O regime soviético durou quase 70 anos, por isso, não é de se admirar que seu legado esteja vivo ainda hoje -– muitas vezes de formas peculiares. Conheça hábitos que alguns russos não abandonam.
De Eleonora Goldman, Gazeta Russa.
1. Nunca jogar nada fora
Já passou por um bloco de apartamentos na Rússia e percebeu que havia uma série de varandas com um monte de tralha empilhada? Esquis velhos de madeira, rádios quebrados, peças de carros…Bem, esse é um dos sintomas da ressaca soviética. Os armários e prateleiras, provavelmente, também estarão cheios de cacarecos inúteis – alguns russos simplesmente não conseguem deixar as coisas para trás.
Durante a URSS, descartar coisas era considerado um desperdício, e esse hábito ficou arraigado na realidade pós-soviética. Nunca se sabe se o cortador de unhas enferrujada de uma tia distante será útil, ou se aquele pote de cebola em conserva de 20 anos realmente saiu da validade. As famílias soviéticas raramente jogavam comida no lixo, mesmo que o prato estivesse à beira de mofar.
2. Guardar o melhor para o futuro
Muitos russos mantêm conjuntos de cristal e porcelana (geralmente dados como presentes de casamento ou aniversário) escondidos. Por isso, é mais provável que você veja um russo sorrindo para um estranho na rua (veja o item 5) ou cantando o hino nacional americano do que tirando sua melhor louça chinesa do armário.
Seus pratos, xícaras, tigelas e talheres do dia a dia podem estar quebrados e velhos, mais nem isso será motivo para estrear sua empoeirada coleção. A razão para isso? Durante a União Soviética, as pessoas sonhavam com um futuro comunista brilhante, portanto, guardavam seus pertences mais preciosos para épocas mais prósperas.
Essa mentalidade se aplica também às roupas, com vestidos e ternos que, após anos sem uso, já até saíram de moda. Ainda hoje, alguns russos não tiram o controle remoto da TV da embalagem de plástico com receio de estragá-lo.
3. Pensar demais no que os outros dizem
“O que você está fazendo? O que as pessoas dirão? Você não percebe como aquela mulher está te olhando?” Os pais soviéticos eram bastante difíceis quando se tratava de ensinar os filhos a ficarem atentos a estranhos, vizinhos, colegas de classe e etc. Isso pode soar exagerado, mas era um medo genuíno naquela época. Até hoje, na Rússia, as pessoas podem tratar os estrangeiros com suspeita: “Por que alguém escolheria visitar a Rússia, sendo tão brutal, a menos que tenha sido enviado por um serviço secreto estrangeiro, certo?”.
4. Não gostar de elogios
Esse traço não é exclusivamente russo. Os ingleses, por exemplo, também têm dificuldade em aceitar elogios. Mas os russos têm reputação de se sentirem desconfortáveis se alguém lhes dá atenção demais. Por exemplo, se um vendedor for muito simpático em uma loja, eles provavelmente irão embora sem comprar nada.
A modéstia parece ser a melhor política na Rússia – expor-se na URSS era uma postura reprovável (não sabe por quê? volte para o número 3).
5. Não sorrir (gratuitamente) por aí
Qualquer um que tenha visitado o país, sabe disso muito bem: os russos raramente sorriem para estranhos, ao contrário dos brasileiros, que brincam com qualquer um.
Manter uma expressão séria fazia parte da vida na União Soviética. Havia muita desconfiança e tumulto – e, muitas vezes, poucos motivos para sorrir. Mas isso não quer dizer que tudo era tristeza, e surgiram algumas piadas boas na época:
“Três homens estão sentados em uma cela na sede da KGB. O primeiro pergunta ao segundo por que ele foi preso, e ele responde: ‘Porque eu critiquei Karl Radek’. O primeiro homem então retruca: ‘Mas eu estou aqui porque falei a favor de Radek!’. Eles se viram para o terceiro homem, que está sentado calmamente, e fazem a mesma pergunta. E ele prontamente replica: ‘Eu sou Karl Radek’.”
Seja como for, o velho provérbio russo “rir sem razão é um sinal de idiotice” ainda parece verdadeiro. No entanto, uma coisa deve se ter em mente: o fato de eles não sorrirem com frequência não significa que não sejam amigáveis, apenas reservados.
6. Festanças de arromba
Os russos adoram festanças com amigos e parentes, além de passar horas à mesa de jantar com pratos clássicos como salada Olivier, pelmêni e schi. Provavelmente acompanhados de uma quantidade razoável de bebidas alcoólicas e muitos brindes até amanhecer. “Se o jantar chega à sobremesa, a festa é um fracasso” é quase um ditado.
Sou russo e não sabia. Mais seriamente, estava a lembrar de umas histórias de Gogol, repletas de banquetes (item 6), com enormes esturjões e as ovas destes (caviar), além de vodka, muita vodka. Festas sem horário para acabar, com generais, generalas e escândalos. Almas Mortas, se não me engano, o nome do engraçadíssimo livro.
Grande livro! Eu sou russo pero no mucho.