Este é o melhor dos romances do detetive Mario Conde. Dizer isto não é dizer pouca coisa. Em mais esta novela policial, Padura trata do assassinato de um ex-ministro cubano num momento de grande efervescência em Cuba, com a visita de Barack Obama e dos Rolling Stones. O assassinado é Reynaldo Quevedo, uma pessoa absolutamente asquerosa. Muita gente gostaria de ter a honra de por fim a seus dias, pois era o Jdanov cubano, o homem que perseguia os artistas a fim de colocá-los na linha, o cara que acabou com a carreira de vários deles e que também não facilitava a vida de gays e lésbicas. Porém, apesar de estar quase feliz com a morte do sujeito, cabe a um Mario Conde já aposentado dar uma mão a seus ex-colegas policiais. Afinal, eles estavam atarefados com Obama e os Stones. Para quem não sabe, Conde é uma espécie de alter ego dos desencantados cubanos, um cético que perdeu toda a esperança. Já o morto é um filho da puta sob todos os aspectos e, através da busca de seu assassino, é revisto todo um processo histórico obscuro da revolução.
Mas há outra história e outro crime. Como muitos de vocês sabem, Padura gosta de contar duas histórias em capítulos alternados. Vamos a elas, sem spoilers.
Havana, 1910. Naquele tempo, Havana era chamada a Nice da América. Significava dizer uma cidade de festa, alegria, álcool e prazeres. Lá vivia o cafetão mais famoso e querido de Havana, Alberto Yarini y Ponce de León, grande amigo do detetive Arturo Saborit. Havia uma bonita história de amizade e fidelidade entre ambos, entre o “cafetão bom”, que tinha aspirações mais elevadas do que administrar jogos de azar e suas prostitutas, e o policial. Um caso de assassinato de duas mulheres em Havana Velha expõe a luta entre Yarini, refinado e de boa família, e seu rival Lotot, um francês, que contesta sua posição de proeminência. O desenvolvimento destes acontecimentos terá uma ligação com a história do presente de uma forma que nem o próprio Mário Conde suspeita. Ah, importante: Alberto Yarini foi um personagem real, ele existiu.
Havana, 2016. Um acontecimento histórico abala Cuba: a visita de Barack Obama no que foi chamado de “Degelo Cubano” – a primeira visita oficial de um presidente dos EUA desde 1928 –, acompanhada de eventos como um show dos Rolling Stones e de desfile da Chanel, vira o ritmo pachorrento da ilha de cabeça para baixo. Assim, quando um ex-líder do Governo cubano é encontrado assassinado no seu apartamento, a polícia, ocupada com a visita presidencial, recorre a Mario Conde para auxiliar na investigação. Como já disse, o morto tinha muitos inimigos, pois no passado atuara como censor para que os artistas não se desviassem dos slogans da Revolução. Fora um homem despótico e cruel que encerrara a carreira de muitos artistas que não queriam ceder a seus pedidos e extorsões. Quando aparece um segundo corpo assassinado com o mesmo método poucos dias depois, Conde deve descobrir se as duas mortes estão relacionadas e o que está por trás desses assassinatos.
Como sempre, Padura remonta acontecimentos históricos e políticos. No caso de 2016, revemos a arte dos contrarrevolucionários e os excessos do processo de Inquisição. A conjuntura é o assassinato de um daqueles inquisidores que, como sempre, se beneficiou de abusos de poder. O cenário das duas histórias é bastante peculiar e funcional à narrativa, com muito cubanismo e bom humor. Porém, em ambas as ficções prevalece um tom melancólico — o entusiasmo dos amigos de Conde pelas degelo que vivem não o atinge e, a certa altura, falando sobre essas mudanças, conta ao amigo e irmão de vida, o magrelo Carlos: “Claro que é necessário, muito necessário. Deixe que as coisas aconteçam… Mas não creio que aconteça nada além do que está acontecendo. E a qualquer momento tudo volta e a gente se ferra”. Sim, foi o que aconteceu. Houve um grande revés nos anos seguintes, em grande parte graças às decisões teimosas de Donald Trump.
A estratégia narrativa de alternar as duas histórias funciona muito bem, os diálogos são trabalhados detalhadamente, as cotas humorísticas são entregues fundamentalmente nessas conversas dos personagens. Havana é a protagonista do romance, o ambiente que existia em Cuba em 2016 é transmitido com grande precisão e há uma elaborada reconstrução daquela cidade em 1910.
Será que eu deveria manter a primeira frase desta resenha? Padura tem 14 romances, 10 com Mario Conde. Talvez eu não devesse me atrever a fazer uma avaliação de todas as obras do grande escritor cubano, mas afirmo com segurança que Pessoas Decentes está entre as melhores. Não tem como não estar.
Recomendo muito.
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Eu também amei esse livro, inclusive pela sugestão de que a história de Saborit, embora narrada em primeira pessoa, seja escrita por Mario Conde. Algo parecido acontece em “O homem que amava os cachorros”: a sugestão de que a própria narrativa é “escrita” pelo personagem Ivan. Tanto Conde quanto Ivan são escritores. Abraços e, como você, super indico os livros desse escritor gigante.