Lá pelos anos 80, não existia identificador de chamadas, mas havia coisas como secretárias eletrônicas. Os recados era gravados sequencialmente em fitas cassete. Um dia, eu liguei para um número errado e me atendeu uma dessas geringonças:
— Aqui quem fala é o Dr. Eduardo X., médico psiquiatra, deixe seu recado após o sinal.
Logo vi as possibilidades cômicas daquilo, pois eu sabia o número para o qual tinha ligado.
E passei a ligar para o Dudu. Eu dizia “Oi, Dudu” e começa a contar meus problemas nos 30 segundos que tinha para falar. Eram problemas reais. Às vezes, eu tinha que ligar várias vezes para explicar tudinho. Era meu tratamento.
Como os recados eram gravados na fita, eu sabia que o Dr. Dudu tinha que ouvir todos os meus recados se quisesse saber dos avisos de seus clientes reais.
Passei meses ligando. O Dr. Dudu já conhecia toda a minha vida.
Um dia, num almoço em casa, contei para minha família sobre meu psiquiatra. Eles choravam de rir.
Lembro que minha mãe não conseguia parar de gargalhar, dizendo “Coitado desse médico. Se fosse eu, te matava”. Ela era dentista.
Naquele dia, meu pai me pediu o tal número. Ligou para Dudu e anunciou:
— Oi, Dudu. Eu sou o pai daquele cara que fica te ligando. Estava pensando se podia receber tratamento análogo.
E começou a falar sobre sua relação com minha mãe. “Sou casado há tantos anos com a meeeeeeeeeeesma mulher”.
Credo, que saudades sinto dos meus pais.
Milton, bom descobrir agora que meu paciente de antanho era você. Apresentei seu caso no Congresso Da Sociedade Universal Do Reino da Psicanálise e fui premiado. Deixo lhe aqui meu PIX para que possa fazer o depósito da sua dívida, pois no meu Livro Caixa consta seu passivo. Meu PIX é o número antigo daquele telefone, acrescido da data de seu nascimento. Grato. Dudu.