Palmeiras sem Raízes e Gatos Voadores

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Apertado ao lado de minha mãe na poltrona marrom, eu a ouvia dizer que as árvores tinham profundas raízes e que se alimentavam da terra, da água e da luz. Ficava imaginando as raízes penetrando lentamente na terra. O que seria mais comprido – a árvore do chão até a última folha balançando ao vento ou a árvore do chão até a mais solitária raiz que tivesse penetrado, talvez inadvertidamente, mais fundo na terra? Como a raiz encontraria seu caminho sem ver nada, na escuridão onde também seríamos enterrados? E se a terra fosse muito dura? E como era aquele negócio de se alimentar de luz? Minha mãe me explicou inutilmente a fotossíntese, a produção de oxigênio durante o dia e de alguma coisa ruim à noite, mas eu, como quase não saía de casa depois que o sol se punha, não achei aquilo digno de preocupação. O que eu entendi perfeitamente foi a questão da água: quando chovia, as raízes bebiam tudo. Dava para notar porque as poças d`água não duravam muito tempo. Era óbvio que as árvores chupavam tudo.

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Certo dia, estava chegando em casa com meu pai e dei-me conta de que tinha que conversar tudo de novo com minha mãe. Acontece que nossa rua, a Av. João Pessoa, atravessava o Arroio Dilúvio através de uma ponte não muito bonita. Claro que eu sempre soubera que havia palmeiras sobre a ponte, mas como não dispunha de tanta informação sobre as árvores, nunca pensara no problema das raízes. Concluí que tinha que informar minha mãe que nem todas as árvores precisavam delas e que as da nossa ponte viviam apenas de luz e água.

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Falei com ela. Estranho, sua reação esteve longe de ser uma admissão de seu erro. Antes ficou assustada com as palmeiras: afinal, elas poderiam cair durante uma ventania e eu e meus amigos costumávamos brincar pelas redondezas. Os adultos eram mesmo desatentos -– será que ela nunca vira as palmeiras sobre a ponte e nunca pensara no perigo? E ela morava ali desde 1951!

Mais vivas que o time do Palmeiras
Mais vivas do que o time do Palmeiras

Comentei o assunto com meus amigos, mas logo esquecemos daquelas coisas arbóreas que, comparadas com nossas novas descobertas, não tinham nenhum atrativo. Descobrimos que a ponte era uma tremenda diversão. Dava para descer por suas laterais e caminhar sob ela! A brincadeira de esconde-esconde logo mudou muito. Todos queriam se ocultar ali e, muitas vezes, vi meninos negociando se era permitido ou não se esconder debaixo da ponte. Quem estava procurando tinha pouca chance. O cara descia por um lado e nós, vendo sua sombra, fugíamos a toda velocidade, subindo pelo outro lado.

E a ponte logo despertou outras idéias: como quase todas as pontes, ela passava sobre água e nós tínhamos muitos gatos em nosso bairro. Os gatos eram aqueles bichos que arranhavam nossos cães e que tinham a fama de serem limpos e de saberem cair. Ora, a ponte sobre a água lamacenta e ainda pouco poluída – estamos falando sobre o período entre os anos de 1966 e 1970 -, serviria para que os gatos pudessem comprovar se sabiam mesmo cair e para que constatássemos em quanto tempo eles voltariam a ser os bichos limpinhos de sempre.

Acredito que nunca outra geração de gatos teve tanto medo dos meninos da avenida João Pessoa. Hoje, sou indiferente a eles — amo os cães! –, porém, naquela época, entre meus amigos, participava feliz das espetaculares caçadas àqueles animais. Encontrávamos os gatos onde estivessem, trabalhávamos arduamente por nossa diversão e pelo progresso do conhecimento humano. Havia um, bem branquinho, que ficava hesitando entre mendigar comida na frente da casa de um casal de velhos e correr o perigo de ser capturado por nós. Aos amantes dos gatos, asseguro que nunca batemos neles, nunca os maltratamos. Mesmo! Sempre os levávamos em segurança, apenas procurando escapar dos arranhões, mordidas e ouvindo com altivez aquele som ridículo que emitem com a finalidade de avisar quando estão a fim de briga.

Vista da plataforma de arremesso de gatos
Vista da plataforma de arremesso de gatos

Os vôos eram lindos. Eventualmente, caíam com certa elegância. Porém, o mais das vezes, caíam mexendo desesperadamente as pernas — como se corressem no ar — e muitas vezes entravam na água de costas, de uma forma que desnudava a mentira que nos tinham ensinado. O que valera para as raízes das árvores, passara a valer para os gatos. Eles caíam como caíam. E nadavam de uma forma muito mais feia do que os cães. Nós dávamos risadas, descansávamos um pouco e íamos procurar outros. Afinal, precisávamos de uma boa amostragem para confirmar nossas teses.

Asseguramos que nenhum animal foi maltratado ou veio a falecer durante a pesquisa. Não consideramos como tortura o estresse e a adrenalina… Éramos crianças. Os que saíam lanhados ou com rinite alérgica eram humanos. Aprecie com moderação. Se persistirem os sintomas, vá a outro blog. Este texto foi desenvolvido a partir de material reciclável.

