Em 2004, Roberto Bolaño, que esta semana completa há 18 anos de morte, publicou uma lista de “conselhos sobre a arte de escrever contos” na coleção de ensaios Entre Paréntesis. O conselho que Bolaño dá aos aspirantes a escritores é muito específico e provavelmente não servirá para todos (escrever quinze contos de cada vez??). É também um pouco tenso — quase ninguém que escreve esse tipo de lista cita explicitamente outros escritores –, mas, em última análise, pode ser resumido a um ponto principal: você deve ler. Bem, você não vai ouvir nenhum argumento contrário sobre isso.
Aqui está a lista completa:
Agora que tenho quarenta e quatro anos, vou oferecer alguns conselhos sobre a arte de escrever contos.
1. Nunca aborde um conto de cada vez. Se alguém abordar um conto de cada vez, poderá estar escrevendo o mesmo conto até o dia de sua morte.
2. É melhor escrever contos três ou cinco de cada vez. Se alguém tiver energia, escreva nove ou quinze de cada vez.
3. Cuidado: a tentação de escrever dois contos de cada vez é tão perigosa quanto escrevê-los um de cada vez. É como nossa interação com os espelhos.
4. É preciso ler Horacio Quiroga, Felisberto Hernández e Jorge Luis Borges. É preciso ler Juan Rulfo e Augusto Monterroso. Qualquer contista que tenha algum apreço por esses autores jamais lerá Camilo José Cela ou Francisco Umbral, mas lerá, sim, Julio Cortázar e Adolfo Bioy Casares, mas de modo algum Cela ou Umbral.
5. Vou repetir mais uma vez, caso ainda não esteja claro: não considere Cela ou Umbral, de forma alguma.
6. Um contista deve ser corajoso. É um fato triste de reconhecer, mas é assim que as coisas são.
7. Os contistas costumam se gabar de ter lido Petrus Borel (Joseph-Pierre Borel). Na verdade, muitos contistas são notórios por tentarem imitar a escrita de Borel. Que grande erro! Em vez disso, eles deveriam imitar a maneira como Borel se veste. Mas a verdade é que quase nada sabem sobre ele — e nem sobre Théophile Gautier ou Gérard de Nerval.
8. Vamos chegar a um acordo: leia Petrus Borel, vista-se como Petrus Borel, mas leia também Jules Renard e Marcel Schwob. Acima de tudo, leia Schwob, depois vá para Alfonso Reyes e de lá vá para Borges.
9. A verdade é que, com Edgar Allan Poe, todos teríamos material de qualidade mais do que suficiente para ler.
10. Pense no ponto número 9. Pense e reflita sobre ele. Você ainda tem tempo. Pense no número 9. Na medida do possível, faça-o de joelhos dobrados.
11. Deve-se também ler alguns outros livros e autores altamente recomendados — por exemplo, Perì Hýpsous (século I dC; Sobre o Sublime), do notável Pseudo-Longinus — uma obra clássica sobre a estética e os efeitos de uma boa escrita –; os sonetos do infeliz e corajoso Philip Sidney, cuja biografia Lord Brooke escreveu; The Spoon River Anthology (1916), de Edgar Lee Masters; Suicidios ejemplares (1991), de Enrique Vila-Matas; e nquanto as mulheres dormem (1990), de Javier Marías.
12. Leia esses livros e também Anton Tchékhov e Raymond Carver, pois um dos dois é o melhor escritor do século XX.
Isso não é uma lista, é um conto.