Um catadão do que pensa um sujeito da esquerda independente

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Antes do discurso, uma rezadinha básica | Foto: Reprodução YouTube

Quando o governo Dilma caiu do modo como caiu, pensei e disse que demoraríamos de 15 a 20 anos para formar uma nova esquerda forte. DETESTAREI ter razão.

Será um longo reaprendizado. Nós, da esquerda, precisaremos reaprender a dialogar com a população. Há anos, o PT é um arrogante dono da razão, sabe tudo de tudo e não escuta ninguém, fato que pode ser comprovado a cada intervenção da presidente do partido, Gleisi Hoffmann. Tudo o que não precisamos é de fanáticos seguindo um líder messiânico, surdo ao que acontece no país. Para piorar, os caciques do partido não conseguem empolgar ninguém com suas falas antiquadas e os mais jovens ainda têm receio de discordar da turma autoritária.

Pelo visto, o partido tem uma estrutura viciada e espero pela formação de uma nova esquerda longe do PT. Por isso falo em décadas. Uma esquerda que fale outra linguagem, ouvindo críticas, admitindo os colossais erros cometidos e buscando meios de dar seu recado sem ofender. E que saiba fazer política e campanhas. Talvez seja necessária uma frente, mas não acredito muito nisso.

O abandono das bases, o caciquismo, a não formação de novas lideranças… O fenômeno Lula — uma realidade — sozinho não justifica essas múltiplas cagadas, como o anúncio tardio da candidatura Haddad.

Dentro da situação atual, o quadro mais importante para o futuro poderia ser Boulos, membro do PSOL infelizmente muito ligado a Lula.

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No RS, não temos mais esquerdas influentes. Tanto que nas últimas eleições para prefeito (Porto Alegre) e governador, a disputa ficou entre o PSDB e o MDB. Em ambas, fiquei sem opção.

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A vida do novo governo também não será fácil.

Foram produzidas muitas expectativas na população. A política de segurança será resolvida armando as pessoas? Ora, isto apenas aumentará o número de mortes e a violência. E a economia? Como reagirá a população quando ver seus direitos minguando? Como reagirá aos afagos que serão feitos a empresários e agronegócio? E quais receberão afagos? Certamente os mais atrasados, como as Havans da vida com suas Estátuas da Liberdade.

O apoio ao Salvador da Pátria Jair Bolsonaro foi muito parecido com o que receberam Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello. O milico não precisa repeti-los, mas sabemos como acabaram Collor e Jânio ao não serem capazes de produzir respostas satisfatórias em prazo curto.

Bolsonaro evitou os debates com quem foge do diabo. Sim, ele está longe de ser pessoalmente brilhante, não sabe enfrentar o contraditório, prefere agredir e bravatear sozinho. É uma pessoa muito simples. Na presidência, ele se manterá falando sozinho?

E como faria isso se não tem maioria absoluta no Congresso para realizar mudanças constitucionais profundas? Ele diz que não fará toma lá dá cá, mas é claro que fará, que terá de voltar à política tradicional. A reforma da previdência, por exemplo, é profundamente impopular e os parlamentares vão cobrar caro. Como será isso? Temer dá uma ajudinha no final de seu mandato?

A imagem internacional de Bolsonaro é uma piada. Aparentemente, a diversão deles está garantida, o nosso sofrimento também.

Estou desanimado, mas tentando ficar ligado aos sinais. Haverá brechas, denúncias e todo o gênero de discussões aos estilo dos anos 70, que vivi intensamente. Hoje acordei com uma triste sensação de déjà vu. Um governo militar ainda mais tosco do que o de Figueiredo e todo eivado de religiosidade. Para mim, um ateu, parece o apocalipse.

Pessoalmente, minha estratégia será a de procurar e reforçar as amizades. Minha mulher já disse que devemos mergulhar em arte e literatura. É uma boa. De resto, é ficar atento aos sinais e ter bons amigos aqui, no Uruguai e em Portugal.