Obs.: Nota-se, por sua baixa qualidade, que as fotos foram tiradas por mim.

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11 comments / Add your comment below

  1. Comentários do blog anterior:

    Arremesso de gatos na água é mesmo um troço divertido. Passei minha infância em Canoas, sem nenhum rio por perto… mas teve um gato ladrão, que roubou MEU BIFE AMILANESA… foi caçado impiedosamente por uma tarde inteira, seguro pelo rabo, rodopiado… (um gatocóptero) e depois lançado a uma poça dágua… Ficou todo elameado e sumui por 3 dias kuaaaaa E nunca mais se meteu com o meu almoço sorte e saúde pra todos!
    Ane Brasil Palmeiras sem Raízes e Ga… Dec 8 2006

    As fotos ficaram boas e deram um toque especial ao texto. Deixa de ser exigente. Beijo
    Mônica Palmeiras sem Raízes e Ga… Dec 7 2006

    Impagável, Miltão. Que delícia o seu relato sobre a doce crueldade das crianças…
    Viva Palmeiras sem Raízes e Ga… Dec 6 2006

    A Sociedade Protetora dos Animais dessa vez te pega, Milton. Primeiro, foi aquele post sacaneando o Bush. Agora, sadismo com gatos… Tsc, tsc, tsc.
    Marconi Leal Palmeiras sem Raízes e Ga… Dec 6 2006

    maravilha de crônica! eu também adoro sacanear gatos!!! 🙂
    Serbon Palmeiras sem Raízes e Ga… Dec 6 2006

    Se você não apanhar da Patr Köhler por causa dos gatos, apanha de mim por causa do “Elas estão mais vivas do que o time do Palmeiras”. Escolhe…. hhhuummmppppfffff. Eu vou se bi da segundona e você não!!!
    Sandra Palmeiras sem Raízes e Ga… Dec 5 2006

    Ah… Não ficaram tão ruins as fotos, vai. Sob estresse, em recuperação (espero), passo para te deixar um abraço. Em breve volto com mais vagar e tranqüilidade. Ana
    Ana Lúcia Merege Palmeiras sem Raízes e Ga… Dec 5 2006

    Recebeste meu email, bagual?
    Nelson Moraes Palmeiras sem Raízes e Ga… Dec 5 2006

    Só hoje, meu caro, já de volta ao Rio, consigo me rearticular com o mundo virtual. Mas não foi fácil: fui atacado por mísseis de W.C. Bushit, o que me levou ao hospital. Depois, o agadê do meu computador sofreu um ataque do Comando PSEDBFELÊ, o que o deixou mortalmente ferido. Mas como bom seridoense, tricolor (ufa, escapamos!!!) e abecedista (torci pelo América, é verdade), reagi e eis-me aqui pronto para novas batalhas. Claro que fui ver “a musa” do sábado. Que bela Monica! O texto de hoje também é da medlhor qualidade. Um grande abraço.
    Moacy Palmeiras sem Raízes e Ga… Dec 5 2006

    Aaaah, então tudo bem… fico até mais tranqüila quanto à surra que o meu Goiás deu no seu Inter no sábado. Afinal, nenhum atacante foi maltratado (salvo em seu amor-próprio), nenhum zagueiro torturado (a não ser pela torcida) e nenhum torcedor veio a falecer (exceto de raiva). :o)))
    Cynthia Palmeiras sem Raízes e Ga… Dec 5 2006

  2. Gostei da história das palmeiras. E as fotos me deram muita saudade da cidade. Lembra quando havia mulheres lavando roupa no dilúvio? eu lembro! Juro que vi!
    Agora, de novo esse papo dos gatos? Vira e mexe tu da um jeito de enfiar eles numa cronica! Tava indo tao bem com as palmeiras…

  3. Adoro gatos. Se fritos como frango a passarinho (bem tostadinhos) acompanham uma cerveja como poucos.

    Acho que não tinha lido esse texto. Fiquei curioso para saber como as palmeiras cresceram tanto sobre uma ponte (que diacho acontece com as raízes?).

  4. Oi, Milton,
    deu para notar a posição defensiva do amigo, preocupado com as admoestações dos rigorosos defensores de tudo que exista.
    A verdade é que nossas brincadeiras juvenis, e eu nunca brinquei com gatos, rsrsrsrs, nunca levavam a maldade das coisas e tramas que a gente vê nos programas de televisão tipo Malhação e outros.
    Eramos os mauzinhos sem maldades.
    Tempos bãos!!!
    abraços
    fernando cals

  5. Eu, Milton, gosto de cães, gatos e pássaros-aliás tenho os três em casa- a minha encrenca é com os seres humanos-que eu evito ao máximo tê-los em casa.

  6. Você, Milton, acaba de entrar na minha lista dos criminosos horrendos. Vamos tomar providências urgentes para puni-lo com requintes de crueldade, proporcionais aos seus, assassino de gatos! Estou avisando para te dar uma chance de fuga, chance que não destes as tuas vítimas… Anotei, também, alguns outros criminosos que mandaram comentários para ti! Vai ter pra todo mundo…
    The Cat

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