Li a excelente entrevista do professor Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e um post ainda melhor de Tarita Almirão, autora da ideia original publicada no Facebook. Decorrente destas edificantes leituras, senti uma imensa pressão interna de deitar em meu blog o depoimento que segue:
Eu acho repulsiva a doutrinação marxista a que fui submetido desde a mais tenra infância. Quero dizer a vocês que nunca acreditei em Marx, mas, no colégio, antes de começar a aula, tinha que repetir diariamente o Manifesto Comunista. Afinal, eles diziam ser algo natural, cultural e universal. Morria de medo de falar que não acreditava em Marx, porque me olhavam com pena e começavam a citar todas as suas obras. Com certa agressividade e a maior incompreensão, tentavam me convencer de meu erro e da existência de Marx. Em datas festivas — dessas do tipo Nascimento de Marx, Morte de Marx — sou obrigado a ficar quietinho ouvindo as pessoas repetirem a importância da revolução em nossas vidas. Ainda hoje marxistas batem a minha porta em pleno domingo para me falar da mais valia. É uma legião de barbudos insistentes. E o pior é quando ligo a TV e vejo marxistas pregando e gritando coisas de Marx e Hegel. E eles se dividem em várias facções, uma mais presente do que a outra, mas sempre tendo Marx e o Manifesto como base. Uns são bolivarianos, outros comunistas, socialistas, trotskistas, anarquistas, stalinistas, anarco-comunistas, o escambau. Todos os dias são fundados novos templos com nomes cada vez mais estranhos: há o Maoísta Universal do Reino de Marx, a Assembleia de Marx (de orientação guevarista), a Igreja Mundial do Poder de Marx (trotskista, que prega a Revolução Permanente), além da Igreja Internacional de Marx (que apresenta todas as noites o Show de Chávez, de orientação castrista), da Igreja Renascer em Marx (de orientação bakunista ou darwinista, quando aplica a seleção natural stalinista), assim como outras com nomes mais estranhos como Bola de Neve Stalinista, (vagamente bolivarista, promete levar o mundo de roldão em sua pregação do Manifesto). Mas, mesmo pressionado, gostaria que minha orientação liberal fosse respeitada. Sei que, neste mar de marxismo, meu pedido não será atendido nem pelos militantes, nem por Marx — o qual costuma silenciar sistematicamente — , mas sigo em minha luta para fazer valer minhas inclinações.
Já tinha lido esse texto da Tarita, e achei o máximo. Acontece que o nível de entendimento anda bastante por baixo e deve ter muita gente que levou o texto ao pé da letra.
Uma coisa é indiscutível: a literatura e o rock de direita é o que há de mais insosso no mundo. Como se não bastassem as tantas insuficiências na literatura brasileira, agora se juntou essa direitização da hora, que, se for lembrada algum dia, será como mais uma das aberrações da escrita pátria.
“a literatura e o rock de direita é o que há de mais insosso no mundo”.
Uma coisa é o conjunto de intelectuais que representam um seguimento doutrinário; outra bem diferente é o grupo de militantes.
Por exemplo, Pablo Vilaça não é “pensador” de esquerda e Lobão jamais chegará perto de um Peyrefitte. São militantes. Para o bem ou para mal, eles desempenham uma função distinta dos seus gurus. Não são inatacáveis, mas jamais podem ser vistos como a “substância” do movimento do qual fazem parte.
A sua afirmação, portanto, está correta apenas se estiver se referindo ao Lobão, Jair Bolsonaro e demais propagandistas baratos por aí.
Curiosamente, esse texto e toda essa briga a qual temos assistido lembrou-me de uma passagem bem interessante de Hayek na qual ele relata um movimento parecido visto por ele com os próprios olhos: direita e esquerda, como movimentos de militância, costumam ser faces da mesma moeda. Na Alemanha da década de 20 era comum que militantes de ambos os lados transitassem de lado para o outro com a maior facilidade do mundo. O que movia tais grupos era mais o ódio do que uma convicção intelectual sólida a respeito dos fundamentos de sua concepção filosófica.
Referi-me à “literatura”. Entendo isso como as obras produzidas no campo da ficção. Lobão e não sei quem mais nada tem a ver com isso.
Não conheço literatura de qualidade de qualquer canto do mundo que seja de direita. Alguém pode pensar em gente como Céline, por exemplo, ou Knut Hamsun ou Ezra Pound, que em algum ou outro ponto defendeu o fascismo. Mas poucos livros são tão contestatórios à perversidade da vida burguesa e à barbárie capitalista do que Viagem ao fim da noite; ou, em graus e abordagens diferentes, os romances thoureanos do Hamsun.
