Sobre o obscurantismo bem intencionado

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Casualmente, dois amigos meus geograficamente muito distantes começaram a debater ao mesmo tempo os julgamentos literários baseados em estereótipos. Funciona mais ou menos assim: você compara um personagem, o que lhe acontece ou como é descrito com um modelo previamente formatado e com a abordagem que seria correta. Tais modelos serviriam para respeitar às minorias, claro. Se a literatura distorce o estereótipo, ela está errada, pois deveria fazer justiça à ideia pronta. A  verdade ficcional seria estática, ou seja, a literatura não poderia reimaginar, reinventar, fabular ou fantasiar fora da casinha.

Como isso acaba a gente sabe. O estereótipo é uma das principais muletas do conservadorismo que invade esquerda e direita. Trata-se de uma postura preguiçosa, sem reflexão e “moralizadora”. Estou cansado de gente que se horroriza com autores que ultrapassam certos limites. Uma amiga minha deixou de ler um excelente livro de Baricco porque o autor chamou uma personagem de gorda e disse que ela reduzia os danos usando roupas adequadas. Tudo é muito previsível e chato, ao contrário do que costuma ser a boa literatura. E os julgadores invadem os espaços antes exclusivos da censura e do senso comum, procurando colocar-se entre o autor e o leitor, esse ser que seria um tolo sem discernimento. Ambos os amigos dizem que a academia — fora do Brasil, é claro — está fazendo naufragar esta forma de pensar. Daqui dez anos chega aqui.

Detalhe de um dos Caprichos de Goya
Detalhe de um dos Caprichos de Goya

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