Certa vez, eu e o Francisco Marshall estávamos assistindo um concerto qualquer quando eu falei no financiamento público de campanha, esta invenção tão incompreensível e injusta para o povo quanto antidemocrático é o financiamento próprio ou das empresas. E o Chico gritou:
— Financiamento público? Então eu vou ter pagar por aquilo? Eu quero financiamento zero, despesa nenhuma, jogo limpo e igual para todos, isso sim!
E reinventamos (ou ele reinventou, não lembro bem) rapidamente uma Lei Falcão para o século XXI. Foto do(a) candidato(a), currículo, plataforma, partido, talvez uma fala de alguns minutos e só. Nada de santinho, nada de outdoor, nada de jingle (jingle para me representar? Isso é um show?), nada de empresas ou cidadãos metendo dinheiro, nada. Uma campanha igual para todos. No máximo comícios, debates na TV e fim. Após eleitos, como brinde, o PUM oferece a cada deputado muitos agentes da PF para fiscalizá-los 24h. Recebeu propina, PUM!, fora.
Sempre ventilando a política, o PUM apoia a medida. A surpresa é que o Chico, neste fim de semana, em sua coluna de ZH, colocou em palavras este Nirvana eleitoral. A seguir, deixo-lhes o texto completo:
Despesa nula em campanhas eleitorais, a verdadeira e necessária reforma política
Os políticos acostumaram-se com esse esquemão e o adaptam, com duas falácias: financiamento público de campanha e o fundo partidário.
Os maiores inimigos da democracia são a demagogia e o marqueteiro. A demagogia é monstro antigo, que pode ser domesticado e servir para se interpretar a vontade popular; ela torna-se um mal quando são prometidos benefícios impossíveis, para iludir o povo, onerando o Estado ou criando desencanto com a política. Já o marqueteiro é sempre inimigo da democracia: cria imagens enganosas, vende o ruim como se bom fosse, gasta o escasso recurso (privado e público) para iludir, premia a eugenia e pavimenta o caminho para muitos delitos: desvios, sobras de campanha e compromissos com doadores e veículos de imprensa. Não à toa, o próprio termo marqueteiro é corruptela da palavra marketing, evidenciando que aqui temos um vendilhão com técnica publicitária.
O engano produzido por marqueteiros só tem utilidade para os farsantes que querem se eleger à custa da boa-fé dos ingênuos e da dignidade da política. Perde a publicidade, maculada por essa promiscuidade, e perde o espaço público, empestado com mensagens inadequadas. Agrava-se a assimetria e a prevalência do interesse econômico, nada isonômicas. Pior, os políticos profissionais já se acostumaram com esse esquemão e agora o adaptam, com duas falácias: o financiamento público de campanha e o bilionário fundo partidário. Contra este mal, a sociedade pode aplicar antídoto eficiente e de grande benefício para a melhora da política: despesa nula, zero gasto possível em campanhas eleitorais. Como funcionaria?
Os tribunais eleitorais elaboram uma base de dados padronizada, com identificação e CV do candidato, suas propostas e um canal de comunicação, com interface simples, acessível intuitivamente por qualquer pessoa do povo. Na campanha, os candidatos ficam proibidos de realizar despesa eleitoral, inclusive manter páginas na internet, mas especialmente a produção de materiais publicitários de qualquer espécie; isto é de fácil fiscalização. É preciso lei rigorosa contra robôs nas redes sociais, um veneno que já está impregnando a internet. Sem santinho, programa partidário com forma de novela ou outdoor: cidade limpa, base de dados digital. Nada impede a realização da agenda de comícios e de debates, seguindo regras públicas. Espécie de Lei Falcão da era digital.
E como se dará o acesso de quem não tem computador?
Os tribunais eleitorais, em parceria com os Executivos e Legislativos, podem usar os recursos hoje empregados no fomento direto a partidos para subsidiar a implantação e a manutenção de um novo serviço cívico: ilhas digitais com terminais assistidos disponíveis para o povo e ampliação da cobertura pública de wi-fi. Nos interstícios eleitorais, essas ilhas podem funcionar como bibliotecas digitais cidadãs, com ferramentas que permitam às pessoas acesso a benefícios sociais (se sobrar algum da devastação atual), chances de emprego e informação com efeito educacional. Se essas ilhas tiverem ao lado praças para atividades culturais e desportivas, o Brasil estará salvo em poucos anos. Despesa nula em campanhas eleitorais, a verdadeira e necessária reforma política.
A ideia geral da “despesa zero” é atraente, mas aumentaria brutalmente a já brutal vantagem das celebridades e dos políticos do alto-clero (e, portanto, com recall) sobre os novos e desconhecidos. Além disso, coloca os candidatos mais ainda na dependência do noticiário dos jornais e telejornais. O cara que for favorecido pela grande mídia já sai na frente. O que for falsamente acusado não terá nem o tempo de se defender…