A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.
Olá!
O título do e-mail não contém exageros, pois estamos indicando o melhor livro de Mia Couto em anos, um surpreendente documento histórico sobre fatos brasileiros — escrito com graça por Delmo Moreira — e um livro de ensaios sobre cinema de Enéas de Souza. Sim, não há nada que não seja simplesmente muito bom!
Boa semana com boas leituras!
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O Mapeador de Ausências, de Mia Couto (Cia. das Letras, 288 páginas, R$ 54,90)
Talvez este seja o melhor livro de Mia Couto. Em nossa opinião, é. E disparado! A ação decorre na Moçambique de antes e de depois da descolonização e conta a história de Diogo Santiago, escritor e poeta de Maputo, que viaja após muitos anos à sua terra natal, a cidade da Beira, às vésperas da chegada do ciclone Idai, que efetivamente arrasou a cidade em 2019. Diogo vai até Beira com a finalidade de receber uma homenagem, mas também pretende descobrir detalhes acerca da história de seu pai, também poeta, que morrera na cidade ainda nos tempos coloniais. A trama de O Mapeador de Ausências não se completa até a última página. À medida que vamos lendo o livro, as lacunas que Mia deixa abertas vão sendo preenchidas com conteúdos muitas vezes inesperados. Na Beira, Diogo conhece Liana, que lhe repassa um verdadeiro dossiê da PIDE (a terrível Polícia Internacional e de Defesa do Estado, espécie de DOPS português) a respeito das atividades “subversivas” do pai de Diogo. Mia Couto vai empilhando documentos — inacreditáveis, tal a qualidade de sua prosa — e narrativas que vão e voltam no tempo. Seja pela violência dos colonizadores, seja pelos desastres naturais — tanta gente morreu em Moçambique e sabemos tão pouco a respeito –, este melancólico livro de Mia Couto está plenamente justificado. Tudo é catalisado pela arte com que Mia Couto conta sua excelente trama. Moçambique é a morte onipresente, e também a alegria, a saudade, deus, o mal, o destino.
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Catorze Camelos para o Ceará, de Delmo Moreira (Todavia, 288 páginas, R$ 74,90)
Um livro espetacular! Um documento sério sobre nossa história, mas também um livro hilariante. Afinal, o Brasil sempre foi o Brasil. Na manhã de 18 de junho de 1859, quem estivesse no cais de Fortaleza presenciaria uma cena inusitada. Catorze camelos, chegados da Argélia após uma travessia de 34 dias, estavam sendo desembarcados em caixotes de madeira para serem usados como alternativa às mulas de carga. Pouco antes, o Brasil recebera expedições europeias importantes, como a de Martius e Spitz, mas também aventureiros que voltavam ao velho continente com relatos de uma terra exótica e estranha. Ressentidos com a visão dos estrangeiros e impulsionados pelo espírito científico de D. Pedro II, os membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro arquitetaram sua própria expedição para registrar a fauna, a flora, a topografia e os costumes do país a partir de uma perspectiva nacional. A importação dos camelos fazia parte da expedição. Os cientistas receberam os animais e seguiram com eles para o interior do Ceará. Assim, após um longo e conturbado preparo, a expedição enfim partiu, num périplo que duraria anos, percorreria centenas de quilômetros e terminaria por compor a primeira grande coleção naturalista nacional. Com base em diários, documentos e arquivos, Delmo Moreira recria os caminhos e desvios da expedição.
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Os filmes pensam o mundo, de Enéas de Souza (EdiPUCRS, 308 páginas, R$ 49,90)
Os filmes pensam o mundo é muito mais do que uma coletânea de artigos de fôlego sobre filmes relevantes, a grande maioria do século XXI. Também é uma reflexão ímpar sobre imagens, sons e ideias presentes nestas obras, muitas vezes invisíveis em um primeiro olhar. Como um escafandrista que descobre joias sensíveis, Enéas de Souza mergulha em cada cena, em cada plano, evidenciando lógicas e articulações, compartilhando com o leitor os mecanismos do universo da ficção e da vida à nossa volta. Como se fosse pouco, o autor nos brinda com a formulação de uma teoria cinematográfica, marcada não só por conceitos como energia, mas também pela paixão devotada ao cinema. Culminância de uma trajetória de investigações, Os filmes pensam o mundo nos mostra que a crítica pode ser uma forma de arte. Então, como diante de um êxtase estético, não seremos os mesmos depois da leitura de cada ensaio deste livro.