Anotações sobre Beethoven (Parte III)

Enquanto isso, a vida amorosa de Beethoven ia de mal a pior. Dono de uma personalidade apaixonada, sofria decepções em série. Um dos mais famosos casos foi o com Bettina Brentano, que fez uma extensa descrição do mestre em suas cartas. Resumidamente, descreveu-o como “pequeno, moreno, marcado pela varicela, o que se chama de feio”. Porém, “com uma fronte nobremente modelada, parecendo ter trinta anos” – tinha quarenta – “vestindo andrajos com ar magnífico e imponente”. Sim, nos filmes ele é um pouco melhor.

“O incidente de Teplitz” em pintura de Carl Rohling
“O incidente de Teplitz” em pintura de Carl Rohling

Bettina apresentou-o a Goethe. Não deu muito certo. Em julho de 1812, Beethoven recebeu o convite para encontrar-se com o maior escritor de língua alemã em Teplitz. Há algum tempo os dois se estudavam à distância: Goethe tinha grande admiração pela 5ª Sinfonia de Beethoven, “simplesmente espantosa e grandiosa” e Beethoven era interessado em literatura em geral e no mestre em especial. Em 1811, por exemplo, Beethoven tinha mandado para Goethe um exemplar da música que fizera para Egmont. Era esperado um encontro dos Titãs.

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A amizade nascente acabou rápido. O caso é conhecido como “O incidente de Teplitz” e ocorreu na época da composição da 7ª Sinfonia.

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Os dois caminhavam de braço quando viram o Imperador do recém-fundado Império Austríaco, os duques e toda a corte caminhando na direção oposta. Segundo Bettina, Beethoven disse a Goethe para continuar caminhando, pois os aristocratas deveriam abrir caminho para eles. Goethe, discordou silenciosamente, deu um passo para o lado e tirou o chapéu para cumprimentar a família real, enquanto Beethoven passou decididamente no meio da corte, sem tirar o chapéu. Quando Goethe alcançou Beethoven, este lhe disse: “Eu esperei por você porque o respeito e respeito seu trabalho, mas você demonstrou um apreço exagerado por estas pessoas”.

Em carta para a sua esposa, o escritor disse sobre Ludwig: “Seu talento me surpreendeu; no entanto, ele, infelizmente, tem uma personalidade absolutamente incontrolável. Ele não está equivocado ao pensar no mundo como um local detestável, mas nada faz para torná-lo mais agradável para si e para os outros”. Beethoven escreveu para seu editor que “Goethe se encanta mais com a atmosfera da corte do que em ser um grande poeta”. Os dois nunca mais se encontraram. Anos depois, Beethoven mandou uma carta para Goethe. Não houve resposta.

Nesta época iniciava a segunda fase da produção de Beethoven. Ela já era reconhecido como o maior compositor de sua época. Então começou a fazer algumas bobagens. Entre 1813 e 17, Beethoven passou por uma crise. A progressiva surdez — ele começara a se comunicar com as pessoas por gestos ou por escrito — a perda das esperanças matrimoniais e os problemas na tentativa de ganhar a custódia do sobrinho, fizeram com que ele tivesse uma crise criativa, que fez que ele não conseguisse compor obras nesse período. Provavelmente tenha entrado em depressão. Compôs a pior das músicas em A Vitória de Wellington. “É uma estupidez”, disse, mas o público saudou o triunfalismo da obra. Era o músico nacional e tudo o que fizesse era adorado. A vaidade jogou-o em outras empreitadas mal sucedidas. Eram cantatas como Cristo no Monte das Oliveiras e a desconhecida Missa em Dó Maior e ciclos de canções que eram mais músicas de circunstância que alcançavam o aplauso, mas que não permaneceram.

A sorte foi ele ter conhecido a Condessa Maria Erdödy, que preferia música de verdade. Foi esta grande amiga quem conseguiu retirá-lo da letargia e ele recomeçou, em 1818, a compor lentamente o que seria, na minha opinião, suas maiores obras. À Condessa foram dedicadas as duas esplêndidas Sonatas para Violoncelo e Piano Op. 102. A postura dos amigos era de romantismo total: “Nós, seres limitados de espírito ilimitado, nascemos para o sofrimento e para a alegria. Sendo que os mais destacados, como você, apropriam-se da alegria através do sofrimento”, escreveu a Condessa em carta dirigida à Beethoven. Enquanto isso, um fato paralelo preocupava demais o compositor: a conquista de Viena por parte de Rossini. Desta época de recuperação, é também o maravilhoso Trio Arquiduque.

Como dissemos, a partir de 1818, Ludwig, aparentemente recuperado, passou a compor mais lentamente, mas com um vigor renovado. Neste ano, começou a criar não suas obras mais populares – apesar da época conter a ultra e justamente popular Sinfonia Nº 9 – , mas aquelas que, de tão perfeitas, serviram de base e influência para um alto número de compositores que vieram depois. A irrepetível sequência de músicas perfeitas e revolucionárias começou com a Sonata para Piano, Op. 106, Hammerklavier. Teve que prestar explicações a seus contemporâneos, que não a entenderam, o que gerou mais um rosário de deliciosas respostas mal humoradas. “Não pensei no pianista quando a escrevi”. “Não gostam agora? Gostarão mais tarde. Escrevo para o futuro”.

(continua)

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