Como escreveu Luís Fernando Verissimo na última quinta-feira:
Há muito mais operários, trabalhadores no campo e empregados em geral — enfim, povão — do que a soma de todos os empresários, evangélicos, rentistas, latifundiários etc. do nosso Brasil. O que quer dizer que a grande, a eterna crise que vivemos, é uma crise de representatividade.
Minorias com interesses restritos têm suas bancadas amestradas no Congresso. A imensa maioria do país tem representação escassa, em relação ao seu tamanho, e o que passa por “esquerda” na oposição mal pode-se chamar de bancada, muito menos de coesa.
Só a ausência de uma forte representação do povo explica que coisas como a terceirização e a futura reforma da Previdência passem no Congresso como estão passando, assoviando.
Os projetos de terceirização e reforma da Previdência afetam justamente a maioria da população, a maioria que não está lá para se defender.
(…)
Claro, sempre é bom, quando se critica o Congresso, destacar as exceções, gente que na sua briga para torná-lo mais representativo quase redime o resto. Que se multipliquem.
O pouco que sei do Paraguai indica que lá também é assim. O caudilhismo, o autoritarismo e uma minoria rica dominam a política. São forças que representam um colonialismo interno que reproduz o colonialismo de que foram vítimas externamente. Como no Brasil, vota-se nos ricos, ama-se os EUA e não há representação nem democracia. Aliás, nunca tivemos democracia efetivamente representativa em nenhum dos dois países, em minha opinião de não-cientista político. A maioria de nossos “representantes” são dubladores dos empresários que os financiaram. Ou de suas igrejas.
E o povo, onde está? Eu respondo ao Mauro da Ladeira Livros: está nos cultos de uma das 25 igrejas fundadas por dia no Brasil desde 2010. Por nunca ter estudado ciência política especificamente, sempre fico inseguro em minhas avaliações. Faço-me o auto-elogio extremo de dizer que sou um jornalista que não posa de entendido em tudo… Sei de algumas coisas; de outras, sei apenas do tamanho de meu desconhecimento. Mas isso eu previ: a piora da educação, com o consequente aumento da ignorância, faria crescer os neopentecostais organizados, que se uniriam aos empresários — eles mesmos são empresários, não? — e lobistas e disso resultaria menos democracia. Ainda mais que todos os governos adulam os caras. Dilma foi à inaugurações de templos, imaginem.
Bem, mas sexta-feira à noite o povo paraguaio tomou uma atitude forte contra o Senado que aprovou a reeleição presidencial no país. Invadiu e incendiou o Congresso. Não foi algo bonito, foi violento e um líder estudantil foi morto. Só que nós, brasileiros, estamos cansados ou somos de tal maneira bovinos que nem chamar greve funciona e, digo-lhes, creio que pode haver sangue derramado também por aqui. Sangue dos pequenos grupos mobilizados.
Espero que, se a deposição de Lugo serviu de inspiração para a de Dilma, a batalha campal de ontem à noite sirva de inspiração para, por exemplo, o Brasil fazer uma grande greve, uma enorme, uma que deixe a RBS e a Globo falando por dias nos problemas de trânsito. Sei que o que não se consegue nos gabinetes busca-se nas ruas. E que o cavalo brasileiro está atrás do paraguaio até em inspiração.
Por isso, o trend topic (tópico de tendência) deles é o que está na manchete.
Depois do que aconteceu essa semana no Paraguai o brasileiro deveria ter a vergonha na cara de pelo menos não falar mais sobre política no Facebook, não vir com textões indignados ou piadinhas críticas sobre corrupção e desigualdade social. O mínimo de ombridade que resta ao brasileiro agora é se limitar a usar as redes sociais para assuntos edulcorados, receitas, fotos na praia, “vou lá almoçar”, sempre com vários “kkkkkkkkkkkk” e “hauhauhauhau”, sorrisos, repetição de jargões de programas humorísticos televisivos, vídeos de gatinhos tombando da poltrona, e as procissões de memes divertidos. Agora o brasileiro tem a licença de retirar esse fardo da contestação cosmética dos ombros e assumir com plenitude a boçalidade inofensiva que sempre foi. E digo “brasileiro”,em toda sua acachapante individualidade, em vez de “povo brasileiro”, pois povo nunca foi. Eu já começo a usar esse privilégio a partir de agora. Este post só foi meu último aviso.
Concordo inteiramente com o Veríssimo e o Milton. Protestinhos são pouca coisa, quase uma rotina. Nos habituamos a pequenos distúrbios a cada duas semanas. Ou seja, passeatas atrapalhando o trânsito por algumas horas. São interessantes estes movimentos, como ensaios para algo de maior relevância. É hora da grande massa revidar aos ataques dos rentistas et caterva, que estão se mostrando demasiado petulantes nestes últimos tempos. Greve geral sem previsão de duração. Quem sabe com isto os empresários não sossegariam um pouco? Afinal, se eles ousam tanto, é porque o povo está deixando.
Ótimo texto Milton.