“Não, não chega. Tchékhov trouxe à nossa consciência essa massa enorme de russos, todas as classes, estratos sociais, idades… Mais do que isso! Ele nos trouxe esses milhões como democrata, entendam, como um democrata russo. Ele disse o que ninguém antes, nem mesmo Tolstói, havia dito: antes de tudo, todos nós somos pessoas, entendam, pessoas, pessoas, pessoas! Disse isso na Rússia, como ninguém antes havia dito. Ele disse: o mais importante é que as pessoas são pessoas, e só depois são bispos, russos, lojistas, tártaros, operários. Entendam: as pessoas não são melhores ou piores por serem bispos ou operários, tártaros ou ucranianos; as pessoas são iguais, porque são pessoas. Há meio século, cegas pela estreiteza partidária, as pessoas achavam que Tchékhov era o porta-voz de uma época ultrapassada. Mas Tchékhov é o porta-estandarte da maior bandeira que já foi erguida nos mil anos de história da Rússia: da autêntica e boa democracia russa, entendam, da dignidade humana russa, da liberdade russa. Pois nosso humanismo sempre foi irreconciliavelmente sectário e cruel. De Avvakum159 a Lênin nossa ideia de humanismo e liberdade sempre foi partidária, fanática, impiedosamente sacrificando a pessoa a uma concepção abstrata de humanidade. Até Tolstói, com a pregação da teoria da não violência, é intolerante e, principalmente, não parte do ser humano, mas de Deus. É importante para ele que triunfe a ideia de bondade, contudo os homens de Deus sempre tentaram enfiar Deus no homem à força, e na Rússia eles não se detiveram diante de nada para alcançar esse objetivo: degolar, matar, o que quer que fosse. Tchékhov disse: vamos colocar Deus de lado, vamos colocar de lado as chamadas grandes ideias progressistas, comecemos pela pessoa, sejamos bons e atenciosos para com a pessoa, seja ela quem for: bispo, mujique, industrial milionário, trabalhador forçado de Sakhalina, empregado de restaurante; comecemos por respeitar, ter compaixão, amar a pessoa, pois sem isso não chegamos a lugar algum. Isso é que se chama democracia, a até agora irrealizada democracia russa. O russo viu de tudo em mil anos, a grandeza e a ultragrandeza, só não viu uma coisa: a democracia. Essa é, a propósito, a diferença entre os decadentistas e Tchékhov: o Estado pode se irritar com o decadente e lhe dar um tapa na nuca, uma joelhada no traseiro. Mas o Estado não entende a essência de Tchékhov, e por isso o atura. Na nossa casa, a democracia não tem valor; estou falando da democracia de verdade, a democracia humana.”