O título do livro anuncia e o livro narra uma tragédia, claro. Porém, a história não é baseada em Shakespeare, mas numa notícia de jornal. Sete anos após o suicídio de dois jovens no interior da Alemanha, Keller criou esta história que foi incluída originalmente no ciclo de contos A gente de Seldvila, publicado pela primeira vez em 1856 e tido por Nietzsche como um “tesouro da prosa alemã”. O pouco falado suíço Gottfried Keller (1819-1890) foi um mestre.
Sem spoilers, tá? No centro dos acontecimentos de Romeu e Julieta na aldeia (Editora 34, 156 páginas) estão as duas famílias camponesas Manz e Marti. Ambos os agricultores têm família e cada um tem suas terras. Cada um também têm um filho — Marti tem a menina Vrenchen e Manz, Sali, um garoto. Vrenchen e Sali passam muito tempo brincando nos campos de seus pais, enquanto estes fazem seus trabalhos de lavrar, plantar, colher e limpar seus campos. Os campos aráveis das duas famílias ficam próximos um do outro, separados apenas pelo campo do meio, cujo dono morreu. Apesar de um suposto neto do dono estar na cidade, obstáculos burocráticos — que inclui racismo, aparentemente — impedem que o chamado violinista negro o use.
Não há cercas entre os campos, apenas algumas pedras marcam a linha limite. Isso dá aos dois agricultores a oportunidade de invadir um pedaço do campo abandonado. Depois, quando o campo do meio é leiloado, é Manz quem fica com ele. Mas o vizinho Marti se recusa a ceder sua parte ocupada. Há uma disputa acirrada entre os agricultores. Do dia do leilão em diante, Manz e Marti são devorados por ódio, inveja e ressentimento, tornando a vida cada vez mais difícil para eles e suas famílias. As crianças também sofrem com a briga e têm que ficar por anos apartadas, cada uma no seu canto. O ódio é imenso e irracional.
Como esse conflito absorve cada vez mais suas vidas cotidianas, os agricultores negligenciam seus campos e acabam arruinando suas famílias. Como novo meio de subsistência, Marti passa a pescar — coisa de pobre na região –, enquanto o fazendeiro Manz abre na aldeia vizinha (Seldvila), um bar de bêbados. Mas como o bar é um fracasso, Manz também se volta para a pesca a fim de poder dar de comer a sua família.
Ou seja, os camponeses perderam quase tudo, de seu trabalho à reputação, de suas terras à humanidade, são desprezados pela família e por outros camponeses, mas não perderam o ódio mútuo. Durante uma pescaria em que são acompanhados pelo filhos já jovens, os dois se encontram por acaso, ofendem-se e a coisa acaba em agressão física. Os filhos os separam, mas se observam… Não se viam há muito tempo.
E Sali procura Vrechen. E o resto deixemos de lado.
Keller é um mestre, conta sua sombria história considerando não apenas o amor dos jovens como a condição de penúria financeira. Esta, a situação social de ambos, é decisiva no desenrolar de Romeu e Julieta na aldeia.
Não avançarei mais. Keller é um escritor conciso e de grande poder de evocação. Com duas ou três pinceladas já temos um cenário completo. Faz grande literatura.
Recomendo muito.