Por Eduardo Mello (*)
cinecittà – cachaça e luna piena
col vento così forte
non dirmi buonanotte
soltanto per stasera
amore e capoeira
cachaça e luna piena
come in una favela
é o hit (‘tormentone’) do verão italiano de 2018. o clipe traz uma tomada aérea do rio de janeiro, até a comunidade tavares bastos, sob sirenes policiais em céu de brigadeiro – e outras patentes
funk italiano: takagy e ketra (feat. giusy ferreri). ‘com um vento assim tão forte, não me diga boa noite, só essa noite, amor e capoeira, cachaça e lua cheia, como em uma favela’. toca no táxi, na imobiliária, nos minimercados do sul-coreano e do bengalês,
na voz balouçante das gurias
ao trabalho: setor político (acompanhamento e análise da política interna e externa italiana), cooperação jurídica (extradições, acordo sobre conversão recíproca de carteiras de motorista), instituto internacional para a unificação do direito privado (unidroit)
um privilégio da carreira: encontrar, no mesmo ambiente de trabalho, colegas provenientes de moscou, beirute, varsóvia, nova delhi, pequim, barcelona, túnis, acra. assim como os colegas de outras embaixadas que encontramos em eventos, reuniões, festas nacionais. não falta assunto
conhecer os tantos programas políticos de debate e entrevista, nos diversos canais de televisão. desvendar a paisagem da imprensa, com seus jornais diários e impressos, da esquerda à direita. há quem se queixe de concentração, imprensa corporativa, jornalões, etc, mas é uma considerável diversidade (se comparada com outros pagos)
fazer visita de cortesia à diplomata de mesmo nível hierárquico no ministério dos negócios estrangeiros e da cooperação internacional, a chancelaria italiana, conhecida como ‘farnesina’, por ter sede no palácio de mesmo nome, desde 1959
projetado para abrigar o partido nacional fascista nos anos 1930, arquitetura áulica representativa da romanità imperiale. o responsável pela escolha do projeto elogiou-o pela ausência de movimentos arbitrários ou de contrastes inúteis, pelo retorno à ‘severa e sã elementaridade das superfícies’, dedicado a expressar uma só ideia: lógica e essencial. insomma: um anti-niemeyer
é, de fato, um bloco lógico e essencial: 170 m de largura, 51 de altura no foro itálico (ex-foro mussolini). ao lado do stadio olimpico, perto de um obelisco onde se lê, na vertical,
m
u
s
s
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l
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d
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dux presente também na piazza augusto imperatore, em cujo centro surge o mausoléu de augusto, construído em 28 a.c., quando otaviano retornou da campanha do egito. no entorno, os palácios do inps, construidos por mussolinidux e que ostentam, em relevo,
dizeres fascistas em latim
as gurias ainda não precisam saber o significado das músicas e das marchas, não precisam saber o que é um fascista, nem um duce, mas já dão severas ordens às bonecas, como ouvem na escola. manda sentar, calar-se e engolir em seco:
‘seduta, zita, a mangiare tutto!’, gritam
a geopolítica e o debate eleitoral, os cursos de pós-graduação e o labirinto de telegramas que chegam de todos os quadrantes,
tudo esvanece quando elas cantam amorecapoeira no chuveiro, ao por-do-sol,
madeixas castanhas amalgamadas ao ocre das deusas pagãs que banham ruas e janelas de roma,
enquanto bebo cachaça de lua cheia
avevo solo voglia di staccare
andare altrove
non importa dove, quando, non importa come
e allora andiamo al mare
in mezzo a un temporale
.oOo.
(*) Eduardo Brigidi de Mello, diplomata, publicou ‘Brisas de Bissau’ (2015). O texto representa tão-somente a percepção do autor.