Já que teremos um Gre-Nal domingo, lembremos de um célebre clássico de outros tempos…
Olha, o jogo foi uma porcaria. Mas a briga… Deixa eu contar para vocês. Era na tarde de dia 20 de abril de 1969. Eu tinha 11 anos e aquele já seria meu quarto jogo no Beira-Rio, pois tinha visto Inter 2 x 1 Benfica (inauguração do estádio em 6 de abril), Brasil 2 x 1 Peru (inauguração dos refletores em 7 de abril) e Inter 4 x 0 Peñarol, todos jogos do Festival de Inauguração do novo estádio. É importante é começar dizendo que AQUELE ERA OUTRO MUNDO.
Imaginem o seguinte. Sempre que Grêmio ou Inter construíam um estádio, o crescimento do patrimônio vinha acompanhado da GLÓRIA. Não sei o motivo, mas o time de maior estádio vencia mais. O Grêmio era grande nos anos 20 com a Baixada. A partir dos anos 30, com a construção dos Eucaliptos, formamos o Rolo Compressor que quase fez o Grêmio – sim, vá estudar! – fechar. Então veio o Olímpico em 1954 e, poucos anos depois, o Grêmio passou a ganhar tudo. Em 1969, amargávamos o seguinte retrospecto: dos últimos 13 Campeonatos Gaúchos, eles tinham ganhado 12.
Ou seja, havia a certeza de que o estádio era um fator fundamental. Hoje sabemos que a mística do estádio voltaria a funcionar a pleno naquele 1969 e nos anos 70. Então, enquanto todo o esforço do Grêmio era para que o Inter não conseguisse o crescimento aguardado, nós tínhamos certeza que, com o Beira-Rio, já éramos os melhores. Para piorar, o Inter, em 1954, fora inaugurar o Olímpico. E como inaugurou! Paradoxalmente, fizemos 6 x 2 e meu pai contava e recontava dando gargalhadas um dos gols que Larry marcara em tabela com Bodinho. Porém, para piorar ainda mais, o goleiro que levara os seis gols em 1954 era o técnico do Grêmio em 1969, Sérgio Moacir Torres Nunes, aquele mesmo que quisera retirar seu time de campo a fim de evitar um fiasco na inauguração de 1954. Não deu certo. Sentiram as possibilidades de violência? Pois é.
Mas há mais: o futebol naquela época era infinitamente mais violento do que o atual. Ah, duvidam? Então vejam, por exemplo, a carnificina que foi aquele Grêmio x Peñarol que tornou o tricolor campeão da Libertadores pela primeira vez. E já eram os anos 80. E era tudo normal. Um jogador era quase assassinado, o juiz marcava a falta e o jogo seguia.
Mas tem ainda mais: dias antes, houve uma briga entre as duas diretorias. O Grêmio disse que ia ao jogo — que era “amistoso” — sob protesto e a diretoria do Inter respondeu:
Pois então fomos para o estádio. Dia chuvoso, horrível, estádio hiperlotado como não se faz mais. A torcida do Grêmio ocupava metade da geral e da arquibancada. É claro que não lembro de nada que não seja a briga. Tinha 11 anos. Aquilo foi demais! O jogo foi truncado e cheio de faltas; só sei que Hélio Pires — um rápido ponta-direita e centroavante que o Grêmio buscara no Novo Hamburgo –, já tinha sido expulso. Menos um para a briga final.
Então, aos 37 do segundo tempo, a bola foi mansamente em direção a Alberto, grande goleiro do Grêmio. Espinosa – ele mesmo – foi à trote proteger seu goleiro e Urruzmendi, um uruguaio ruim pra burro, correu em direção a Alberto como se fosse tirar-lhe a bola sabe-se lá como, talvez atentando contra a vida do calmo arqueiro, pois ela estava em suas mãos. Espinosa, que na época usava cabelos muito compridos e um bigode que envergonharia Olívio Dutra, fez a proteção. Foi bem na minha frente. Dizer que Urruzmendi atropelou Espinosa é uma redução. Se minha memória funciona um pouquinho, o uruguaio não apenas não travou a corrida como estranhamente ergueu os dois cotovelos, atingindo a cabeça de Espinosa por trás. O futuro técnico campeão do mundo pelo Grêmio decolou, mais ou menos como a Maurren Maggi é capaz, sem auxílio de nenhum homem. Claro, eu achei bacana. Afinal, os gremistas estavam lá ou para perder ou para apanhar, e já que não perdiam… Era o espírito da época! A reação veio com Tupãzinho, um excelente atacante comprado ao Palmeiras. Ele conjeturou se aquilo não ultrapassaria o aceitável e concluiu que Urruzmendi já vivera o suficiente.