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4 comments / Add your comment below

  1. Na situação atual causada pelos erros da esquerda, e não somente do PT, e pela fraude em escala industrial organizada pela extrema direita nacional e internacional, temos que ter a paciência necessaria e a ousadia firme para reconstruir caminhos com e junto da comunidade. Repudiar Lula e o PT é captitular aos fascistas . Pensar numa nova esquerda daqui a 10 anos é entregar a cabeça do povo aos seus carrascos . O PT precisa fazer sua autocrítica com certeza, das alianças espurias aos deslumbramento do exercício do poder, mas uma coisa é certa sem o PT não será possível derrotar este ódio doentio que virou epidemia.

  2. Caro Milton Ribeiro,

    Como leitor assíduo de teu blog tenho sido brindado com incontáveis benesses oriundas de tuas indicações literárias (tô usando umas palavrinhas mais gordurosas, nesse inicio principalmente, não por pedantismo, mas pra tentar imunizar o texto de bolsominions). A mais recente foi o deleite com tua indicação do livro do Kennedy Toole. Paradoxalmente, um refúgio hilário e delicioso em meio ao tormento cotidiano brasileiro e, ao mesmo tempo, uma inevitável conexão com essa mesma realidade: não consigo deixar de imaginar a Sra. Levy usando uma camisa customizada da CBF numa dessas passeatas dos “de bem”.

    No entanto, me senti impelido a expor o que penso nesse teu generoso e acolhedor espaço e manifestar minha parcial discordância com essa questão relativa aos rumos da esquerda no Brasil, intimamente ligadas aos rumos do nosso país.

    Confesso que uma coisa que me incomoda bastante é essa naturalização da culpabilidade do Lula e do PT. Parece que uma condição imprescindível para que qualquer consideração politica à esquerda seja recebida é que ela se inicie com “não sou petista”, “já votei no PT, mas hoje não o reconheço”, “não defendo o Lula, de forma alguma”, e por ai vai. Ou seja, defender o Lula/Dilma/PT é intolerável, coisa de fanático doutrinado (perceba a contradição: o intolerante enxerga no outro doutrinação).

    Deixe-me tentar vencer essa barreira: Não sou petista, sou de esquerda. Já votei no PT, e continuo votando e reconhecendo suas qualidades e defeitos. Defendo Lula/Dilma/PT sem nenhum fanatismo (incrivelmente, isso é possível).

    Entendo essa ojeriza ao messianismo que envolve Lula. Eu também preferia que não precisasse ser assim. Me arrisco a dizer que o próprio Lula preferia que não fosse assim (calma! te asseguro que não sou fanático J). Mas percebo também que isso é quase inevitável dadas as circunstancias que envolvem toda a trajetória politica e de vida dele, que se reforça com essa perseguição implacável (que de tão implacável foi naturalizada), culminando com esse processo kafkiana que o leva à prisão.

    Começando por essa ultima etapa, parece loucura defender alguém que tenha sido condenado em duas instâncias, sendo a segunda colegiada, além de ter inúmeros pedidos negados pela ultima instancia (deuses imaculados do STF), cujos membros, em sua maioria, foram indicados pelos governos petistas. Mas me parece igualmente insano não perceber os gritantes, ululantes, vícios desse processo todo: a celeridade com que foi conduzido, o compadrio entre membros do judiciário (Moro/Gebran, p. ex.) e seu elitismo enraizado até a enésima geração (ou desconhecemos o ódio (fanatismo?) que sempre nutriu a elite por qquer posição de esquerda que possa vencer eleições, pecado mortal do PT pra essa gente).

    Um breve parêntesis aqui: Tenho uma opinião particular qto a esse processo: Quando se iniciou, imagino que a turma lavajatense tinha certeza que encontraria inúmeros elementos para fácil condenação do Lula. Afinal, que governante brasileiro sobrevive a uma devassa. Ainda mais tratando-se de um pé-rapado que ascendeu ao posto mais alto, alcançando enorme prestigio e poder politico. À quantas benesse, quantos agrados estivera sujeito (vide o intocável fazendeiro FHC, usufrutário (esse Cunha!) do apto. parisiense de seu sócio, pra ficarmos num exemplo mais elevado). Mas o que encontraram, depois de vasculharem até debaixo de seu colchão? Uma não-posse (e não-usufruto!) do suntuoso tríplex do Guaruja (novo fetiche coxinha) “comprovada” unicamente pela delação de seu proprietário, que com isso viu sua pena ser drasticamente reduzida. Ah, mas tem tbem o sítio na nobríssima região de Atibaia, com lancha de alumínio e pedalinhos; e os containers dos presentes; e os presentes. Tenho dito que o Lula deve ser o corrupto mais inteligente que existe, pois o produto de seus fabulosos desvios, para não o incriminarem, foram traiçoeiramente destinados às contas de seus adversários políticos. Mas é claro que ele não contava com a astúcia do Dalanha!