Tratando-se de Brasil atual, a coisa anda muito mal. Não vou tratar da literatura de chaveirinho, mas vamos falar do rock: o Lobão viu a enorme burrice que fez com suas posições políticas estapafúrdias ao perder quase a totalidade de seu público, em shows cancelados por falta de interesse. Teve que pedir desculpa a Chico, Caetano e Gil, mas a sua vontade mesmo deve ter sido zerar e começar tudo de novo.
P.S.: o que eu falei, Milton? Vi lá no seu Facebook o tanto de gente que desaprendeu o que é uma ironia. Isso me aparenta um dos sintomas mais terríveis da queda profunda da inteligência nacional: perderam as nuances do discurso. Tudo virou ódio.
O escritor ícone da direita, aliás, uma escritor(a), é Ayn Rand. Eu não compreendo como tem leitores com estômago para ler Rand. Eu jamais conseguiria. E ela é a musa de grande parte das letras de uma das bandas do terceiro time que eu mais gosto, o Rush. Não sei quais as enzimas digestivas que tem o Neil Peart para transformar os ensinamentos da Rand em uma letra soberba como a da música The Trees (umas das mais belas e irônicas letras do rock, a meu ver). Qualquer pessoa que escute essa música e a entenda, verá, contudo, que se trata de uma contestação à acirrada filosofia neoliberal do lucro acima de tudo.
Eu não aguento esses burros da internet. Minha existência cibernética seria muito curta se eu tivesse Facebook, ou se meu blog fosse popular. Eu chutaria o balde e voltaria para a floresta. A estupidez está grande demais pelo mundo virtual, e confesso que isso me assusta. Não queria ficar assustado, mas isso me assusta e deprime. Eu antes usava de humor e sarcasmo contra isso, mas perdi o ímpeto. É como aquele livro do Anatole France, em que o náufrago míope falava aos nativos, e quando achou seus óculos viu que eram estúpidos pinguins.
Ah. Agora, no campo da filosofia e do humor, existem grandes nomes de direita. Colocaria aí John Gray, um gênio, cuja leitura é o que se tem de mais imprescindível no mundo atual; e Isaiah Berlin. Ambos filósofos de direita, o que nada tem a ver com a direita boçal e tirana do Brasil. Bom, no humor, temos um nome brasileiro: o inigualável Millôr Fernandes, orgulho para qualquer país que tenha algum amor-próprio cultural, mas que por aqui, se não tomarmos cuidado, logo estará esquecido.
Ah, e esse romancista que é o mais esquerdista dos romancistas de direita: Mario Vargas Llosa. Seu mais estupendo romance é uma das mais impactantes críticas de um ditadura… de direita, o A festa do bode.
Tu gosta de rock progressivo? Uma grande piada em termos de música. Ridicularizada por público e crítica. Não dá para esperar nada de gente com esse gosto musical, inclusive no campo das idéias políticas.
Acho isso meio irrelevante e não costumo mergulhar nisso para ler um autor. De todo jeito, acredito que Camus, Pessoa, Yeats, Bernanos, Vargas Llosa, Chesterton e tantos outros produziram coisas boas. Acredito que nosso Nelson Rodrigues, Corção ou Murilo Mendes também possam entrar na lista. Há uma infinidades de escritores cuja concepção filosófica podem ser enquadradas no visão conservadora (estou me referindo aos conservadores de boa estirpe, tais como Burke, Kirk entre outros). Há até livros que procuram investigar isso.
Poderia ainda incluir Nietzche, por exemplo, queridinho da esquerda, mas que não nutria muito apreço pelas ideias de Marx, segundo li numa de suas biografias.
Agora, se for atribuir à esquerda o monopólio da indignação, realmente não sobrará nada mesmo.
“Eu não aguento esses burros da internet.”
Partiu para ignorância ou está se referindo ao povo do facebook?
Hahaha. Desculpa, Doni, não me referia a você, mas ao pessoal do Facebook. Já tem uma mulher lá quase xingando o Milton.
É muito importante a diferença. Leio muito esses intelectuais da direita. Atualmente estou lendo o Anatomia, de Gray, que tem ensaios esclarecedores sobre pensadores neoliberais. Neste livro, assim como em outro do Chomsky, aparece a imagem real de Adam Smith, por exemplo, um dos pais do pensamento conservador; de que Smith era contra o lucro descomedido, de que Smith alertava que se o sistema monetário não fosse controlado por governos fortes, o grau de desigualdade social seria desastroso.
Assim como a charge do post acima, pode-se muito bem usar em negativo a mesma interpretação quanto a Adam Smith. A mesma distorção interpretativa que se tem em relação a Marx, tem-se em relação a Smith. Ambos partiram (talvez exageradamente na monotemática) da economia para dizerem que o homem é algo mais que um simples animal de carga. Que é um ser que necessita indispensavelmente de lazer, arte, família, e ócio.
Marx te vê!
Esse texto com certeza obedece à Lei de Poe.