louis Brown. Eles lhe ensinaram a ler partituras e aprimoraram sua técnica. Entrou para um sexteto chamado “The Washingtonians” que tocava músicas dançantes em bailes. Foi nesta época que começou a carreira de bandleader, quando os músicos do sexteto descobriram que o líder da banda, o banjonista Elmer Snowder, estava roubando dinheiro deles. Expulsaram-no e elegeram Duke o novo líder. Tinha 18 anos.

Um de seus ídolos foi o Fats Waller, que foi fundamental nos primeiros anos de Ellington em Nova Iorque. Com ele, Duke entrou em contato com novos estilos, diferentes do ragtime ouvido em Washington. Em 1923, ele e os “The Washingtonians” tocaram em vários clubes de Nova Iorque e viajaram pelo estado da Nova Inglaterra como uma banda de música de dança que escapava para o jazz, até que em 1927 tiveram a sua primeira oportunidade no gênero. E que oportunidade!

Duke-Ellington

Isto ocorreu quando Joe “King” Oliver exigiu mais dinheiro ao Cotton Club e o lugar de banda residente do clube foi oferecido à banda de Ellington. O Cotton Club era o clube do Harlem de maior nome — virou filme nas mãos de Francis Ford Coppola — e a “Duke Ellington and his Jungle Band” tornaram-se conhecidos em âmbito nacional, pois o rádio transmitia regularmente os shows.

Ali, Duke teve oportunidade de escrever música com total liberdade. Fazia experiências com a tonalidade, puxava os trompetes a notas muito agudas e buscava efeitos dos saxofones. Quando abandonou o Cotton Club, em 1931, já era uma das maiores estrelas negras da América, gravando regularmente para várias companhias discográficas e aparecendo em filmes.

Durante ensaio em Londres no ano de 1973 para um concerto na Abadia de Westminster
Durante ensaio em Londres no ano de 1973 para um concerto na Abadia de Westminster

Nos anos 40, a banda atingiu um pico criativo, enquanto Ellington escrevia para orquestra a várias vozes, isto é, deixando de lado a apresentação de temas em uníssono. Mesmo com a saída de músicos e a diminuição da popularidade do swing, Ellington continuou a encontrar espaço, novas formas e novos parceiros. Ele compunha frequentemente de forma similar à música clássica, como em Black, Brown and Beige (1943), e Such Sweet Thunder (1957), baseado em Shakespeare. Sua composição Diminuendo and Crescendo in Blue — e principalmente a célebre atuação de Paul Gonsalves em 1956 no Newport Jazz Festival – é inesquecível. Durante toda a sua vida escreveu música experimental, gravando não somente com sua especular orquestra — onde a maioria dos músicos permaneciam por décadas — mas como nomes como John Coltrane e Charlie Mingus.

Também compôs para filmes, o primeiro dos quais foi Black and Tan Fantasy (1929), e também para Anatomy of a Murder (1959) que contava com a participação de James Stewart, e onde Ellington apareceu como líder de orquestra, e ainda Paris Blues (1961), no qual Paul Newman e Sidney Poitier apareciam como músicos de jazz.

Louis Armstrong e Ellington se assustam com Paul Newman
Louis Armstrong e Ellington se assustam com Paul Newman

Apesar do seu trabalho posterior ser ofuscado pelo brilho da sua música do início dos anos 40, Ellington continuou a inovar — por exemplo com The Far East Suite (1966) e The Afro-Eurasian Eclipse (1971) — até ao fim da sua vida. Duke foi indicado ao Prêmio Pulitzer em 1965, mas foi não o recebeu, reagindo assim: “O destino tem sido gentil comigo. Não quer que eu seja famoso demasiado cedo”. Ele não precisava do Pulitzer. O que ele fez ao misturar o som de New Orleans, as inovações de Armstrong, os estilos pianísticos do Harlem, o blues, os materiais folclóricos dos negros e as técnicas europeias foi único.

As homenagens a Duke Ellington são inúmeras. Recebeu a medalha da Legião de Honra do governo francês, a Medalha Presidencial da Liberdade do presidente norte-americano, foi o primeiro músico de jazz a entrar para a Academia Real de Música de Estocolmo, e foi honoris causa em inúmeras universidades do mundo.

Mais sério, ouvindo Dizzy Gillespie
Mais sério, ouvindo Dizzy Gillespie

Duke Ellington faleceu a 24 de Maio de 1974 e foi enterrado no Woodlawn Cemetery, no Bronx em Nova Iorque. Um grande memorial a Duke Ellington criado pelo escultor Robert Graham foi-lhe erigido em 1997 no Central Park, Nova Iorque, próximo do cruzamento da Quinta Avenida com a 110th Street, uma intersecção chamada Duke Ellington Circle. Em Washington D.C. existe uma escola dedicada à sua honra e memória, a The Duke Ellington School of the Arts, onde se ensinam músicos promissores que desejam seguir carreira.

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Abaixo, alguns vídeos com Duke Ellington:

https://www.youtube.com/watch?v=9nDnbOraNlE

https://www.youtube.com/watch?v=XNBpMRPfw0A

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Fontes consultadas:

— Gigantes do Jazz: volume de Duke Ellington com texto de Albert McCarthy
Duke Ellington (1899-1974), com texto de Fernando Jardim.
Wikipedia.
— Youtube.

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2 comments / Add your comment below

  1. Não sei em que livro li que Frank Zappa ficou muito depressivo e desencantado com o mercado musical ao ver Ellington, seu ídolo, já velho, mendigando 10 dólares para um dono de gravadora. Não sei se foi em alguma daquelas resenhas curtas do livro 1001 discos para se ouvir antes de morrer (que é, diga-se de passagem, um ótimo livro para se ler no banheiro). Comentei isso no saudoso blog do Grijó, e ele disse que tal fato era uma falácia.

    Na maravilha que é o livro do Geoff Dyer sobre jazz, “Todo aquele jazz”, o personagem Ellington é quem pontua as tantas belíssimas e dolorosas histórias sobre Mingus, Monk, Lester Young, Chet Baker e vários outros, viajando de carro com seu motorista e nunca parando de compor, seja em botecos de beira de estrada ou hotéis de quase invisíveis cidades do interior dos Estados Unidos. Recomendo muito esse livro do Dyer, principalmente antes que passem a pedir o olho da cara por um exemplar usado nos sebos, de algum louco hipotético que ouse abrir mão de uma joia rara dessas, visto que na página da Cia das Letras e na Livraria Cultura já consta como esgotado.

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