Balzaquianas e Kafkianos

Balzaquianas e Kafkianos
Balzac, escultura de Rodin | Foto: Milton Ribeiro
Balzac, escultura de Rodin | Foto: Milton Ribeiro

A Mulher de 30 Anos é um dos piores livros de Honoré de Balzac. Certamente, é o pior que li. Logo ele, um minucioso criador de personagens e tramas, escreveu um história frouxa, desarticulada e meio sem pé nem cabeça. Devia estar apressado e premido por dívidas, o que frequentemente lhe acontecia. Poderia citar uma dúzia de excelentes romances perfeitos de Balzac, mas este é de matar. Apesar disto, seu belo título inspirou-nos a criar o termo “balzaquiana” no Brasil. Esta palavra, que só existe em nosso país, serve para caracterizar as mulheres na faixa dos 30 anos, como no título da obra. Na época de Balzac e mesmo depois, a idade de 30 anos era um turning point decisivo para as mulheres: ou estavam caindo fora do mercado casamenteiro para tornarem-se tias — tolerados fracassos sociais, bem entendido — ou, se estivessem vivendo casamentos infelizes, estavam perplexas ante o irremediável, como a personagem de Balzac. Isto excita nossa imaginação, mas…

Dos 17 volumes das obras de Balzac editadas e reeditadas pela Globo (com traduções impecáveis de gente como Mário Quintana, Paulo Rónai, etc.), li uns 12. Posso dizer que as balzaquianas são a exceção da obra de Balzac. As verdadeiras balzaquianas — as que estão nos romances — são as jovenzinhas e as tias velhas, nunca as mulheres de 30 anos. Nossa confusão criou uma expressão culta e… equivocada, pura fantasia sobre o nome de um livro. O autor não deu maior atenção aos problemas das trintonas.

kafka metamorfosePorém, além das mulheres balzaquianas, existem as situações kafkianas. Este não chega a ser um equívoco, mas reduz a obra de Kafka. Cada vez que alguém está numa situação que não compreende, passa a vivenciar uma “situação kafkiana”. Concordo que parte da obra de nosso homem de Praga seja dedicada a problemas de natureza insolúvel, e incompreensível, mas e o resto? O fato literário mais típico e perturbador da obra de Kafka é a revolucionária e insistente utilização da parábola. Esta sim é kafkiana. São parábolas pesadas, porém não são assim tão incompreensíveis. Segundo o dicionário Aurélio, um dos significados da palavra parábola é o de ser uma “Narração alegórica na qual o conjunto de elementos evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior”. Não é a descrição perfeita de um Franz Kafka menos kafkiano?

Acho que as fotos do autor também contribuem para a confusão. Quase sempre sério com suas orelhas de abano, ele parecia um solitário atrapalhado com a vida. Porém, na verdade, tratava-se de um namorador habitué dos cafés de sua bela cidade. Sua característica mais estranha era a de não conseguir criar se o ambiente não fosse 100% silencioso, o que não é tão incomum. Assim sendo, ele acabou criando sua grande obra dentro de uma pequena casa dentro do Castelo de Praga onde sua irmã morava. Quem conhece Praga, sabe que kafkiano mesmo é o cara subir aquela escadaria interminável todos os dias após o trabalho. Ali sim, ele podia escrever.

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