Agatha Christie, a Rainha do Crime: 125 anos de cadáveres, venenos e mistérios

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Só perde para Shakespeare e para a Bíblia em número de livros vendidos

Agatha Mary Clarissa Miller ou Agatha Christie nasceu há 125 anos, em 15 de setembro de 1890, na cidade inglesa de Torquay, às margens do Canal da Mancha. Foi romancista, contista, dramaturga e poetisa mas destacou-se espetacularmente no gênero policial, tendo sido chamada, ainda em vida, de Rainha do Crime. Durante sua longa carreira — que durou dos anos 20 até sua morte, no ano de 1976 –, publicou mais de oitenta livros, alguns sobre o pseudônimo de Mary Westmacott.

Durante esta semana, fãs de Agatha Christie invadiram Torquay para celebrar os 125 anos de nascimento da “Rainha do Crime”. Apesar de, presumivelmente, faltarem os venenos e um cadáver, seus fãs tentaram recriar o ambiente de seus livros bebendo chás em jardins cheios de flores ou comendo em restaurantes com toalhas de mesa brancas. O único neto da escritora, Mathew Prichard, disse qua a simplicidade é a chave de sua popularidade. “Minha avó escreveu livros para entreter as pessoas. Gostava de pensar que as pessoas os liam quando estavam no hospital ou em uma longa viagem de trem”, completa.

Talvez Agatha sorrisse ao saber do novo nome de Ten Little Niggers no Brasil

Seus livros, alguns deles com quase cem anos, continuam vendendo milhões de exemplares. Segundo o Guiness, Christie é a romancista mais bem sucedida da história da literatura mundial em número total de livros vendidos. Somados, eles venderam cerca de quatro bilhões de exemplares. Tais números totais só perdem para as obras do dramaturgo e poeta William Shakespeare e para a Bíblia. A Unesco dá conta de que ela é a escritora mais traduzida do planeta. Ten Little Niggers — publicado no Brasil como O Caso dos Dez Negrinhos ou como E não sobrou nenhum em nova e reveladora tradução –, de 1939, é o romance policial mais vendido da história, além de figurar na lista dos livros mais vendidos de todos os tempos.

Ela e Georges Simenon são a rainha e rei de um gênero que jamais saiu de moda. No Brasil, em 2014, suas obras ganharam novo fôlego. No ano passado, Agatha recebeu oito novas edições pela Globo Livros e a Nova Fronteira. Simenon foi pelo mesmo caminho na Companhia das Letras. Os críticos sempre preferiram o belga, seu detetive Maigret e outros romances, mas o público tornou Agatha, Hercule Poirot e Miss Marple mais populares.

Agatha trafegava em mundo que não existe mais, quando assassinos usavam venenos hoje esquecidos e tinham como profissão atividades que não existem há décadas. O universo de Agatha Christie é a Inglaterra dos anos 20. Sua própria personalidade e história estão mescladas ali, na estrutura social rígida da era pós-vitoriana, na valorização da nobreza e do “bom” sobrenome, e até nos detalhes de decoração nos ambientes descritos. Com cenas suntuosas, jantares, óperas e viagens de trem, seus livros apresentam uma visão idílica do desaparecido mundo da alta sociedade inglesa, que continua seduzindo milhares de pessoas.

A criança Agatha Christie

Ao contrário de seus irmãos, Agatha nunca teve chance de frequentar a escola e foi educada pela mãe num ambiente recluso, onde interessou-se pela música clássica e o canto lírico. Agatha chegou até mesmo a estudar música em Paris. Também através da mãe, teve seus primeiros contatos com a literatura. Durante a Primeira Guerra Mundial, trabalhou como enfermeira e no setor de medicamentos. Ali, recebeu muita informação farmacêutica. Desta forma, conhecia muitos venenos e gostava de utilizá-los em suas histórias.

Na vida real, Agatha também gostava de brincar de suspense. Em 3 de dezembro de 1926, seu marido, o Coronel Archibald Christie, revelou que tinha se apaixonado por sua amante e pediu o divórcio. Ato contínuo, deixou Agatha para viajar com a nova mulher e alguns amigos. Agatha também foi embora com uma pequena mala. Na manhã do dia seguinte, seu carro foi encontrado em um barranco no lago de Silent Pool em Newlands Corner, com os faróis acesos. Nele, estavam um casaco de pele, sua mala e uma carteira de motorista vencida. O desaparecimento da autora se tornou notícia, pois ela já era sobejamente conhecida na Inglaterra. A polícia ofereceu £100 para quem desse qualquer informação sobre o paradeiro da escritora. Aviões, mergulhadores e escoteiros passaram a buscar Agatha. A busca contou com 15.000 voluntários e foi a primeira a utilizar aviões no país.

Aós 11 dias, Agatha Christie foi descoberta no Old Swan Hotel, em Harrogate. Ela chegou lá de táxi no dia 4 de dezembro. Estava hospedada sob o nome de Teresa Neele (o mesmo sobrenome da amante de seu marido), dizendo ser da Cidade do Cabo, e explicando que era uma mãe de luto pela morte do filho. No hotel, Agatha foi vista dançando, jogando bridge, fazendo palavras cruzadas e lendo jornais. A autora foi reconhecida pelo músico Bob Tappin, que reivindicou a recompensa de 100 libras. Tappin disse que se dirigiu à autora como “Mrs. Christie” e que essa respondeu-lhe que estava sofrendo de amnésia…

Amnésia?

