O Rumor do Tempo (e Viagem à Armênia), de Óssip Mandelstam

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Este é um livro de prosa escrito por um grande poeta. Ou, sendo mais claro, é um livro escrito por um poeta que não deixa de ser poeta, mesmo escrevendo prosa. São dois textos memorialísticos, ambos divididos em pequenos capítulos, o primeiro tratando de São Petersburgo e o segundo de uma viagem à Armênia. Tudo é muito pouco objetivo e tem altíssima voltagem lírica. É gostoso de ler mesmo sem compreender tudo — qual é o leitor experiente que vai desejar entender tudo de um escrito poético? Às vezes, parece que estamos lendo um surrealista ou um drogado…

Mandelstam (1891-1938) teve vida trágica. Era um poeta de tremendo talento, amaldiçoado por ter vivido nos dias de Stálin. Certa vez, escreveu um poema sobre o Todo Poderoso, lendo-o para seis amigos em um jantar. Dizia, entre outras coisas que o homem tinha bigode de barata. Um destes “amigos” era um informante. Preso em 1934, morreu por inanição. Depois, a KGB fez uma varredura cultural e apagou o nome de Mandelstam no país, apesar do tal poema já ter caído na boca do povo. Teoricamente, na URSS, ninguém podia saber sobre o escritor. Era terminantemente proibido. Mas você se engana se pensar que ele era engajado politicamente. Mandelstam era um poeta de formação e postura clássicas. Escreveu cerca de 600 poemas, mais ensaios autobiográficos e filosóficos, artigos de crítica literária e traduções poéticas de Mallarmé, Racine, Jules Romain, Petrarca, entre outros)”. Em posfácio, Paulo Bezerra conta que Mandelstam lia intensamente a poesia de Dante, François Villon e André Chénier. Era um artista à parte, autônomo, por isso é difícil filiá-lo a uma corrente. Mas escreveu sobre Stálin…

Fui lê-lo porque minha mulher, que é russa, tinha dito que os escritores que tinham o melhor russo eram Tolstói, Nabôkov e Mandelstam. Mas ela leu sua poesia, não traduzida no Brasil. Sei, é complicado traduzir poetas, mesmo que em prosa. Paulo Bezerra faz um belo trabalho, porém teve que apelar para mil notas de rodapé, a fim de que entendêssemos a teia das referências.

Bom e belo livro, contudo, alerto: a leitura é trabalhosa.

Mandelstam em 1938

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