“Os dias deslizam como se fossem líquidos. Não tenho mais cadernos onde escrever. Também não tenho mais canetas. Escrevo nas paredes, com pedaços de carvão, versos sucintos. Poupo na comida, na água, no fogo e nos adjetivos.”
Tive minha atenção chamada para este livro de José Eduardo Agualusa em função da shortlist do prêmio literário britânico Man Booker International, que premia o melhor livro lançado no ano anterior em língua inglesa, incluindo as traduções. Ele ficou entre os seis melhores de 2015. Uma lista absolutamente entusiasmante, segundo o The Guardian. Este livro de Agualusa é de 2012, mas foi traduzido para o inglês apenas no ano passado.
Teoria Geral do Esquecimento conta a história de Ludovica, ou Ludo, uma portuguesa que vive em Angola em 1975. Quando ocorre a independência do país, ela se vê sozinha sem saber o que aconteceu à irmã e ao cunhado, com quem mora. Eles, como tantos outros, somem. E ela se isola de forma inusitada, evitando que seu enorme apartamento seja invadido. Para conseguir isso, ergue uma parede que a mantém fechada em casa durante 28 anos. De forma distorcida, porém estranhamente clara, o que acontece em Luanda, capital de Angola, ainda lhe chega. Bela parábola, Teoria Geral do Esquecimento é um romance sobre a sobrevivência, o medo do outro, o racismo e a xenofobia, tudo isso milagrosamente condensado. A violência da Guerra Civil — que durou de 1975 a 2002 — não está ausente do livro.
O curioso é que Agualusa concebeu este romance para ser filmado. O filme nunca saiu, mas o romance-filme pode ser pressentido, tanto em seu conteúdo como na forma que monta seus personagens em cenas sem nexo aparente num primeiro momento. Essas histórias aparentemente isoladas, no caos de uma guerra civil, vão se unindo. Cada capítulo amarra um ponto a outro, construindo relações e uma história de poesia dura e sensível. Tudo acaba num vaudeville que não pretendo contar… A impressão causada é espantosa. Apesar de tecido sobre as dores, a violência e o preconceito de uma guerra, é um romance leve, um livro que poderia ter sido escrito no Brasil, se tivéssemos Agualusas por aqui.
Recomendo.
(Livro comprado na Ladeira Livros).
Li esse livro de uma sentada ano passado, emprestado de um amigo. Recordo que me agradou a leveza da narrativa. A narrativa em língua portuguesa fora do Brasil, penso, se tornou talvez demasiado aerada depois de Saramago e Lobo Antunes, demasiado leve. Uma extensão da crônica. De forma que não vejo tanta diferença de qualidade da atual narrativa praticada no Brasil, para que se coloque Agualusa em uma posição distinta. Agualusa tem a seu favor a questão histórica, beneficiado pelos tantos temas políticos oferecidos pela África a seus escritores, coisa que Gonçalo Tavares não sabe aproveitar bem com seus romances excessivamente abstraídos e excessivamente dependentes de Kafka. Mia Couto paira bem acima deles todos.
Achei interessante o isolamento da personagem no apartamento enquanto a guerra estava sendo deflagrada no lado de fora. Mas não sei, falta alguma coisa a esses caras. Maior sinceridade, engajamento, maior concentração. Maior maturidade. O mal deles e de nossos autores é se aterem demais à estética, ao flaubertianismo, o que os faz incorrer numa auto-vigilância limitadora que para o leitor fica nítido uma carência de independência. São os “novos autores de língua portuguesa”, o selo do clubismo e do pertencimento nunca fica bem a um escritor. (Vide os cubanos, que souberam muito bem fugir disso: todos os escritores cubanos parecem nascidos de uma sementa própria, cada qual conserva sua poderosa idiossincrasia e sua voz própria: nada há de semelhanças, por exemplo, entre Guilhermo Cabrero Infante, Pedro Juan Gutiérrez e Leonardo Padura.) Essa falta de tutano gera uma literatura legível e amena, sem perigo. Não me lembro muita coisa desse romance, por exemplo.
Mas em tempos de descompromisso com a leitura, tais livros caem bem no mercado editorial. Literatura de preenchimento de lacunas na agenda de compromissos diários, com uma qualidade distintiva que elogie em certa medida a inteligência do leitor.
Eu não li muita coisa fora Agualusa e Lídia Jorge. Então não posso responder sobre essa unidade de voz, mas acho estes dois bem diferentes entre si.
Já sobre os cubanos, fecho 100%.
deu gosto… pena estar em uma maré ruim de grana…