Várias teorias foram criadas para explicar o desaparecimento. Alguns dizem que o escândalo foi um golpe publicitário para aumentar a venda de um dos seus livros — The Murder of Roger Ackroyd tinha sido lançado semanas antes do desaparecimento e estava na lista de mais vendidos –, outros que a intenção da autora era apenas vingar-se do marido, simulando uma morte da qual ele fosse acusado de assassinato. Já outros dizem que a autora realmente sofreu um acidente de carro e perdeu a memória.

Agatha só se separou de Archibald em 1928, dois anos após o incidente. No outono do mesmo ano, o arqueólogo britânico Leonard Woolley convidou Agatha para visitar o Oriente Médio, onde estava no comando de escavações em Ur. No ano seguinte, Agatha voltou ao local, onde conheceu o jovem assistente de Woolley, Max Mallowan (14 anos mais jovem que ela). Eles se casaram em 1930. A autora manteve seu nome como Agatha Christie porque era assim conhecida, mas em sua vida particular preferia ser chamada de Mrs. Mallowan.

Agatha Christie escreveu que é difícil para um jovem escritor iniciar sua carreira sem copiar, mesmo que minimamente, o estilo de seus ídolos. Ela considerava iniciar uma obra, como algo muito complicado e muitas vezes ficava horas encarando a máquina de escrever, esperando uma ideia. Para estar pronta no momento que a inspiração chegasse, possuía um caderno que levava sempre consigo para anotar suas ideias de enredos, venenos e crimes.

Foto de 1972: batalha entre leitor e escritor

Todo romance policial é uma batalha entre leitor e escritor. O sucesso está na arte de disponibilizar todos os elementos necessários para a solução do crime e, ainda assim, fazer com que o leitor chegue à página final sem a menor ideia do que realmente aconteceu. Ou com uma ideia errada, o que é ainda melhor. Agatha Christie criava suas tramas com esta maestria, mas seus crimes ficam mais fáceis de desvendar quando o leitor já leu uma quantidade suficiente deles.

Agatha tem um recorde difícil de ser batido. A Ratoeira (The Mousetrap), uma peça que reúne mistério e assassinato, é famosa por ser a peça há mais tempo encenada na história do teatro, com mais de 30 mil apresentações desde sua estréia, em Londres, em 1952. Ela também é notória por seu final inesperado, que os espectadores ao fim de cada sessão são convidados a não revelarem quando saem, pois um spoiler seria fatal para fruição da peça.

Suas principais obras, além da peça A Ratoeira, são O Assassinato de Roger Ackroyd, Assassinato no Expresso Oriente, O Caso dos Dez Negrinhos, Morte no Nilo, Convite para um Homocídio e Cai o Pano. Mas há vários outros de mesmo nível. Quando o assunto é Agatha Christie, deve-se esperar uma trama repleta de reviravoltas, diálogos tensos, diversos suspeitos e um final surpreendente. Ah, e esqueça o assassino-padrão. Apesar de conservadora, a escritora jogava a culpa sobre qualquer um — nobres, serviçais, mulheres, homens, ingleses, estrangeiros, qualquer um. os motivos também são vários. Podem ser passionais, movidos pela cobiça ou por “nobres” razões. Então, caro leitor, tente adivinhar o assassino e seus motivos, mas espere por qualquer coisa.

Fontes utilizadas:
Agatha Christie`s Life Events
Burburinho
Diário de Pernambuco
Site da L&PM Editores

Publicado em 13 de setembro de 2015 no Sul21

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8 comments / Add your comment below

  1. É impossível descobrir quem é o assassino de “O Caso dos Dez Negrinhos” antes da última página. Impossível. Incrível como ela tramou tudo aquilo. É o melhor livro que li dela. Dizem que tem um filme, mas nunca vi.

  2. Hoje pela manhã fiquei deitado em uma sombra, no clube, relendo “E não sobrou nenhum”, bebendo umas heinekens. Que livro extraordinário, que composição minuciosamente organizada, que sutileza maléfica! Não me lembro de nenhuma menção de Borges a ela, ele que era fanático por literatura policial: Borges gostava e escrevia muito sobre escritores do gênero hoje esquecidos, como S. S. Van Dine, Helery, Ellery Queen, e outros que não me vem à memória. Há muitas de suas instantâneas (e geniais) resenhas sobre eles, além de ter escrito sobre Simenon (por incrível que pareça, Borges não gostava da literatura policial de Simenon, mas admirava sua eufonia), Chesterton (Borges amava de paixão o Padre Brown_ quem não?). Mas nenhuma palavra sobre A. C.

    Cai o pano está entre os melhores livros que eu já li.

    1. Cá entre nós, quem é que pode gostar dos livros policiais de Simenon??? A escrita, a narrativa é maravilhosa, mas… quanto ao policial… Não li muitos livros dele, é verdade. Devo estar sendo injusto com ele. Enfim…

  3. E mais: Agatha Christie foi um desses escritores (escritoras) raros, que criaram algo absolutamente novo nas letras. Claro que havia o modelo do detetivesco antes dela, mas ela acrescentou várias coisas até então nunca vistas. Ela e Poe são os fundadores.

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