    Bom, mas se juntarmos esse perseguição insana às inúmeras conquistas, percebidas principalmente pelos mais pobres, ao longo dos governos do PT (pelo menos até os “movimentos de 2013”) tem-se inegavelmente as condições estabelecidas para essa visão mítica do Lula.

    Entendo que isso, por um lado, dificulta o surgimento de novas lideranças e também cria condições para o apoio de oportunistas e, nessa esteira, de políticos carreiristas que acabam se descolando da realidade ao se apegarem a cargos e a estrutura partidária. Isso encaminha ao desgaste natural de qualquer período de comando. Acredito que esse seria o desfecho inevitável do segundo governo Dilma, que só não ocorreu pela afoiteza da oposição com a paúra da sombra gigante do Lula que ainda poderia dar uma sobrevida ao PT. Preferiram não esperar e buscaram, com as armas que dispunham (mídia/judiciário), a inviabilização imediata da Dilma. E chegamos aonde chegamos.

    Assim, entendo que esse arejamento da esquerda, que seria muito bem vindo depois de um encerramento natural do ciclo do PT, também foi atropelado pela sanha da derrubada da Dilma, da banalização da criminalização do PT e da condenação do Lula. Isso tudo recolocou ou manteve o PT no centro da questão, linchado incessantemente por um lado e vitima por outro. Nesse sentido, num processo quase obrigatório de defesa de seu inegável legado, o PT e Lula não poderiam aceitar serem tragados pela onda direitista e aceitar passivamente esse destino. Daí, acredito certa a estratégia de brigar pela candidatura do Lula até o ultimo instante. Isso inegavelmente expos a parcialidade e a hipocrisia que envolve todo esse processo. Alguém tem duvida do que aconteceria com o Haddad se ele tivesse sido lançado lá no início, onde essa vinculação com o Lula era muito mais tênue. Ele só carregaria o ônus de ser do PT (e criador das chupetas fálicas!) sem o bônus de ser o esteio de Lula. O mesmo destino acometeria o coronel Ciro. E pra mim, esse é o grande ódio que o Lula desperta: ele não sucumbe. Preparou um partido para vencer eleições e depois de três tentativas chegou lá, e terminou com 80% de aprovação. E só conseguiu isso, pra desgraça dos puristas de direita, reproduzindo as praticas usuais da politica brasileira, tendo que cooptar parlamentares/partidos de aluguel (lembre que logo no inicio de seu primeiro governo, uma das primeiras medidas do congresso foi acabar com a CPMF, iniciativa liderada por quem a criou, num claro recado: Coopte-me ou te devoro!).

    Não tenho duvidas de que o próprio Lula preferiria uma saída de cena muito mais tranquila, envolto nos louros de seus feitos. Mas os fatos o empurraram para a briga, já que a esquerda não teria qquer chance se não fosse com ele ou com alguém fortemente vinculado a ele. Essa era a aposta da direita, esconder Lula e fazer o 2º turno com Bolsonaro. Mas tiveram que embarcar com a vergonha do Boso.

    Por isso tudo e por mais que a renovação da esquerda seja imprescindível, acho que o momento é de juntar as forças e se reconectar com as raízes populares e trabalhistas, mas sem deixar de reconhecer e valorizar os incontáveis feitos dos governos petistas e o inestimável valor de Lula. Renegar isso é a renovação da esquerda que a direita quer.

    Enfin! Não sou só certezas, mas essa é (uma parte da) minha leitura de tudo isso que estamos atravessando e como devemos seguir. Estarei junto nesse mergulho nas artes e literatura e teu blog continuará sendo um parceiro inestimável.

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