Foi entre 1981 e 1983. Um dia, tentei telefonar para o CREA-RS, usando o número que tinha na minha cabeça. Não era aquele. Tinha trocado um 77 por um 07. Mas ouvi uma secretária eletrônica responder e me interessei. Dizia algo assim:
— Aqui é do consultório do Dr. Eduardo Pinheiro (só tenho certeza do primeiro nome), médico psiquiatra. Deixe seu recado após o sinal.
Hesitei um pouco, pensei nos meus ídolos do Monty Python, apresentei-me e comecei a contar ali mesmo, segurando o riso, uma série de problemas pelos quais estava passando. Devo ter ligado umas três vezes, pois a ligação era cortada pela secretária após três minutos. Lembro de logo ter me dado conta do potencial cômico daquilo, lembro do notável esforço para não rir, lembro de certa angústia para encontrar o tom correto durante o improviso. Eu desejava alguém que me ouvisse, alguém especializado e a quem não precisasse pagar. Expliquei ao Dr. Eduardo que, mesmo que pagasse pela sessão, ele não falaria mesmo, então eu usaria a secretária, que ainda tinha a vantagem de eu não precisar me deslocar.
Ainda não existia o Bina, então jamais seria descoberto, só se o Dudu — logo fiquei íntimo — me denunciasse à polícia, caso impossível porque psiquiatras são pessoas que não devem se irritar demais.
Nossa, quantas vezes telefonei! Planejava as inserções de 3 minutos com princípio, meio e fim. Ligava uma ou duas vezes por dia, dependendo de minha necessidade. Uma vez, ele interrompeu meu discurso, ouvi sua voz risonha do outro lado. Preferi desligar o telefone como tinha previamente planejado e passei a ligar após às 22h e nos finais de semana. O conteúdo era absolutamente verdadeiro, mas com doses cavalares de exagero. Como nos consultórios. Não escondia meu nome nem o de ninguém; minha persona tinha meu nome e meus amigos tinham os seus. Fantasiava que ele me ouvia, o que podia não ser verdade. Ninguém sabia de nada, só minha namorada na época. Planejei discurso por discurso durante uns dois ou três meses, quando comecei a cansar da coisa. Afinal, eu aspirava à alta.
Então, durante um almoço na casa de meus pais, contei para eles o que estava fazendo. Rimos um monte e pai me pediu o número do Dr. Dudu: desejava dar um testemunho familiar. Perguntou antes minha situação no tratamento e telefonou na nossa frente.
— Dr. Eduardo, sou o pai daquele rapaz que lhe telefona frequentemente para aliviar sua angústia. Há fatos que deveria relatar ao Sr. a fim de que o tratamento tome a direção correta.
E falou e falou. Não lembro bem do conteúdo, só de sua seriedade. Era sobre fatos preocupantes de minha infância, por aí. Ligou duas vezes enquanto nós dávamos gargalhadas. Achei que era um bom final, até porque o Dudu poderia mudar de postura, pensando que éramos membros de uma seita montada especialmente para lhe atazanar a vida. Eu sabia que, para ouvir os recados na tecnologia da época — duas fitas cassete, uma com a voz de Dudum outra com as ligações –, ele tinha que passar por cada um deles in-tei-ri-nho. Mas ele não mudou o número do telefone, prova de que não estava tão incomodado. Porém, no dia seguinte, deixei na secretária eletrônica do Dr. Dudu a informação de que estava curado. Novamente ele não precisava falar para eu saber. Estava livre.
Nunca mais telefonei. Obrigado, Dudu.
P.S. — Importante: não posso indicar o tratamento porque esqueci o número.
hahahahaha… maravilha!!
Logo depois larguei a psiquiatria, virei Sanyasi e fui morar num Ashram. Atualmente opero na bolsa de valores.
:¬)))))
AHAHAHAHHA
Hahahahahaha, fiquei (mais) fã do teu pai!
Foi bom encontra-lo. Quando o Dudu fechou o Consultorio, deixou-me algumas anotações e uma lista de “pacientes” devedores, para que eu fizesse as cobranças. Recebi de todos. Faltava, porém, um: você. Posso dispensar a multa pelo atraso, mas não os juros e a correção monetária. Passarei aí para receber. Ou prefere um boleto bancário?
(Estou cruzando a fronteira do Uruguai).
hahaha