O dia de hoje foi dedicado aos judeus, começando pelo maior e mais importante deles: Franz Kafka. Iniciamos o dia fazendo aquilo que Gilberto Agostinho tinha nos desaconselhado: pegando um táxi, pois o local onde está o túmulo de Kafka resultaria numa caminhada de duas horas, achávamos nós, com razão.
Pedimos ao taxista que ele nos levasse ao novo cemitério judeu de Praga, fundado em 1890. Ele nos disse que a corrida nos custaria 200 coroas checas, algo em torno de R$ 20. Só que ele nos levou ao antigo cemitério, a umas dez quadras depois. Eu disse que não podia ser ali — a geografia de Praga é simples e no terceiro dia qualquer turista já pode apontar este tipo de erro. Mostramos-lhe o mapa e ele fez o sinal de OK, que nos levaria. Ao chegar lá, o preço já era de 450 coroas. Ensaiamos uma reclamação, mas o que fazer?
O que interessa é que o “novo” cemitério judaico é lindo e vale a visita. Já na entrada, há uma placa indicando “Dr. Franz Kafka”. Sim, porque ele era advogado, um doutor. A lápide é das mais simples do cemitério. Bem na frente, em um muro, uma pequena placa, homenagem do traidor Max Brod ao grande amigo de toda a vida. Explico o “traidor”: antes de morrer de tuberculose, aos 41 anos, Kafka pediu a Brod que destruísse todos os seus originais não publicados. A traição de Brod, ao publicar tudo o que encontrou, é que deu a exata noção da grandeza de seu melhor amigo. Se Kafka é o que é hoje, deve-se à sua genialidade e a Max Brod, grande Max Brod!
Na saída de lá, cometi um erro de observação do mapa dos bairros de Praga e, se não fosse a Bárbara, estaríamos em Brno neste momento. Para nos proteger de mim, ela escolheu um tram (bonde) que nos levou certinho de volta ao centro da cidade. Sim, táxis em Praga só para o aeroporto, diz a Primeira Lei de Gilberto Agostinho.
Já que estávamos na onde judaica, escolhemos ir atrás dos itinerários de Kafka na cidade. As referências do autor ao judaísmo não são bem aquelas que um fundamentalista citaria em suas perorações, porém Kafka viveu no gueto, no gueto judeu, onde ficam as principais sinagogas da cidade. Como morreu em 1924, não conheceu os nazistas, mas a geografia da cidade, com os judeus na curva interna do Moldávia, parece facilitar assustadoramente o uso da expressão gueto: o bairro parece ser facilmente encurralável.
Não é meu assunto, mas é notável que Kafka — assim como Machado de Assis em relação ao Rio de Janeiro — jamais tivesse saído de Praga. Pior: segundo testemunhos do próprio autor e de amigos, ele nunca teria se afastado demais de seu bairro. Mas, para quem gosta de paisagens, podemos dizer que seu itinerário era estupendo, incluindo a Praça da Cidade Velha, a Ponte Carlos e a hoje burguesíssima avenida Parizska.
Bem, vamos às sinagogas. Confesso que a religião não me toca muito e que não vi ali a beleza plástica das construções católicas de cidade. Vou um pouco mais à frente para dizer que as poucas mesquitas que conheci eram mais bonitas. Eu e a Bárbara simplesmente conversávamos sobre outros assuntos enquanto visitávamos as sinagogas. Nosso assunto principal era a neve, fato inédito em sua vida e que subitamente ocorrera logo defronte ao monumento de Kafka no bairro judeu.
Depois, voltamos à Praça da Cidade Velha para vermos os grupos de jazz — sim, na rua, sob zero grau –, o movimento do relógio astronômico e algumas exposições. Grande dia. Trago comigo um livro em espanhol sobre os itinerários e vida de Kafka na cidade. Vou ficar ainda mais insuportável.
Algumas fotos de hoje: