4 poemas para o Dr. Milton Cardoso Ribeiro (1927-1993), meu pai

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MEU PAI
Ferreira Gullar

meu pai foi ao Rio
se tratar de um câncer
(que o mataria) mas
perdeu os óculos
na viagem

quando lhe levei
os óculos novos
comprados na Ótica
Fluminense ele examinou
o estojo com o nome
da loja, dobrou a nota,
guardou-a no bolso
e falou: quero ver agora
qual é o sacana que vai dizer
que eu nunca estive
no Rio de Janeiro

DISTINÇÃO
Carlos Drummond de Andrade

O Pai se escreve sempre
com P grande, em letras
de respeito e de tremor,
se é Pai da gente.
E Mãe, com M grande.

O Pai é imenso.
A Mãe, pouco menor.
Com ela, sim, me entendo
bem melhor: Mãe é
muito mais fácil
de enganar.

(Razão, eu sei,
de mais aberto amor.)

IMPRESSIONISTA
Adélia Prado

Uma ocasião, meu pai
pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos
numa casa, como ele mesmo
dizia, constantemente
amanhecendo.

NA HORA DE PÔR A MESA, ÉRAMOS CINCO
José Luís Peixoto

na hora de pôr a mesa,
éramos cinco: o meu pai,
a minha mãe, as minhas
irmãs e eu. depois,
a minha irmã mais velha
casou-se. depois,
a minha irmã mais nova
casou-se. depois,
o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa,
somos cinco, menos
a minha irmã mais velha
que está na casa dela,
menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela,
menos o meu pai, menos
a minha mãe viúva.
cada um deles é um lugar
vazio nesta mesa
onde como sozinho.
mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa,
seremos sempre cinco.
enquanto um de nós
estiver vivo, seremos
sempre cinco.

Na foto, ele, minha irmã Iracema Gonçalves, eu e minha mãe. Éramos quatro.,

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