Lucky Jim é um livro delicioso. Quando disse que o estava lendo, alguns amigos me disseram que o livro era pueril, descartável, o que me deixou verdadeiramente surpreso, pois o livro estava me parecendo um bom retrato do mundo acadêmico, onde — normalmente — um quer morder o calcanhar do outro. Obs.: Fui casado com uma acadêmica de certo renome e… É isso aí mesmo. As fofocas e as disputas descritas no livro me soaram pra lá de realistas.
Há outra coisa: eu gosto de humor, as boas piadas são uma das poucas alegrias desta vida, não? Christopher Hitchens, que não era exatamente uma besta e que conhecia bastante o ambiente acadêmico, considerava Lucky Jim o mais engraçado romance da segunda metade do século XX, o que não é pouca coisa. Mais do que uma sátira da vida interna universitária, Lucky Jim é um ataque às forças do tédio, quaisquer que sejam as formas que assumam, e um livro que mantém vivas as tradições de Fielding e Dickens.
Mas voltemos algumas casas. Lucky Jim é o livro de estreia de Kingsley Amis, lançado no já longínquo ano de 1954. É a história de Jim Dixon, um pobre professor de História Medieval no seu primeiro ano numa universidade do interior da Inglaterra. Amis nos conduz através de uma galeria de ingleses autenticamente chatos, excêntricos e neuróticos com quem Dixon deve lutar de uma forma ou de outra para manter seu confortável posto acadêmico e conquistar a mulher de seus sonhos.
Dixon está inquieto e sem qualquer noção do que quer fazer com sua vida e aparentemente sem capacidade de mudar sua direção ou expressar diretamente vontades. Sua principal preocupação é a de convencer o chefe de seu departamento, Ned Welch, a não demiti-lo — só que ele está tentando manter um emprego do qual não gosta. A certa altura, Dixon comenta com outro personagem, a propósito de sua disciplina: “Você não percebeu como nos especializamos no que mais odiamos?”. Bem…
Mesmo em sua vida pessoal, durante a maior parte do romance, Dixon é incapaz de assumir o comando. Sem realmente desejar, talvez por piedade, ele se envolve em um relacionamento com uma mulher, Margaret, que é severa adepta da chantagem emocional. É um relacionamento para o qual Amis nos diz que Dixon foi “atraído” ao invés de um que ele perseguiu. É desastroso. Margaret precipita brigas porque anseia por drama. Ela o acusa de ofensas que ele não comete. No passado, ela teria tentou ou não um suicídio — Amis é intencionalmente ambíguo neste ponto –, mas a percepção de Dixon de Margaret como frágil o liga ainda mais a ela. Por outro lado, há Christine, a namorada do filho do professor Welch, uma jovem descrita por Amis de tal forma que me apaixonei por ela…
Dixon é claramente um peixe fora d’água. Seus colegas, especialmente Welch, celebram o passado e a alta cultura, enquanto Dixon não tem aprecia nenhum dos dois, apesar de seu trabalho como professor de história. Uma das partes centrais do romance se concentra em um “fim de semana artístico”, ao qual Dixon comparece na casa de Welch (para marcar alguns pontos para permanecer no emprego que abomina), onde os convidados cantam madrigais, interpretam uma peça antiga e ouvem um violinista amador. Dixon prefere o jazz às canções históricas e foge para beber cerveja em um pub durante o findi. Antes, Dixon, que não sabe ler música, fingiu entender tudinho de uma parte de tenor em um dos madrigais. Um desastre. Mais tarde, enquanto voltava cambaleando do pub para onde se esgueirava até tarde da noite durante aquele fim de semana, ele canta, com entusiasmo, uma balada country, apropriadamente, dada sua postura, sobre um acidente de trem.
Dixon faz tudo contra si, está se dirigindo velozmente para a ruína certa, perderá o emprego, nunca será capaz de se livrar de um relacionamento com Margaret — até porque estamos em um romance seriamente cômico –, mas tudo muda, apesar da palestra pública que, bêbado, dá a toda a comunidade universitária. No final do livro, fica claro que ele está pronto para uma vida melhor do que aquela que o futuro anunciava.
A comédia de Lucky Jim funciona bem demais, especialmente nas duas longas seções que se concentram em infortúnios que Dixon tem por causa da bebida: A do fim de semana artístico, quando ele adormece fumando e provoca um pequeno incêndio, e a segunda, que serve como clímax do romance, durante a palestra pública de Dixon, na qual ele sucumbe a um catálogo de erros que torna sua performance representativa dos medos de tantos nós que precisamos nos levantar e falar na frente de grupos de estranhos.
A frase final é linda: “O relinchar e o estalar do motor ao ser ligado foram ouvidos às suas costas, tornando-se mais e mais tênues à medida que, graças à distância, vieram a ser de todo substituídos por outros ruídos da cidade e por suas próprias vozes.” As palavras que fazem o final funcionar são as três últimas: “suas próprias vozes”. No meio da cidade lotada e agitada, Amis isolou Dixon e a mulher com quem ele está, deixou claro que o mundo de Dixon agora está separado do miserável que ele habitou por quase todo o romance.
E a informação mais importante sobre o livro, omites: Tem na Bamboletras?