Como homens, pessoas de baixa renda e instruídos elegeram esta Câmara do impeachment

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A brilhante reportagem de Thiago Guimarães, da BBC Brasil, dá um visão muito clara da atual Câmara de Deputados. Ela pega informações obtidas pelo cientista social Maurício Garcia, diretor regional do Ibope, que considerou pesquisas feitas em 17 Estados (SP, RJ, MG, RS, PR, SC, AL, BA, CE, PE, RN, AM, PA, GO, MT, MS, TO) e no Distrito Federal. Trabalha, portanto, com dados de pesquisas relativas a 423 dos 513 deputados eleitos (82% do total). O trabalho foi apresentado neste mês no Congresso da Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) e levou o prêmio de melhor paper.

Eu devo ser o único sujeito de esquerda do mundo que combate o voto obrigatório. Sou pelo voto facultativo. Não acredito nesta democracia que MANDA VOTAR e considero absurdo que uma maioria que não se preocupa com política eleja deputados que tornam nulo meu voto em função do quociente eleitoral. Quase sempre vou votar sabendo que, provavelmente, meu voto não valerá nada. É pura matemática. Basta ver que há um comunicador ou um cara que fez a campanha muito cara do outro lado para concluir que ele levará muitos votos dos indiferentes e que matará as pretensões de quem eu cuidadosamente escolhi. Como disse Arnold Toynbee, na democracia:

O maior castigo para aqueles que não se interessam por política, é que serão governados pelos que se interessam.

Mas não no Brasil. Segundo uma pesquisa do Datafolha de 2014, 20 dias após o pleito, 30% dos eleitores brasileiros já se esqueceram o nome do candidato a deputado federal para o qual deram o voto. A situação é a mesma para o Senado: 28% dos eleitores já não se lembram em quem votaram para senador. 

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Na maior parte das democracias, o voto é um direito: o eleitor vota se quiser, se achar que algum candidato de fato o representa, ou se achar que é necessário que sua opinião seja representada. No Brasil, ao contrário, temos o direito-obrigação: o cidadão não tem apenas o direito de votar, também tem a obrigação de fazê-lo. Se não o fizer, sofrerá sanções. Por exemplo, não pode inscrever-se em concurso ou tomar posse de cargo público, não pode inscrever-se ou renovar matrícula em faculdade pública, não pode tirar carteira de identidade ou passaporte, não pode tomar empréstimos em bancos públicos, etc.

Mas qual é a cara do sujeito que anula meu voto? Ou, como pergunta Thiago sem dar bola para minhas posições, “Qual é a cara do eleitor da atual Câmara dos Deputados, que conduz o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e já foi classificada como a Casa “mais conservadora desde 1964”? Dá para vê-la na reportagem abaixo:

Posse da Câmara eleita para o período 2015-2019; votos de homens tiveram mais peso na escolha, aponta estudo
Posse da Câmara eleita para o período 2015-2019; votos de homens tiveram mais peso na escolha, aponta estudo

Por Thiago Guimarães

Como o voto é secreto, a única maneira de chegar perto dessa resposta é a partir de pesquisas eleitorais.

Em busca desse perfil inédito, um cientista social mergulhou em 194 pesquisas de intenção de voto para a Câmara dos Deputados feitas em 2014, de agosto até a eleição.

Separou os entrevistados que citaram intenção de voto em deputados eleitos e comparou seu perfil (sexo, idade, instrução e renda) com o conjunto do eleitorado.

Nas discrepâncias entre os dois grupos, encontrou pistas sobre os setores da sociedade mais “eficientes” – cujo voto teria resultado em mais deputados eleitos – na eleição da Câmara.

No quadro geral (pois há diferenças entre os Estados), eleitores homens, mais instruídos e de famílias mais pobres provavelmente tenderam a participar mais da escolha dos atuais deputados federais.

A análise de Maurício Garcia, diretor regional do Ibope, considerou pesquisas feitas em 17 Estados (SP, RJ, MG, RS, PR, SC, AL, BA, CE, PE, RN, AM, PA, GO, MT, MS, TO) e no Distrito Federal. Trabalha, portanto, com dados de pesquisas relativas a 423 dos 513 deputados eleitos (82% do total).

O trabalho foi apresentado neste mês no Congresso da Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) e levou o prêmio de melhor paper.

Para entender por que muitos votos à Câmara acabam sendo “desperdiçados”, é preciso conhecer o sistema eleitoral brasileiro: todos os votos válidos das eleições (número total de votos em candidatos ou legendas, descontados os brancos e nulos) são divididos pelo total de vagas na Câmara.

Essa divisão resulta no quociente eleitoral. Para conseguir eleger deputados, o partido ou coligação precisará alcançar esse quociente. Quem não alcança o quociente, mesmo que tenha recebido uma quantidade razoável de votos, não é eleito.

E quem supera com folga esse quociente acaba “carregando” consigo outros candidatos, que acabam eleitos mesmo sem ter recebido um número alto de votos. Por isso, muitos votos depositados nas urnas acabam não elegendo deputados [bem votados].

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Partindo do pressuposto de que as pesquisas usadas por Garcia se confirmaram nas urnas, um dos achados mais significativos do estudo foi o peso do voto dos homens na eleição da Câmara.

Enquanto há mais mulheres do que homens no eleitorado brasileiro como um todo (52% x 48%), os deputados eleitos nesses Estados tiveram um percentual de votos mais masculino (56% x 44%), ou seja, uma diferença de oito pontos percentuais em relação ao universo de eleitores homens.

“Será que mulheres dispersam mais seus votos, enquanto os homens os concentram mais em determinados candidatos e partidos, e isso ‘melhora’ o desempenho do voto masculino?”, questiona Garcia, para quem o estudo aponta direções que ainda precisam ser aprofundadas por pesquisadores.

Maurício Garcia, do Ibope Inteligência: 'Estudo é a maneira mais efetiva de se aproximar ao perfil do eleitor da Câmara'
Maurício Garcia, do Ibope Inteligência: ‘Estudo é a maneira mais efetiva de se aproximar ao perfil do eleitor da Câmara’

Escolaridade e renda

Em relação ao grau de escolaridade, houve diferenças, porém em intensidade menor, entre o perfil do conjunto dos 18 Estados e o de quem declarou voto na atual Câmara.

Eleitores mais instruídos (com ensino médio ou superior completo) foram um pouco mais “eficazes” nos votos do que aqueles com até ensino fundamental.

A diferença foi de quatro pontos percentuais nas duas faixas – enquanto no conjunto os eleitores com ensino médio e superior formam, respectivamente, 40% e 18% do total, no grupo de quem declarou voto nos vencedores os índices são de 44% e 22%.

Votos de famílias mais pobres (rendimento mensal de até dois salários mínimos) foram aqueles que, proporcionalmente, mais elegeram os deputados federais da atual legislatura.

Somadas, as diferenças (entre o perfil do conjunto e o dos eleitores que declararam votos em deputados vencedores) nas faixas de até um salário mínimo e de um a dois salários mínimos chegam a 20 pontos percentuais.

Como no caso da escolaridade, alguns Estados ajudaram a puxar esse resultado, sobretudo os do Norte e Nordeste.

“Dos 18 Estados da pesquisa, Amazonas, Pará, Pernambuco, Bahia, Ceará, Alagoas e Mato Grosso do Sul foram os que mais contribuíram para que, no todo, os eleitores pertencentes às famílias mais pobres sejam os que, proporcionalmente, mais elegeram seus deputados”, escreve Garcia no estudo.

Eduardo Cunha (PMDB-RJ) comemora eleição como presidente da Câmara, em janeiro de 2015; votos de famílias mais pobres tiveram peso em Estados do Norte e Nordeste
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) comemora eleição como presidente da Câmara, em janeiro de 2015; votos de famílias mais pobres tiveram peso em Estados do Norte e Nordeste

Para o cientista social, uma possível razão para isso é o fato de pessoas votarem em candidatos mais conhecidos, que investem pesado em propaganda.

“Justamente nos Estados mais pobres economicamente o voto do eleitor de baixa renda tem ‘mais força’. Será que essa força não vem do fato de ele estar votando nos candidatos com melhores condições financeiras? Já nos Estados mais ricos, quando há essa discrepância, a escolaridade pesa mais”, afirma o diretor do Ibope.

Para a professora Mara Telles, do departamento de Ciência Política da UFMG, o trabalho de Garcia tem o mérito de investigar um tema em que os dados são escassos.

“É muito difícil para estudos acadêmicos inferir intenção de voto para deputado federal. São pesquisas muito caras e difusas, e ele analisou quase 200 delas”, afirma.

Segundo a cientista política, estimativas mostram que cerca de 70% dos votos para a Câmara não se traduzem em cadeiras. Ou seja, o número de pessoas que efetivamente elegem os deputados representa uma fatia menor do eleitorado. “Pesa nisso o fato de o sistema ser muito competitivo, são mais de 5 mil pessoas disputando 513 vagas.”

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Após a eleição da atual Câmara dos Deputados, em 2014, análises apontaram que se tratava da representação mais conservadora no Legislativo desde 1964.

Especialistas do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), por exemplo, chegaram a essa conclusão ao somar o número de parlamentares eleitos ligados a segmentos militares, policiais, religiosos e ruralistas. O levantamento mostrava ainda queda no número de deputados ligados a sindicatos e a causas sociais.

Ao mesmo tempo, a Câmara eleita em 2014 tinha representantes de 28 siglas diferentes – a composição mais heterogênea da história em termos partidários, aponta Garcia. “O que o estudo tenta delinear, dentro de suas limitações, é quem, afinal, elegeu essas contradições.”

Cerimônia de posse da atual legislatura; 74% dos deputados manifestaram posições de centro-direita ou direita em votações polêmicas no ano passado
Cerimônia de posse da atual legislatura; 74% dos deputados manifestaram posições de centro-direita ou direita em votações polêmicas no ano passado

A pesquisa do diretor do Ibope também buscou traçar um perfil ideológico da atual Câmara. Como critério, selecionou 13 votações polêmicas de 2015, sobre temas que costumam mobilizar esquerda e direita do espectro político.

Cobrança por cursos em universidades públicas, redução da maioridade penal, financiamento privado para partidos e terceirização foram algumas das votações escolhidas. Quem votava contra essas propostas, por exemplo, era classificado como de esquerda, e vice-versa.

Nesse sentido, a conclusão foi que 74% dos deputados do grupo dos 18 Estados estudados no levantamento eram de centro-direita (tiveram 61% a 80% de posições consideradas de direita) ou direita (81% a 100%).

“Comprovou-se aquilo que especialistas políticos da mídia e da academia já salientavam antes da posse dos deputados federais: o Brasil elegeu em 2014 uma Câmara dos Deputados de tendências mais à direita do que à esquerda no espectro político clássico”, aponta.

Para Garcia, um dado relevante na análise dessas votações veio do posicionamento do PMDB. “De fato o PMDB teve uma posição de extrema direita, contrária até a algumas coisas que o governo propunha. Aí foram questões não apenas ideológicas, mas políticas, da briga do Eduardo Cunha e de parte do PMDB contra Dilma.”

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