Porto Alegre e o muro: a beleza oculta e a que dói de ver

Meu amigo Carlos, um paulista que nunca tinha visitado Porto Alegre, veio trabalhar aqui por alguns dias. Foi difícil conciliar nossos horários. Porém, lá por quinta-feira, ele me telefonou para dizer que passaria também o fim-de-semana na cidade e que desejava combinar um encontro em que eu teria de explicar-lhe umas coisinhas sobre a cidade. Marcamos para conversar na sexta-feira à noite, no Bar do Beto lotado, em meio ao maior barulho.

— Milton, me diz porque eu andei por todo o lado desta cidade e não vi o rio. Esta porra é um porto ou não?

— Olha, comecemos do começo, bem do começo. Parece que não somos banhados por um rio e sim por uma lagoa.

— ?!

— Pois é, na minha época de estudante, diziam que o Guaíba era um estuário, que é um tipo de foz mais larga que o normal. Mas agora virou lagoa… É que aqui deságuam vários rios que vão dar na Lagoa dos Patos…

— Não entendi nada, mas me diz porque eu não vi o rio.

— Não o procuraste direito.

— Mas eu andei pelo centro, pelo tal Mercado Público que devia estar na frente do porto e não vi nada.

— É que houve uma enchente em 1941 que inundou o centro da cidade, então construíram um enorme muro para evitar uma nova enchente, só que ela nunca ocorreu e, bem, ficamos com uma muralha que nos impede de ver do rio. Para vê-lo tem que entrar por uns portões. Dá para ver o muro do Mercado Público.

— Acho que vi. Mas como é que foi inundar a cidade se a água vai para uma lagoa que deságua no mar?

— Não sei, talvez os ventos tenham represado as águas por aqui.

— Pode ser. Mas você acha normal que construam um muro bem na frente daquele que seria potencialmente o cartão postal da cidade?

— Não, é totalmente anormal. Temos uma relação difícil com o rio.

— Lagoa.

— Sim, lagoa. Tens que ir mais longe para vê-lo, ou vê-la, desculpe.

— E o porto?
— Fica escondido atrás do muro.

— E por que o estádio Beira-rio tem este nome se fica ao lado de uma lagoa?

— Não sei. Provavelmente por ignorância e porque todo mundo chama o Guaíba de rio.
— E por que a rua principal do centro chama-se Rua da Praia, se não tem praia?

— É que havia antes, mas aí poluíram tanto que hoje só dá para olhar. É “imprópria para banhos”.

— Olhar? Com o muro na frente?

— É, já disse, é difícil de olhar, tem que caminhar um pouco.

— E as pessoas tinham que contornar o muro para tomar banho?

— Antes do muro não, né? Só depois. Mas no final da Rua da Praia não há muro.

— Ah.

— E por que todo mundo chama de Rua da Praia se o nome é Rua dos Andradas?

— Antigamente, há uns 50 anos, era Rua da Praia.

— Mas ninguém diz Andradas?
— Não, ninguém. Sabes que o nome da Av. Beira-rio é Av. Edvaldo Pereira Paiva?

— É?

— E que a Rua da Ladeira chama-se Gen. Câmara?

— Hum… Subi a ladeira. Há boas livrarias ali.

— E que o Estádio Olímpico, do Grêmio, tinha este nome devido aos Jogos Olímpicos de Porto Alegre?
— Que nunca aconteceram!

(risadas)

— E o rio, a lagoa, é bonitinha?

— Sim, muito. Tem um desenho de ilhas bem aqui na frente que é muito interessante.

— Só que não se vê.

— Sim, só se vê o desenho delas do alto de alguns edifícios..

— Vocês são uns neuróticos.

Naquele momento, passou uma morena equipada com um rosto e sorriso lindos. Meu amigo quedou-se mesmerizado.

— De onde saiu esta maravilha, Milton? Me explica isto! Estou estupefato. A beleza doeu fundo em mim. A beleza dói quando é excessiva. É injusto. É injusto para quem apenas vê sem tocá-la.

Ficou alguns segundos em recuperação.

— E as mulheres, como são?

Em 2011, foi feito um painel fotográfico de 45 metros de largura mostrando a vista que as pessoas teriam caso o muro não estivesse lá
Em 2011, foi feito um painel fotográfico de 45 metros de largura mostrando a vista que as pessoas teriam caso o muro não estivesse lá

4 comments / Add your comment below

  1. Mesmo que o muro da Mauá não existisse, ainda assim o Guaíba não seria visto, pois existem os armazéns entre a Mauá e o Guaíba. A foto em questão é uma fraude, pois sem o muro o que se veria seriam os armazéns e não o Guaíba. Claro, poderíamos demolir os armazéns, aí sim se justificaria demolir o muro… Mas como isso não vai acontecer, o melhor é aproveitar as opções que temos para apreciar o Guaíba. Afinal, o Gasômetro não é assim tão longe do centro.

  2. Vocês não acusam a imagem, acusam o que disseram sobre ela. E não se dão conta disso.

    A imagem mostra como seria se nada tivesse obstruindo a nossa visão da lagoa. Enquanto o que falam da imagem, é um equívoco já provado pelos senhores.

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