Alcindo contou, anos depois, com uma ponta de saudade: “Olha, numa confusão daquelas, você não bate nem apanha. Você não sabe em quem está dando, de quem vem o soco… Você está sempre cego, ameaça, empurra…”.
Bom, o que veio a seguir… Só por fotos e por dois antológicos filminhos. Foi a mais bela batalha campal que vi. Acho que as guerras no passado deviam ser daquele jeito. Talvez algumas guerras napoleônicas tenham terminado no corpo a corpo, quando não havia mais pólvora. Lindo aquilo. Eu pulava de alegria. Todos pulavam de alegria. Estávamos no Coliseu. O juiz expulsou TODOS os jogadores, exceto Dorinho (Inter) e Alberto (Grêmio). No dia seguinte, torcedores de ambos os times chamavam os dois de bichas. Tinham que brigar, pô!
As fotos e os filmes são sublimes, vejam abaixo:
Um raro filminho. Espetacular voadora de Gainete. Uma coisa é dar a voadora, outra é planejar onde cair…
Acima, um mais completinho…
A refrega ocorreu aos 37 do segundo tempo e, serenados os ânimos (sic), o Inter queria seguir jogando… No dia seguinte, TODOS os gremistas diziam que seus pupilos tinham batido a valer nos colorados e TODOS nós dizíamos o mesmo em sentido contrário. Céus, que idiotice! Passamos anos falando e discutindo e brigando sobre aquele jogo.
Ficha técnica da arruaça:
Internacional 0 x 0 Grêmio
Data: 20/04/1969
Local: Estádio Beira-Rio
Arbitragem: Orion Satter de Mello
Internacional: Carlos Gainete Filho; Laurício, Pontes (este era Bibiano, irmão da célebre dupla de zaga João e Daison Pontes, representantes máximos da ultra-violência no interior gaúcho), Valmir Louruz e Sadi Schwertz; Tovar e Dorinho; Valdomiro Vaz Franco, Bráulio, Sérgio e Gilson Porto (Urruzmendi).
Grêmio: Alberto; Valdir Espinosa, Ari Ercílio, Áureo e Everaldo Marques da Silva; Jadir e Sérgio Lopes (Cléo); Hélio Pires, João Severiano, Alcindo Marta de Freitas e Volmir (Tupãzinho).
Observações finais:
1) Saldo: nenhum morto.
2) Em negrito estão as figuras mais famosas das tropas.
Muito bom!
Parecia luta livre.
O detalhe fica para as trilhas sonoras: aquela batucada que a RBS usava para o futebol e o tema antigo do Cadeira Cativa…
O bloguista tira o texto pro lado do seu time. Inclusive publica fotos que tentam fazer crer que os colorados “bateram” nos gremistas. Nisso incentiva a violência. Lamentável.
O texto deve estar muito mal escrito para você ter reagido assim. Peço desculpas.
Eu sempre tenho a impressão de que a violência hoje é mais mortal, mais a valer, e que as brigas do passado são apenas com leves socos na cara, sem chute…
Bueno, sei que a gente tem que ter cuidado, até mesmo com este belo texto do Milton, pois quem está predisposto ao conflito tem leitura seletiva.
Mas… Dito isso, confesso que sempre que vejo a foto do cara sem cabeça no chão e o outro rindo, racho. O vídeo também tem um momento engraçado, que é quando o gremista escapa de uma voadora mas acaba levando outra, mais ao fundo, de um colorado que deve ter saído de trás de sua goleira, pelo tempo que demorou a chegar lá e pela sede demonstrada.
Fico pensando… E agora? Temos dois belos estádios, quem será que vai ganhar mais títulos, o Inter ou a OAS? KKKKKK desculpem a flauta, não pude segurar.
Caro Milton,
seus textos são ótimos! Leio sempre. No caso, um relato de um fato histórico feito por alguém que não esconde o time. Simples. O mundo anda tão “hipocritamente correto” que nem isso se pode fazer mais? Digo “hipocritamente correto” porque, na teoria, está cheio de regras, normas, direitos (os quais, obviamente não nego e defendo), mas, na prática, os mais variados preconceitos, ódios, vociferações, piadas de mau gosto e comentários rasos e medíocres na internet.
Exemplo desta hipocrisia no futebol: temos Estatuto do Torcedor e todas as leis civis e penais e o que ocorre: ocorre uma semifinal de campeonato gaúcho em um campo e estádio totalmente sem condições com o aval da FGF. Pior ainda: jogos da Libertadores em campo de várzea. Não ocorrem mais batalhas campais por milagre.